Piegas é a tua tia, pá…

Luís Manuel Cunha

Quando se fala de costumes em Portugal, convencionou-se acrescentar-lhe o adjectivo brandos. Portugal é um país de brandos costumes, diz-se. E, de facto, assim parece ser. Ainda hoje, sexta-feira, dia em que escrevo esta crónica, tive a prova mais que evidente disso mesmo. Uma vez mais. Cavaco Silva cancelou uma visita a uma escola secundária de Lisboa, dando como única explicação ter tido “um impedimento”. Ora, este auto-intitulado “provedor do povo” teve medo do que o esperava, uma manifestação de adolescentes. Foi esse o impedimento. Cagarola até ao inconcebível, Cavaco acobardou-se e deu ordem para o reconduzirem ao sossego e à segurança do palácio presidencial. O Presidente da República fugiu! Simplesmente, fugiu. Borrado de medo. Escusado seria tê-lo feito, facto bem evidente na afirmação de um jovem estudante que, entre gargalhadas, dizia: “Se fosse para lhe bater, chamávamos os gregos.” Ora, nas palavras escarninhas deste adolescente, está a demonstração cabal da brandura dos costumes lusíadas.

Mas não só. Está também na pobreza dos insultos que os políticos portugueses dirigem uns aos outros. Ofensas pequeninas, pobrezinhas, desprovidas de imaginação, sem qualquer conteúdo agressivo e que de ultrajantes ou ignominiosas não têm absolutamente nada, facto tanto mais inexplicável quanto vem de gente com reconhecidos dotes oratórios. Veja-se a forma como a palavra “tia”entrou definitivamente no léxico político-social português. E não me refiro às “tias” da linha Lisboa-Cascais, essa plêiade de velhas caquéticas, retratos de senilidade decrépita, “rejuvenescidas” a golpes de bisturi e embutidas em botox e silicone, com a zona púbica a aproximar-se do estômago de tão esticada a pele, que as obriga, muitas vezes, a levantar uma perna sempre que abrem a boca, para desta forma evitarem uma ruptura epidérmica. Não. Estou a referir-me à palavra “tia” como arma de arremesso argumentativo pretensamente insultuoso. Assim, em plena Assembleia da República, em tempos gloriosos de debates socráticos e perante um comentário de Francisco Louçã, afirmando que o então primeiro-Ministro começava a ficar mais “manso”, José Sócrates explodiu de forma bem audível: “Manso é a tua tia, pá”. Insulto premonitório diga-se, sabendo-se agora que a tia de Louçã é, nada mais nada menos, que a mãe do Gasparinho das finanças. Teríamos assim, no entendimento de Ricardo Araújo Pereira, “uma ofensa ao mais alto nível político dirigido a uma progenitora”, na medida em que o antigo primeiro-Ministro chamou manso à mãe do actual ministro das Finanças. Mais recentemente e num debate televisivo entre Fernando Rosas do BE e o ex-menino guerreiro, Santana Lopes, Rosas afirmou a certa altura que Lopes falava como Salazar. Logo Santana Lopes lhe arremessou o insulto demolidor: “Salazar é a tua tia, pá”. Refira-se aqui a desadequação do insulto dada a improbabilidade de alguém ter ou vir a ter uma tia manso ou uma tia Salazar. Talvez por isso é que o citado Ricardo Araújo Pereira refira tratar-se de “insultos muito ineficazes e que só ouvimos de gente pueril, como frequentadores do ensino primário ou parlamentares”.

Ora, aqui, permito-me discordar do cronista da Visão, não no que se reporta aos parlamentares que, entre si, trocam realmente insultos mais ou menos “abichanados”, mas sim no que respeita aos frequentadores do ensino primário. Pelo menos os do meu tempo. Porque, nessa altura, o insulto envolvendo a tia do “inimigo” era um verdadeiro vitupério, violento e aviltante, que não raramente redundava numa defesa da honra familiar, traduzida em troca de sopapos a deixar um dos contendores de nariz inchado e a pingar sangue. Em momentos de mais violenta exaltação, era frequente ouvir-se entre a rapaziada: “Ó pá, vai p’rá vagina da tua tia”. O insulto faz, estruturalmente, muito mais sentido do que, repito, afirmar que alguém tenha uma tia manso ou uma tia Salazar. Só que, permita-se-me o esclarecimento, por uma questão de pudor linguístico que habitualmente não tenho, me permiti a utilização de uma terminologia que, na altura, me era desconhecida e que, mais tarde, vim a saber que, numa das suas versões mais grosseiras, teria um equivalente semântico na palavra latina cunnus. Seja como for, é um facto a lamentar ter-se perdido a rudeza pura da linguagem infantil, transformada hoje em metáforas piegas e assépticas para não lhes chamar amaricadas. Até os insultos passaram a ser “de aviário”.

Ora, tudo isto faz com que, em Portugal, hoje, tudo seja praticamente de viveiro. Sobretudo os políticos. Tratados a hormonas desde as “jotas”, para, o mais depressa possível, chegarem ao poleiro do país. O país do Relvas, “o ministro de todas as coisas visíveis e invisíveis”. E do Passos Coelho, uma actorzeco menor de uma opereta bufa, apanhado primeiro pelo Ângelo Correia, em vez do Filipe La Féria. É também o país dos portugueses. Estes portugueses piegas e mansos que, em vez de despacharem de vez esta gente para a c… da tia, limitam-se a sussurrar como que por obrigação: “Piegas é a tua tia, pá”. Mas baixinho. Muito baixinho.

Luís Manuel Cunha in Jornal de Barcelos de 23 de Janeiro de 2012.

Comments

  1. marai celeste ramos says:

    Já não se pode ter uma “dor de barriga” daquelas “impeditivas” de ???

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