Austeridade, precariedade, competitividade

Sinais dos tempos. 

O Marcel das minhas vindimas

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(c) Gérard Landau (INA)

Aquele velhote chamado Marcel que tinha ido ajudar o sobrinho (Francis) e a mulher dele (Madeleine!) na vindima. Esse velhote pândego e brejeiro a tratar-me por Marguerite, “Marguerite des Champs”, para dizer a flor que eu era e que ele teria colhido se fosse ainda então rapaz novo. Esse velhote do Languedoc a falar na língua cantada e antiga daquele lugar da Occitânia onde me fixei brevemente para ser Marguerite – Marguerite des Champs de nome completo, “Des Champs-Élysées”, quando Marcel evocava Paris para dizer o que nos separava para além da diferença de idades.

Marcel como Proust mas sem livros, mas sem a consciência aguda da literatura, mas sem precisar de ser salvo pela leitura, mas sem poder reparar na eternidade de grande mistério do que se passa entre a voz que lê e a existência do corpo que a transporta, mas sem perturbações poéticas ao atravessar a paisagem da vinha – a vinha só vinha, o mistral só vento, apesar de todos os que enlouquecia. [Read more…]

O cadáver está louco

Parece cada vez mais evidente que Cavaco não reúne condições mentais para continuar a ser Presidente da República. O discurso de hoje, em Elvas é tão desligado da realidade que só pode ser compreensível se o homem estiver mesmo senil. E, a ser assim, resta-lhe ir embora e levar com ele a podridão que está no Governo.

Um discurso virado para a agricultura e umas referências para o sector piscatório, vindo de quem era Primeiro-Ministro nos anos em que mais e pagou para não produzir e se financiou o abate de embarcações, só pode ser indicativo de uma pessoa que não tem noção de coisa alguma. Porque vergonha já sabemos que não tem. [Read more…]

Chipre: a russa Gazprom pode substituir a UE

Da União Europeia, demonstrado à exaustão, sobra uma instituição destroçada, se é que algumas vezes existiu em estado saudável. Segundo os ideais de entusiastas impulsionadores da agregação iniciada com a CECA – Comunidade Europeia do Carvão e do Aço,  os franceses Schuman e Monet, os princípios e objectivos começaram por ser económicos (o carvão alemão + o aço francês). Com um manancial de tratados, inconsequentes e/ou desrespeitados, e uma moeda, euro, que apenas 17/27 adoptaram, a UE foi-se dilatando, estendendo-se da fria e fleumática Suécia ao cálido e temperamental Chipre.

No fundo, o objectivo supremo da citada UE,  tal como nos primeiros tempos da CECA, jamais deixou de ser o benefício económico dos fortes, a quem, entretanto, a desregulação financeira e o ‘sistema financeiro internacional’ ergueram alguns obstáculos, resolvidos a seu contento.

A beligerante Alemanha, em 1952, beneficiou de 50% de dívida perdoada.  Graças à conivência das potências ocidentais, EUA, França e Reino Unido, aproveitada pelo hábil chanceler Konrad Adenauer, os germânicos retomaram a força do poder na sociedade internacional; em especial na UE, que é aquele que a chanceler Merkel, em conjugação com os sudetas actuais, Holanda e Finlândia, tem utilizado para humilhar os povos do Sul da Europa – a extorsão através do fornecimentos de equipamentos navais e militares, da adjudicação de grandes obras a empresas internacionais alemãs e uma variedade de negócios contribuíram decisivamente para as crises soberanas de Grécia e Portugal, onde os maiores sofrimentos atingem  cidadãos sem emprego, a viver sob condições intoleráveis de pobreza e miséria – junte-se-lhes Espanha, Itália e Irlanda, se se pretender. [Read more…]

A opção europeia – uma questão de fé

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11 de Abril de 1985 (Arquivo RTP)
Fonte: Centre d’études européennes

S. Bento, Lisboa, Abril de 1985. No Parlamento fumava-se, e a então deputada comunista Zita Seabra comia, enquanto Carlos Carvalhas, à sua frente nesse plano televisivo, discursava interpelando um ministro do PS (quem seria?) que chamara aos estudos então realizados pelo PCP sobre as vantagens e desvantagens da adesão de Portugal à União Económica Europeia “uma cortina de fumo cujas opções se radicavam em razões ideológicas” – o velho argumento que é pau para toda a obra quando o objectivo é tergiversar. Respondendo a esse ministro, Carlos Carvalhas lembrava que “a Europa não [era] a CEE – a CEE [era] a Europa dos monopólios e não a dos trabalhadores [hoje chamamos-lhes cidadãos] – e nem sequer um clube, e muito menos um clube caritativo”, pois seria nalgum ponto necessário começar a contribuir – pagando como os outros. [Read more…]

O devir histórico (3)

Continuando.

