«Ouvia falar que havia gente que tinha problemas com a PIDE por falar»

Pois, OK. Mas era sobre assuntos sérios e não sobre futebolices. Já agora, ainda bem que houve quem não tivesse medo. Obrigado.

A ditadura e as pessoas de bem

“A única ditadura que quero é aquela onde os portugueses de bem são reconhecidos”

André Ventura, durante o debate com Marcelo Rebelo de Sousa

 

André Ventura (AV) defendeu que quer uma ditadura, o que pode ser um acto falhado, um engano, uma metáfora. Ficarei a esperar, sentado, que os críticos de Mamadu Ba façam o mesmo a Ventura. É verdade que AV não quer qualquer outra ditadura, quer “aquela”, uma ditadura específica. De qualquer modo, parece uma ditadura, cheira a ditadura, sabe a ditadura, esperemos não ter o azar de a pisar e sujar o sapatinho.

E o que caracteriza a ditadura que AV quer? É “aquela onde os portugueses de bem são reconhecidos”. Deve haver algumas ditaduras que não reconhecem os portugueses de bem, o que está mal. Não é uma dessas que AV quer; é só esta.

O que é um “português de bem”? Isso ficará ao critério de AV. Pode parecer um bocado discricionário, mas ditadura que é ditadura não anda a perguntar às pessoas, deixa o ditador decidir e não há necessidade de grandes debates. Além disso, AV foi escolhido por Deus, o que lhe confere a infalibilidade. A pergunta que inicia este parágrafo é, portanto, desnecessária, meus filhos. [Read more…]

Encerre-se tudo

A mim parece-me bem.

Encerre-se Machu Picchu, Encerre-se Chan Chan,
Encerre-se a Capela Sistina,
Encerre-se o Pártenon,
Encerre-se o Nuno Gonçalves,
Encerre-se a Catedral de Chartres,
Encerre-se o Descimento da Cruz,
de Antonio da Crestalcore,
Encerre-se o Pórtico da Glória
de Santiago de Compostela,
Encerre-se a Cordilheira dos Andes,
Encerre-se tudo, privatize-se o mar e o céu,
Encerre-se a água e o ar, Encerre-se a justiça e a lei,
Encerre-se a nuvem que passa,
Encerre-se o sonho, sobretudo se for diurno
e de olhos abertos.
E, finalmente, para florão e remate de tanto encerrar,
Encerrem-se os Estados, entregue-se por uma vez
o governo deles a carcereiros e hipocondríacos,
mediante recomendação da OMS,
Aí se encontra a cura do vírus…

E, já agora, encerre-se também
a puta que os pariu a todos.

Adaptação de José Saramago, em “Cadernos de Lanzarote – Diário III”. Lisboa: Editorial Caminho, 1996.