visões estéticas contemporâneas

597_42Oskar Schlemmer
Manifesto da primeira exposição da Bauhaus
1923

«A Staatliches Bauhaus de Weimar é a primeira e, até agora, a única escola estatal do Reich – se não do mundo inteiro – que convida as forças criativas das belas artes, enquanto conservem a sua vitalidade, a actuar. Ao mesmo tempo, mediante a instalação de oficinas sobre bases artesanais, se impôs como tarefa uni-las num todo, numa compenetração frutuosa para as fazer convergir com a arquitectura. O conceito de arquitectura deve restabelecer a unidade que feneceu no envelhecido academismo e nos afectados ofícios artísticos, e tem que restabelecer a grande relação com o todo e possibilita, no sentido mais apurada, a obra de arte total. O ideal é velho, mas a sua aparência é sempre nova. O seu culminar é o estilo e a vontade de estilo nunca foi mais poderosa que na actualidade. Mas a confusão dos espíritos e dos conceitos causaram conflitos e disputas sobre a natureza desse estilo que deve aflorar como a nova beleza dessa confrontação de ideias. Semelhante escola, animadora e animada em si mesma, converte-se num barómetro das convulsões da vida pública e intelectual do seu tempo e a história da Bauhaus converter-se-á na história da arte contemporânea.


A Staatliches Bauhaus fundada depois da catástrofe da guerra e no caos da revolução e na era do florescimento de uma arte explosiva e emocionalmente cheia de pathos, vem a ser o ponto de reunião de todos os que, com fé no futuro e um entusiasmo transbordante, querem construir a catedral do socialismo. Os triunfos da indústria e da técnica antes da guerra e as orgias sob o signo da sua destruição despertaram aquele romantismo veemente que era uma proposta ardente contra o materialismo e a mecanização da arte e da vida. A miséria da época era também a miséria dos espíritos. O culto do inconsciente e do indecifrável, a propensão ao misticismo e ao sectarismo brotaram na procura das últimas coisas que estavam em perigo de perder todo o seu significado num mundo pleno de vacilações e rupturas. A ruptura dos limites da estética clássica fortaleceu a preeminência da emoção que encontrou o seu alimento e confirmação na descoberta do Oriente e da arte negra, dos camponeses, das crianças e dos doentes mentais. A origem da criação artística foi, assim mesmo, tanto mais investigada quanto os seus limites se extenderam mais audazmente. O uso apaixonado dos meios expressivos florescia como nas imagens dos altares. Foi no quadro, sempre no quadro, que se refugiaram os valores decisivos. Ele tem que assumir a sua divida com a síntese proclamada, independentemente da unidade do mesmo quadro, como a conquista mais elevada da exaltação individual.
A inversão dos valores, as mudanças dos pontos de vista, o nome e o conceito dão como resultado a imagem oposta, o novo credo. DADA, o buffon da Corte neste reino joga à bola com os paradoxos e liberta e purifica a atmosfera. O americanismo transposto para a Europa, cunho novo no velho mundo, morte ao passado, a luz da lua e a alma, assim avança o tempo presente com traços de conquistador. A razão e a ciência, os poderes supremos do homem, são os guias, e o engenheiro é o executor imperturbável das possibilidades ilimitadas. As matemáticas, a construção e a mecanização são os elementos. O poder e o dinheiro são os ditadores destes fenómenos modernos de ferro, cimento, vidro e electricidade. Velocidade da matéria rígida, desmaterialização da matéria, organização da matéria inorgânica, todos produzem o milagre da abstracção. Baseados nas leis naturais, são a obra do espírito para dominar a natureza. Apoiados no poder do capital, convertem-se em obra do homem contra o homem. O tempo e a hipertensão do mercantilista convertem-se na utilidade e finalidade na medida de toda a actividade, e o cálculo apodera-se do mundo transcendente: a arte converte-se num logaritmo. A arte, até há pouco desprovida do seu nome, vive a sua vida depois da morte no monumento do cubo e no quadrado colorido. A religião é o processo mental exacto e Deus está morto. O homem, o ser consciente de si mesmo e perfeito, superado por qualquer manequim na exactitude, aferra-se aos resultados da fórmula do químico até que seja encontrada também a fórmula para o espírito.
Goethe: Quando se realizarem as esperanças de que os homens se unam e se conheçam mutuamente em toda a sua força, com a mente e o coração, com o entendimento e o amor, ninguém poderá imaginar o que ocorrerá. Nesse momento já não necessitará de criar pois nós criamos o seu mundo. Esta é a síntese, o resumo, a intensificação e a densificação de tudo o que é positivo para formar um poderoso centro de forças. A ideia do centro, alheada da mediocridade e debilidade, entendida como balança e equilíbrio, converte-se na ideia da arte alemã. Alemanha, país central, e Weimar, o seu coração, não são pela primeira vez o local eleito de decisões espirituais. Trata-se de reconhecer o que é apropriado para nós com o objectivo de não ficarmos sem objectivo. No equilíbrio das oposições polares, amando tanto o mais remoto passado como o mais remoto futuro, conjurando tanto a reacção como o anarquismo, avançando desde o fim em si mesmo, desde o eu singular até ao típico, ao problemático, ao válido e seguro, chegaremos a ser os portadores da responsabilidade e a consciência do mundo. Um idealismo da actividade que abarque, penetre e una a arte, a ciência e a técnica e que incorpore a investigação, no estudo e no trabalho, realizará a construção artística do homem que, no que respeita ao sistema cósmico, é somente uma metáfora. Hoje apenas podemos avaliar o plano de conjunto, colocar os fundamentos e preparar as pedras para a construção.
Mas,
Somos, Queremos, e Criamos ! »

oskar schlemmer, escritos sobre arte: pintura, teatro, danza. cartas y diarios, paidos estética, barcelona, 1987.

comentário: a Bauhaus (1919-1933) criada por Walter Gropius contou com importantes ideólogos e mestres, para além deWassily Kandinsky e do próprio fundador. Entre eles contava-se O.S.  A sua contribuição foi decisiva, por exemplo, nos ateliers de teatro. Este pequeno texto – diferente dos manifestos bem mais conhecidos e técnicos de Gropius, Kandinsky ou Albers – resume, em última instância, o ideal técnico-prático bem conhecido da escola mas também o misticismo estético que, por exemplo, J. Itten e J. Albers desenvolveram a partir da teoria das cores e da oposição «método/intuição» no ensino artístico.

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