A economia nacional tem tido uma constante coerente ao longo dos séculos: viver do que dá. Foi assim com África, com a Índia e com o Brasil. E se algo dava para ganhar dinheiro, mal se fazia notícia, era logo tudo a correr atrás do mesmo. Associada a tal tendência, a lógica do lucro fácil, criou-se a desastrosa matriz em que assentou a economia até aos dias de hoje. Enquanto houve colónias para exportar excedentes, e a santa protecção do “orgulhosamente sós”, a vida lá se foi compondo. Foi o fim do império e a abertura à concorrência, que revelou as nossas maiores fragilidades. Exactamente porque não estávamos habituados à concorrência. E não havendo concorrência, não há exigência. Se não há exigência, não há razão para evoluir, para ser melhor. Perante o desafio da entrada na então CEE, ao contrário do que seria aconselhável, voltamos a cair no engodo do dinheiro fácil que por cá entrava a rodos. Foi-se atrás do lucro fácil, e não se curou de se investir em conhecimento, ciência, técnica. Pelo contrário, o modelo económico foi-se desenvolvendo não só ao sabor dos dinheiros comunitários, muitas vezes a fundo perdido – tragicamente real a nomenclatura “fundo perdido”… -, e do financiamento bancário desregrado. Começaram os “poligrupos”, para comprar carro novo. E o financiamento à habitação própria, que viria a tornar a construção civil na grande base de emprego do país. Ou seja, uma base maioritariamente dependente do mercado nacional. Começou, também, o abandono das terras e dos mares. E começou a progressiva decadência da nossa independência financeira: com mais gente a pedir emprestado do que a depositar dinheiro, os bancos endividaram-se lá fora. Aos poucos, a lógica do endividamento enraizou-se no país: era crédito para obras, para carro, viagens, colchões magnetizados, extensões no cabelo, etc. A banca estava voraz, e o Estado cúmplice. Somaram-se os investimentos públicos sem retorno financeiro, até a esse refinamento catastrófico das Parecerias Público Privadas. O país foi deambulando, inebriado, pelo oásis dos tempos de Cavaco Silva, o pântano de Guterres, a tanga de Durão Barroso, o alto astral de Santana Lopes e o choque tecnológico de Sócrates. Uma constante, a lógica da facilidade e do imediato, fosse na economia ou no ensino onde se perde mais tempo a avaliar os professores do que os alunos. E pior agora, já sem os encantos do cheiro a canela, ou das riquezas das colónias.

Saber o preço de tudo e não saber o valor de nada

Saber o preço de tudo e, contudo, não saber o valor de nada! Citação anónima.

Há muito tempo que comecei a alertar a mui intelectual Clara Ferreira Alves ( e não só ela) sobre a evolução errônea da CEE e dos seus subsistemas, em cartas que lhe escrevi através do Expresso, juntanto sempre propostas concretas de prevenção e de solução. Mas ela não deu o braço a torcer. A maior parte das pessoas e sobretudo jornalistas adoram vaticinar problemas e falar sobre eles quando materializados, mas da sua prevenção e solução não querem saber. E agora a Dra. Clara Ferreira Alves e muitos outros queixam-se….

Para onde vamos? Não tenho dúvidas: vamos para um novo paradigma, para novos horizontes, uma ordem superior…mas possívelmente primeiro vamos ter que passar por graves turbulências sociais porque – infelizmente – as pessoas só mudam quando começa a doer.

Depois, no novo paradigma e numa ordem superior, numa primeira fase e até a poeira não se assentar, quem quiser morangos que os plante ele próprio. Depois das coisas recuperadas e a correr melhor, porventura, poderemos dar às mulheres (e não só a elas) “uma oportunidade” mas de forma ciberneticamente correcta – lá no Magrebe, no seu próprio habitat.

Sim, strawberry fields forever, mas vendo o mundo com outros olhos e agindo de forma diversa. É tão simples como isso.

Rolf Damher