O Medo

No fim-de-semana passado, reparei que a Fnac tem à venda algumas das obras do filósofo indiano J. Krishnamurti (1895-1986), editadas pela Presença. Krishnamurti foi um autor que tive muita dificuldade em encontrar há quinze anos.

Fiquei com vontade de reler o único livro que tenho deste pensador fabuloso que escreve sobre vários temas como, por exemplo, o Medo. Em O Verdadeiro Objetivo da Vida, Krishnamurti dirige-se a jovens e a seus professores nestes termos:

Há inteligência quando não se tem medo. E quando é que vocês têm medo? (…) é da própria essência da educação ajudar o estudante – a mim e a vocês – a tomar consciência das causas do medo e a compreendê-las (…).  A maioria de nós tem medo. (…) quase todas as pessoas no mundo, têm algum tipo de medo a roê-las por dentro. E não será função da educação ajudar o indivíduo a libertar-se do medo, de modo que ele possa ser inteligente? (…) Se uma pessoa tem medo, não poderá ter iniciativa no sentido criativo da palavra. Ter iniciativa (…) é fazer alguma coisa original – fazê-la espontaneamente, naturalmente, sem ser guiado (…). É fazer algo que se goste de fazer.

Nota importante: Krishnamurti não entende a inteligência como a “astúcia ou tentativa de ser mais esperto para passar os outros para trás”. Segundo este pensador, a educação pode ajudar a citar Shakespeare ou Voltaire e outros, mas se não se cultivar a inteligência, ajudando o aluno a ser criativo, a pensar livremente, ajudando-o também a descobrir a sua verdadeira vocação, “qual há de ser o sentido dessa educação?”. 

Uma ideia a reter das suas palavras: o medo, seja ele qual for, é uma das barreiras da inteligência.

Fica a sugestão de um autor a descobrir.

Comments

  1. Cara Céu, que grata surpresa! Jiddu Krishnamurti é, lamentavelmente, quase desconhecido ainda!

    Na verdade, ele foi um pensador, muito mais do que um autor. Pelo próprio punho escreveu apenas três livros, a chamada série Commentairies on Living. Todas as suas restantes obras, cerca de 160, são compilações feitas das palestras que, durante mais de 50 anos, deu por esse mundo fora.

    Conhecedor sem par da natureza humana e dos meandros do pensamento individual, Krishnamurti, através da leitura das suas palavras, conduz-nos, queiramos ou não, a uma interessante, reveladora e por vezes dolorosa viagem através de nós próprios.
    Deixo aqui parte do prefácio que escrevi para uma obra brasileira publicada pela Instituição Cultural Krishnamurti, uma colectânea das principais ideias das 160 obras de J. Krishnamurti, e que me parece elucidativa para o leitor que estiver interessado em explorar JK:

    “O trabalho de pesquisa e de compilação levado a cabo por Sousa Neves é deveras impressionante e testemunha o amplo conhecimento que possuía de toda a obra de Krishnamurti : o leitor irá mergulhar em valiosos fragmentos da quase centena e meia de obras citadas nesta colectânea, num percurso temporal de cerca de cinquenta anos de ensinamentos! No entanto Krishnamurti é intemporal, os seus escritos são tão actuais agora como o eram há meio século atrás!

