Esvaziar porque sim

Isabel Mões

Por todo o País fecham ou irão fechar tribunais, escolas, centros de saúde, repartições de finanças e por ai adiante. Estima-se por exemplo que no distrito transmontano fechem entre onze a catorze repartições de finanças a que se somam mais onze no distrito de Évora e por aí fora. Ainda esta semana aparecia nas notícias o fecho das finanças e do tribunal em Nisa fazendo os seus moradores deslocarem-se até Portalegre para resolverem o mais básico dos assuntos.

Em distritos envelhecidos e sem uma rede de transportes que supra as necessidades das populações percebemos o que significam todos esses fechos. Para quem viveu como eu no Alentejo sabe o que é ser servido por um autocarro de manhã e outro à noite, e por isso não preciso de dizer mais nada.

Mas isto tudo vem a propósito de uma conversa na Faculdade de Letras sobre o encerramento de diversos cursos. Com a normativa imposta pelo governo da não abertura de cursos com menos de 10 alunos a educação tal como outros serviços públicos é vista apenas nessa lógica capitalista de menos despesa e mais lucro. Estamos portanto a subverter todo o sentido da palavra educação quando falamos em “rentabilidade” de um curso superior, baseando-nos exclusivamente na equação matemática entre o custo de um aluno e a renda que gera (neste caso as propinas que paga).

Podemos correr o sério risco de extinguir áreas do saber que poucos se dedicam mas que são fundamentais para a continuação dos estudos iniciados por tantos há décadas atrás e  para a construção de novo pensamento critico. Quem continuará os estudos de paleografia, de grego ou de latim se um dia o Estado achar que não compensa economicamente ter dois ou três alunos a estudar essas matérias? Todo o saber se perderá como se irão perder habitantes para o interior, como numa cadeia lógica se perderão mais portugueses para a emigração.

Poder-me-ão falar na razoabilidade de distribuição dos meios, na necessidade de ajustamentos para que não se sobreponham instituições a prestar o mesmo serviço, mas perante a razoabilidade estamos de acordo mas nunca de acordo com a ausência total de razões ou numa razão que se baseia exclusivamente no corte da despesa porque sim. Uma razão cega, omnipotente que corta e eito sem perceber que o que corta pode nunca mais vir a nascer. Se nos esvaziarmos de saber e de gente o que nos resta? Se esvaziarmos os nossos serviços públicos estamos a pagar os nossos impostos para quê? Ao dia de luta de hoje seguir-se-ão outros dias de luta e mais outros para evitar que um dia acordemos esvaziados de tudo.

Comments

  1. Isto está tudo feito ao gosto dos portugueses que não tem coragem para bater o pé a todos os políticos , que não nos
    merecem credibilidade alguma . Tem que haver um movimento
    apartidário para encostar todos os políticos e julgá-los .

  2. Reblogueó esto en fermin mittilo.

  3. A questão – mais uma vez – não é a “lógica capitalista de menos despesa e mais lucro”, mas sim a do uso eficaz dos dinheiros públicos.
    Actualmente o mercado de trabalho está completamente inundado de profissionais das humanidades, muitos dos quais não conseguem arranjar emprego em lado nenhum e têm de se contentar com um emprego para o qual apenas necessitam do 12º ano ou menos. Nestas condições, para quê estourar – não é gastar, nem investir, é mesmo estourar – dinheiro em cursos que não garantam emprego em lado nenhum?
    Se é para aumentar as competências das pessoas e ajudá-las a ter uma vida melhor chegamos à conclusão de que não é isso que se verifica. As competências adquiridas em letras servem de muito pouco ou nada aos que as adquirem. Pior, esses jovens chegam ao mercado de trabalho com 20 e poucos anos, não sabem fazer nada e além do mais vêem-se com uma licenciatura que, mais do que uma mais-valia, é pelo contrário, uma menos-valia. A conclusão é que o tempo e o dinheiro gasto pelo aluno (e pelo Estado) constituem um desperdício.
    Ainda pior é o facto de o aumento de profissionais em áreas já de si assoberbadas traz como consequência a diminuição do valor do trabalho, sobretudo para os que trabalham em regime freelancer ou no privado. Quem necessita de serviços como por exemplo os de tradução ou design sabe que pode sempre arranjar quem faça mais barato, porque a oferta continua a crescer enquanto a procura se mantém ou diminui. Basta assistir à pouca-vergonha que se passa na área do design (em que há designers a trabalhar de graça em estágios curriculares) para ver como isto é verdade. Nesta área existem mais de mil vagas no ensino superior público a nível nacional.
    Se é para aumentar o pensamento crítico, é extremamente redutor pensar que isso só se consegue através de cursos superiores.
    Por fim, se é para promover as ciências sociais e humanas, deixem-me dizer que as licenciaturas são um instrumento muito fraquinho para atingir esse intuito. Se o objectivo é aumentar e promover o conhecimento entre a população em geral, então dêem-se oportunidades aos investigadores doutorados (muitos dos quais estão no desemprego ou, como eu, a trabalhar noutras áreas) e financiem-se projectos de investigação que tenham como um dos objectivos a divulgação desses conhecimentos a nível geral e não apenas a nível académico. Ficaria mais barato e obtinham-se melhores resultados.
    Não digo que se devam fechar pura e simplesmente os cursos de humanidades, pois os especialistas que temos agora não duram para sempre e é preciso continuar a formar novos profissionais para o futuro; mas também não precisamos das milhares de vagas que existem actualmente. Se se reduzir em 90% essas vagas é um favor que se faz ao erário público e aos jovens que num futuro próximo pretendem ingressar no ensino superior.

