Este PSD já não me representa

Carlos Reis

Tenho uma visão personalista da política e da vida que, admito, ter bebido na minha formação cristã. Se por um lado o meu crescimento psicológico e emancipação individual me tornaram um liberal em matéria de costumes e de exercício das liberdades individuais, por outro lado eu nunca deixei de me definir como um católico – não como um ritualista fariseu, mas sim como um personalista, isto é, aquele que tudo subsume, a sua vida, e as suas convicções ao princípio de que acima de tudo está a dignidade da pessoa humana. A eminência da pessoa humana é para mim um dado absoluto em si mesmo. Para mim, a pessoa humana não pode ser encarada como um facto contingente, submetido às políticas, às filosofias ou às regras de conduta. Pelo contrário, estas é que têm de se submeter aquela.
Só depois de ser personalista é que eu sou um liberal. E sendo um liberal eu não sou um libertário. Porque a liberdade para mim está intrinsecamente ligada a um dever ético de responsabilidade. Um libertário acredita que a sua liberdade se basta a si mesma. Um liberal, por outro lado acredita que a liberdade só se justifica enquanto não prejudica a vida dos outros e só se realiza quando os outros também são livres. Um libertário é egoísta. Um liberal é generoso.
E é também derivado da minha formação personalista, e da minha leitura da história e da sociedade portuguesas, que eu me vi a defender a social-democracia como o melhor e mais adequado sistema de organização económica para o meu país. Porque não me consigo dissociar da minha condição de português: se calhar se tivesse outra nacionalidade e vivesse noutra sociedade seria outra coisa. A minha nacionalidade é muito mais do que uma mera circunstância: é um elemento formador da minha personalidade.
Vejo o patriotismo são como algo de saudável e de louvável e vejo os países como a expressão indispensável da organização das comunidades. Só num espaço nacional a Democracia pode subsistir.
Talvez por isto tudo eu não consiga ser um revolucionário, nem um conservador. E me sinta melhor com o reformismo e o gradualismo como métodos. E veja na moderação a melhor abordagem de qualquer liderança.
Por isso estes últimos anos marcaram um afastamento irreversível entre mim e o Partido de que ainda sou militante (o PSD). Sobretudo desde 2010. Não por questões pessoais – talvez até seja a minha ligação a velhas amizades e a uma certa nostalgia de uma parte da minha biografia que me têm impedido um último corte formal e simbólico. Mas em tudo o resto este PSD já não me representa e até se coloca no lado oposto às minhas convicções.
O PSD tornou-se numa coisa estranha. Um corpo estranho à sociedade portuguesa. Uma espécie de cavalgadura dos credores. Uma espécie de milícia da situação. Uma espécie de um braço político de um Regime de Vichy. Abandonou o desígnio da social-democracia ainda que mitigada. Acolheu de braços abertos no seu seio uma visão conservadora e revanchista e revisionista da nossa sociedade para quem o ideal é o regresso a 1973 e que vê estes 40 anos mais como um fracasso do que a redenção de um povo da miséria material e moral.
Medina Carreira, José Gomes Ferreira, João César das Neves, o camelo Lourenço, Paul Ryan e os teóricos austríacos influenciam hoje mais o PSD e os seus dirigentes do que a biografia política de Francisco Sá Carneiro, os ensinamentos do Papa Francisco ou a teoria política de um Russel ou de um Popper.
Mas pior que tudo, o PSD tornou-se algo que nunca tinha sido – um aríete radical. Os valores mais eminentes foram amachucados e amarrotados de forma talvez irreversível. E o modelo vem de cima. De quem lidera. O líder actual do PSD emula cada vez mais um Pierre Laval ressentido e desorientado que à míngua de convicções resume tudo a um só programa: não perder a cara.
Por isso ontem quebrou o último tabu social: admitir que a vida humana tem um preço limite.
A prática dos actuais Gauleiters do PSD de tal forma se despiu de um mínimo de empatia e se deixou contaminar pelo interesse imediato que as suas intervenções cada vez mais parecem ser mais próprias de uma milícia do que de um Partido Político institucionalista e responsável.
Ver Deputados a escrever cartas ridículas a chefes de governo estrangeiros sem nunca terem mexido um dedo perante os colonizadores de Portugal, os mesmos que antes propuseram referendar os direitos humanos de classes específicas de cidadãos em função das suas características pessoais, ou ver um Deputado ontem a dirigir-se a um doente crónico em risco de vida qualificando a sua revolta e o seu desespero como um número de circo, é-me insuportável.
Sim, há gente no PSD que se me tornou repugnante.
E se isto é um problema, nem sequer é o mais grave. Esses pequenos poderosos não me tiram o sono.
O pior mesmo é esta noção cada vez mais evidente que as pessoas comuns deixaram de importar. Que o importante é seguir em frente e não perder a face. Que se justifique sem pudor a catástrofe destes 3 anos. Que as pessoas sejam esmagadas pela política e pela economia se preciso for. Nem que se tire sangue a uma pedra.
Este PSD já não é PPD/PSD. É um chicote colectivo. Um instrumento de gestão de carreiras. Um veículo de mediocridade e de imbecis. Um Cavalo de Tróia euro-germânico. Uma quinta coluna. Um sapo feio. Um coelho saltitão. Uma coisa qualquer. Mas já não é o PSD.