    Os tempos em que vivemos são conturbados. O mundo agita-se em convulsões constantes. A obscuridade e a confusão imperam. O homem, esse, estoicamente prisioneiro do tempo, obstinadamente aferrado a um passado absurdo que arrasta com orgulho, labirinticamente perdido num infinito emaranhado de desejos, impiedosamente rodopiando num turbilhão ensandecido de contradições, mergulhado num mar de ilusões sem horizonte, subtilmente torturado e castrado pela aparente densidade de sentimentos predefinidos, orgulhosamente escravo de pensamentos repetidos e gastos, profundamente adormecido por um quotidiano fútil e inconsistente, levianamente edificando castelos de areia habitados por marionetas fazedoras de irrealidades, construtor inconsciente da mais profunda decadência, imperturbável no desvario e no culto do antinatural, mantém-se infelizmente fiel ao seu mais ancestral retrato!
    Urge a mudança, a “transformação radical” de que fala Krishnamurti! Ao lê-lo entramos, quase inconscientemente, em diálogo connosco próprios e é desta maneira, com imperceptível subtileza, que ele gentilmente nos convida a que nos adentremos no vasto e infinito campo do autoconhecimento. Krishnamurti desestrutura a nossa forma de viver cristalizada e imutável, impele-nos um movimento vertiginoso que nos lança no âmago dos diversos problemas, arrasa, com uma simplicidade estonteante, as nossas convicções, mostra-nos perspectivas sobre as quais jamais ousaríamos sequer pensar, e ao fazê-lo, sempre de uma forma clara e singela, franqueia-nos a porta do autoconhecimento.

    Quando dava as suas palestras, Krishnamurti frequentemente dizia “empreendamos juntos esta viagem” e o presente livro é justamente isso: uma viagem que o leitor empreenderá junto com Krishnamurti pelas terras inexploradas da natureza humana, individual e global! Ao indagar sobre a vida, um eterno e sempre pujante movimento que obstinadamente insistimos em não querer compreender, esta viagem por entre palavras aparentemente comuns e por entre sentimentos que subitamente se despertam conduzir-nos-á a “mares nunca dantes navegados”! É uma viagem rica, diversificada, espantosa, surpreendentemente extraordinária até, porque o caminho de regresso é inexistente: uma vez iniciada, esse preciso instante da partida é já um ponto de não retorno!

    Resta-me, pois, estimado leitor, desejar-lhe uma boa, eterna e profícua viagem!”

    Fui responsável pela criação do primeiro Centro de Informação Krishnamurti em Portugal, pelo que me coloco desde já à disposição de todos os interessados em obter mais informações sobre Krishnamurti.

    Termino com um esclarecimento fundamental: este pensador não tem nada a ver com religiões, políticas, ideologias ou patetices Nova Era!

  2. maria celeste ramos says:

    Hoje ainda se lê muito – a denominada literatura light – qual kirshnamuti qual carapuça – vê-se pelos comments deste blog – nem esvrecer sabem tantos comentadores – não debitam ideias nem palavras . debitam parvoeiras e contradições – compram livrinhos no supermercado continente – o local ideal da boa literatura ao lado dos tomates

  3. xico says:

    Maria Celeste Ramos,
    A sua escrita é a melhor prova do que acabou de criticar, pela contradição em si. Já agora, não conhece nenhuma palavra portuguesa para “comments”? Quanto aos livros do supermercado, já lá comprei Eça de Queiroz, Camilo Castelo Branco, Sartre, Saramago, Camões, ….lembrei-me agora de um tal Ragueneau que vendia poemas com bolos. Mas estando os livros ao pé dos tomates, também não ficam nada mal. Que falta fazem, os tomates!

  4. O medo só é prejudicial quando é exagerado. De resto, é uma componente importante do nosso carácter, herança dos nossos antepassados, e que nos pode salvar a vida (há um filme com Jeff Bridges, não me lembro do título, muito interessante, sobre alguém que deixou de ter medo, depois de sobreviver a uma queda de avião). O problema é que, normalmente, a educação exacerba-nos o medo. Os pais são, por natureza, medrosos com os filhos, têm medo que lhes aconteça alguma coisa. E o desejo de criar filhos que cumpram os ditames da sociedade, leva-os a incutir medo às crianças, por vezes, muito medo. Aí, sim, conforme a intensidade, podem tirar-lhes qualquer poder de iniciativa e criatividade. Pode até dar origem a psicoses do medo (ataques de pânico, fobias, etc.).

    Concordo que há uma diferença entre o estar bem informado e a inteligência, duas coisas que se confundem muito.

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  1. […] Mota, no Aventar, April 27, 2012 at 01:00PM Partilhe:Gostar disto:GostoBe the first to like this […]

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