    • Pensar os cursos e reduzir gastos tendo em conta a proximidade de outras instituições ou da excessiva oferta perante o mercado não é o mesmo que oficializar a extinção de cursos com menos de 10 alunos. Foi como disse, perante a razoabilidade estamos de acordo mas o que se passa aqui é um corte cego e sem conhecimento e por isso o que conta é a despesa e não a racionalização de custos. Claro que devemos privilegiar a investigação, mas a investigação começa, como sabe com uma licenciatura. Se o meu curso que é também daqueles que como diz não tem saída profissional, não existisse eu não estava neste momento a criar conhecimento sobre áreas onde é preciso ainda estudar muito. Ao nível da investigação em concreto também não estamos melhor, com as áreas de letras a sofrerem um revés como não há memória. Na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa foram aprovados pela FCT dois ou três projectos, num universo que engloba, as línguas, teatro, filosofia, literatura, etc., etc., etc. Ficaram parados projectos muito interessantes, muitos deles com alto reconhecimento internacional, porque há que cortar, em áreas que nunca se devia sequer mexer.

      • Cara Isabel, nós temos licenciados, mestres e doutores suficientes para os próximos 30 ou 40 anos. Temos de é de os aproveitar ao nível da investigação (e não só) e não andar a formar mais. Mas é a própria FCT que caminha na direcção errada, negando bolsas a doutorados (que no mínimo têm quatro anos de experiência) e concedendo-as a mestres ou licenciados que no limite podem até nem ter experiência nenhuma de investigação. Na minha opinião, era simples: era pegar no dinheiro que vai para a formação e aplicá-lo na investigação. Não me causaria pena nenhuma ver fechar cursos que a única coisa que conseguem garantir aos seus alunos é desemprego, precariedade e trabalhos abaixo do seu nível de qualificação.

        • Eu não sei o que é ter licenciados, mestre e doutores mais. O que eu sei é que temos a taxa mais baixa de licenciados da Europa segundo os Censos de 2011 com 12% de pessoas a ter qualificações superiores. Em relação às bolsas para licenciados e para mestres sabe perfeitamente que elas destinam-se a funções diferentes que as consagradas aos doutores. Eu tive uma bolsa BIC de investigação como licenciada e ainda bem, não se pode querer que as maças nasçam sem que a árvore esteja grande.

          • A taxa é um número. Vale o que vale. Acho curioso que neste blog muitas vezes se critiquem decisões governamentais tomadas com base em dados estatísticos (o seu post é um exemplo disso), mas, quando convém, esses mesmos dados estatísticos já servem. Em todo o caso, de que vale ter muitas qualificações superiores se elas depois não valem de nada quando chega a hora de arranjar trabalho? As pessoas vão viver de quê? Por outro lado, temos o caso de Oeiras. Concelho com maior número de licenciados, que vota no vice-presidente de um político condenado por peculato. Em suma, licenciaturas não significam nem competências, nem cidadania.

            Quanto às bolsas, referia-me aos concursos para bolsas de doutoramento e pós-doc, nos quais a FCT manda para o desemprego investigadores doutorados com 4, 5, 6 ou mais anos de experiência (e nos quais provavelmente investiu para cima de 50 mil euros) e concede bolsas de doutoramento a investigadores licenciados ou mestres com 2 ou menos anos de experiência. Não entendo como se quer fazer ciência de qualidade e se descarta capital humano extremamente bem qualificado como faz a FCT. Isto era como se numa empresa o director resolvesse mandar embora as pessoas com mais de 6 anos de casa para contratar recém-licenciados. É incompreensível para não lhe chamar outra coisa. E mesmo em relação a bolsas de investigação, passa-se o mesmo: doutorados a ficar atrás de licenciados, porque toda a gente sabe quais são os critérios de selecção usados nesses processos concursais, o que justifica também os cortes que se querem fazer, pois ou bem que a ciência se faz com os melhores ou bem que não se faz. Quanto às bolsas de iniciação científica, foi outra daquelas coisas que não se entende bem para que servem (ou serviram) a não ser para deitar dinheiro fora. No meu tempo (e eu licenciei-me há dez anos) não havia nada disso e os alunos faziam investigação se assim o desejassem, pois poucos ou nenhuns eram os professores que negavam trabalhos como elementos de avaliação. E não era por isso que as pessoas deixavam de seguir depois a carreira de investigação ao nível do mestrado e doutoramento. Foi o que eu e muitos outros colegas fizeram, alguns dos quais lamentam agora essa escolha.

    • nightwishpt says:

      “em que há designers a trabalhar de graça em estágios curriculares”

      Eu gostava que o Hugo me indicasse a área em que não há estágios profissionais não pagos, já agora.

      Já quanto a não serem precisas licenciaturas das artes, num país do terceiro mundo também não são precisos engenheiros, fecha-se tudo menos os cursos de economia para a burguesia continuar a entreter-se. O mal não é existirem, é termos um país tão cientifica e culturalmente pobre que não percebe para que servem.

  4. Porque sem inquilinos se vende melhor.

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