Publicado originalmente no Facebook, reproduzido com a devida autorização do autor.

Comments

  1. Rui Moringa says:

    A mim, deixou de me interessar há mais anos (Barroso) por razões semelhantes. Nesse também ja havia a percepção do mesmo magma.
    Falta-nos um verdadeiro partido social democrata. O PSD e o PS estão capturados por minudências.
    Tem razão a pessoa é o centro da Vida e de uma Comunidade/Sociedade.
    Há mais vida para além do deficit, mais vida para além desta Europa e do Euro.

  2. Ernesto Martins Vaz Ribeiro says:

    O PSD actual é um partido repugnante e quem lá está, repugnante é.
    As mudanças (ou o retorno a uma situação normal) já não se podem executar por meio de mensagens escritas e orais, mas apenas por uma atitude de ruptura.
    A questão é simples: perante o estado de degradação a que se chegou, um qualquer personagem maduro, consciente e responsável, ou está com eles, ou contra eles. Não há lugar mais para meias palavras e jogos políticos. Esta gentalha tem que ser isolada.
    As atitudes antidemocráticas e fundamentalmente (para utilizar as palavras do autor) a postura fundamentalista e anti-humanista do PSD, já não vai com críticas vindas de dentro, mas que conservam as ligações partidárias. Neste estado de abandalhamento social, político e fundamentalmente de valores, a crítica interna é nula ou não passa de “maquillage democrática” e os críticos internos não são mais que mandatários e defensores do regime – Marcelo Rebelo de Sousa, Marques Mendes, Manuela Ferreira Leite, José Pacheco Pereira, Nuno Morais Sarmento e outros falsos comentadores.
    Esta gentalha passeia toda a sua militância a troco de posições “revolucionárias” que lhes rendem uns “euritos”, no fundo o único valor em que acreditam. Malham no seu “Clube” mas são incapazes de se demarcar. Um Clube que nada tem a ver com Partido, pois até essa noção foi vilipendiada.
    O povo tem um ditado que se adapta a esta escumalha de comentadores de dentro : “Tão bom é o que rouba como o que fica à porta”.
    Portanto Sr, Carlos Reis: a escolha é sua mas em ficando, poupe-nos as lágrimas de crocodilo.

  3. Vi o nome e li apenas as gordas… Ainda bem que não te representa.

  4. Ismael Guimarães AJ says:

    A mim o PSD só me representa a nível autárquico. Sou amarantino e não gosto do PS de Amarante.

  5. Estamos a dois meses de “festejar” 41 anos de LIBERDADE! Que tenho hoje? A maior desilusão! O Homem habita o mundo, mas não está dentro dele! A Liberdade é imprescindível para estabelecer responsabilidades, porque sem responsabilidade não se pode articular a convivência em nenhum tipo de sociedade! Neste momento não tenho orgulho, mas inquietação e até angústia!…Sei que não vou por aqui!….

  6. Há muito tempo que o PSD deixou de ser social democrata. Por isso é que nunca aderi a esse partido, apesar de ter sido, desde jovem, adepto da social democracia…

  7. Aposto que muitos militantes do PSD nem sabem sequer o que é (ou foi) a Social-democracia. Para o próprio Passos Coelho (homem de parca cultura), a Rosa Luxemburgo deve ser uma espécie de flor que cresce naquele país.

  8. O autor do post está a tentar arranjar lugar no comboio (não é consigo Dario) que há-de vir.

    Sá Carneiro queria que PSD se abstivesse na votação da Constituição de 1976

    Sá Carneiro queria abstenção do PSD na votação da Constituição de 1976

     Em Nome da Lei (28/02/2015)

    A revelação é feita por Jorge Miranda, na altura deputado por um partido no qual já não se revê.  

    28-02-2015 13:39 porMarina Pimentel

    Francisco Sá Carneiro tentou convencer os deputados do PSD a absterem-se na votação da Constituição, em Abril de 1976, mas os deputados votaram de acordo com a sua consciência, aprovando a lei fundamental. 

    A revelação deste relevante elemento histórico é de Jorge Miranda, constitucionalista que na próxima semana publica um livro sobre a Assembleia Constituinte, com as suas memórias do Parlamento que há 40 anos, negociou e aprovou a Constituição. 

    “Estávamos num tempo em que os deputados não eram como são hoje, eram independentes, era impensável que um qualquer presidente de um partido ou uma comissão política determinasse os votos dos deputados”, afirma Jorge Miranda no programa Em Nome da Lei. 

    “Ele, vendo que não tinha maioria naquilo que pretendia, saiu da reunião. Ele defendia a abstenção, mas houve argumentos fortes, aduzidos por mim e por outros no sentido de que o PPD não podia deixar de votar a favor”, conclui. 

    Jorge Miranda era, na altura, deputado pelo então PPD, mas hoje não se revê no partido liderado por Passos Coelho. “Não me revejo. Até digo no livro isto que penso há muito tempo, com tristeza: O partido era social-democrata quando se chamava PPD, deixou de o ser quando se passou a chamar SOCIAL DEMOCRATA”. 

    Declarações de Jorge Miranda ao programa Em Nome da Lei, que este sábado se associou às comemorações dos 40 anos da Assembleia Constituinte. 

    P.S. Foi social-democrata uns meses.

  9. Reblogged this on O Retiro do Sossego.

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