Jorge de Brito, um banqueiro à portuguesa

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Tropeço num grunhido do Henrique Mentiroso, afirmando que os bancos nacionalizados foram roubados. É a velha tese da extrema-direita, que se esquece da forma como na maior parte dos casos as fortunas que deram origem aos bancos foram feitas à pala do estado, sendo o próprio sistema bancário um gamanço institucionalizado.

E lembrei-me desta história contada por Silva Lopes a jornalistas do Público, que em tempos publiquei noutro blogue:

O Banco Intercontinental Português, o BIP de Jorge de Brito, “caiu” na secretária de Silva Lopes em 1974, quando este era ministro das Finanças do II Governo Constitucional. “Agora falamos destas coisas, mas comparado com o que o Brito fazia…”. “Estas coisas” são, como se entende, os casos BPN e BPP que nos últimos meses estão nas páginas dos jornais.

“O Brito utilizava os depósitos para os seus negócios pessoais. Tudo quanto ali se punha era para os seus negócios pessoais. Não emprestava apenas a si próprio. Emprestava também ao jardineiro, que era para ele, claro. Ele comprava de tudo: terrenos, palácios, arte… tudo. Depois, nas compensações do Banco de Portugal [o acerto dos cheques e transferências passados pelos clientes e depositados noutros bancos], o BIP estava sempre a descoberto. E o BdP aparecia-me lá quase todos os dias a dizer ‘mais um descoberto do BIP’. O BdP teve que adiantar nessa altura 10 milhões de contos, que agora corresponde a mais de 100 milhões [500 milhões de euros].”

Também aqui houve uma intervenção do Estado. “Um dia, já noite, fui chamado ao gabinete do primeiro-ministro juntamente com o dr. [Salgado] Zenha (ministro da Justiça) e com o dr. Rui Vilar (ministro da Economia). Fomos lá os três e ouvimos: ‘Eu quero-vos dizer que estamos a prender o Brito e o Agostinho da Silva, da Torralta’. Eles foram presos pelo Copcon. Nem sei bem se quando o Vasco Gonçalves falou connosco eles já estavam presos ou estavam a ser presos naquela altura. Isto foi por aí em Setembro de 1974″, conta Silva Lopes.

Depois foi nomeada uma administração do Estado para o BIP. “Recordo-me que tive um trabalhão enorme a convencer o dr. Medina Carreira a ser um deles. Ele lá aceitou. O Banco de Portugal, como era credor do BIP, ficou com as propriedades – os quadros não, já não estava cá nada, já tinham ido para Espanha.”

O caso não terminou aqui. “Eu saí do Governo e fui para governador do Banco de Portugal. Por volta de 1979 o Brito – que entretanto tinha sido solto – desenvolveu um processo para reaver os seus bens. E conseguiu, ainda hoje estou para saber como, um decreto-lei no tempo de Mota Pinto em que se dizia que ele reavia os bens se ninguém se opusesse. O BdP opôs-se, eu fui a tribunal e o juiz não deu provimento a esse caso.”
Uma mão pesada que, no entanto, não durou muito tempo. “Eu saí do BdP em 1980 e passados uns tempos, já no governo da AD, ele já conseguiu reaver as coisas, não sei bem em que condições. Pessoalmente, considero que o Brito foi um dos indivíduos mais fraudulentos do país. O que se está a passar agora não é tão mau, apesar de ser grave. Mas o pobre do Alves dos Reis, ao pé do Brito… e toda a gente sabe o nome do Alves dos Reis.”

O BIP acabou por ser incorporado no Sotto Mayor, um banco do Estado que pagou as contas. Qualquer semelhança com o caso BPN da actualidade não é, de facto, mera coincidência.

Clara Viana e Paulo Ferreira, 1975 O Ano da Outra Crise, Público, 10-5-2009

E, não sei porquê, mas lembrei-me na altura que Jorge de Brito foi presidente do Benfica, que nem só de Vales e Azevedos se faz a história.

A impunidade é como o natal em Portugal: é quando um banqueiro ou o presidente de um grande clube quiser.

 

Imagem: Arquivo d’A Capital, Jorge de Brito durante o seu julgamento, 1976

Comments

  1. Luís Coelho says:

    Gostei do seu post.
    Contudo, o facto do homem ter sido presidente do Benfica não suja a grandeza do clube, já que todos os clubes tiveram/têm as suas pérolas. O mesmo se passa com o país, considerando o actual governo.

  2. maria celeste ramos says:

    Mas que notícia que me faz recuar 60 anos – Sim também me lembro de ter passado pelo Benfica – se agora sei que sou muito ignorante, na altura nem sabia que era mesmo ignorante – mas lá memória ainda tenho dos nomes e algumas situações que nem soube interpretar – Interessante como o “passado” anda por aí a levar-me a interpretar mais um bocadinho com quem me cruzei no tempo em que Lisboa era “mais pequenina” mas mais LIMPA – era mesmo das mais limpar e Verdes da Europa

  3. Aqui em Cascais em que o descalabro do BES se nota bem uma das razoes que se ouve dizer é que uma fauna não dispicienda, que vivia dos investimentos com dinheiro “emprestado” pelos tios salgados e que só tinha que o colocar para o balanço, agora tem andado a despedir desde jardineiros, motoristas, mestres de obras, cozinheiras… esta de entregarmos as fiscalizações e os ovos nos cestos de incompetentes tem-nos saido bem caro. Mas como em fatima os crentes vão voltar lé logo que haja mais pregerinações(eleiçoes)

  4. El Justiceiro says:

    Eu sei como o Jorge de Brito recuperou os “seus” bens. Cordelinhos do seu advogado Daniel Proença de Carvalho, que só por acaso foi o mentor do Bloco Central e de cujo governo fez parte como Ministro da Comunicação Social.

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