Ninguém é perfeito, mas nem todos abusamos da imperfeição

cimpor 2001

Tirei esta fotografia em 2001, são os portões da Cimpor, em Souselas, tentávamos bloquear a entrada dos primeiros resíduos industrias tóxicos que ali iriam ser utilizados como combustível gratuito, num processo conhecido por co-incineração.

Foi uma luta inglória. Do outro lado estava um secretário de estado e depois ministro do Ambiente apostado em aplicar as técnicas neoliberais de combate político, à velha moda tatcheriana os cidadãos de Coimbra foram acusados de não passarem de uns nimbys (termo popularizado por Nicholas Ridley, secretário de estado de Margaret Thatcher), e a batalha quando perdida afirmou um político bem falante, firme, implacável, que escolhera a cidade onde estudara três anos (e que ficou a odiar profundamente por razões meramente passionais) como cobaia, José Sócrates de seu nome. O Zé.

Do lado da minha cidade a reacção foi conduzida de forma infeliz, num combate desigual, que esqueceu dois aspectos fundamentais: a localização da Cimpor já era em si um problema (como os ecologistas locais denunciaram ainda na década de 70) e mais do que uma questão ambiental era de um negócio que falávamos: a fábrica ia receber combustível gratuito e uma série de benfeitorias (que verdade se diga diminuíram mesmo a poluição que já levávamos).  Fomos muito poucos os que questionámos o óbvio interesse económico, e levantámos suspeitas sobre a eventual corrupção do político que assim aparecia aos olhos dos portugueses como uma estrela cadente. [Read more…]

Esta casa não é do Luis Nobre Guedes


Porque, se fosse, nunca seria demolida, ao contrário do que irá acontecer muito em breve. Uma casa construída com muito sacrifício por um lavrador, Florentino Duarte, que tem ali o seu único poiso e nos campos que cultiva o único sustento de 7 ou 8 pessoas. O mesmo Estado que o deixou construir a casa há mais de 30 anos; o mesmo Estado que, através dos fiscais do ICN, o incentivou a terminar e a ocupar a casa o mais cedo possível; o mesmo Estado que sempre lhe aceitou a contribuição autárquica rústica e urbana e todos os impostos relacionados com a casa; o mesmo Estado que recusou 2 vezes a sua legalização é o mesmo que agora quer fazer justiça sem olhar às circunstâncias.
Mesmo ali ao lado, naquela mesma aldeia da Piedade, concelho de Azeitão, Parque Natural da Arrábida, foi legalizada em 2004 uma outra casa ilegal, pertencente a Luis Nobre Guedes, advogado e político do CDS. Uma casa que só começou a ser construída em 2002, já depois da casa de Florentino Duarte ter sido ameaçada de demolição pela primeira vez, e cuja Licença de Habitabilidade demorou apenas 23 dias. Por uma coincidência incrível, Luis Nobre Guedes era então o Ministro do Ambiente, facto que, como é óbvio, nada teve a ver com a supersónica legalização da sua casa. Nem pensar, é tudo gente tão séria!
Parafraseando o lavrador Florentino Duarte, não se entende como é que por todo o Parque Natural de Arrábida foram legalizadas casas de fim-de-semana com mais de 200 m2, com piscinas em vez de hortas e «courts» de ténis em vez de capoeiras. E muitas delas sem o Parecer prévio do Parque Natural. E tudo isto enquanto as cimenteiras, agora com co-incineração, continuam a destruir a Arrábida.
Disse que não se entende, mas claro que se entende. E muito bem. Afinal, estamos em Portugal. E afinal, não é verdade que a sumptuosa casa de Florentino Duarte destrói e polui muito mais do que a singela e humilde Cimenteira do Outão?

Contestatários de Coimbra sugerem acção popular contra juízes do Supremo Tribunal Administrativo que aprovaram co-incineração

Em conferência de imprensa, o advogado Castanheira Barros revelou que vai sugerir ao presidente da Câmara de Coimbra que avance com a acção contra os três autores de acórdãos recentes sobre esta matéria, exigindo-lhes o pagamento de uma indemnização correspondente a um euro por habitante do concelho por cada dia em que seja permitido à Cimpor proceder à queima daqueles resíduos em Souselas.

Em causa estão acórdãos do STA de 02 de dezembro de 2009 e de 20 de janeiro passado, ambos da responsabilidade dos mesmos três juízes, e que contemplam “argumentos contraditórios” – segundo o jurista.

Castanheira Barros adiantou ainda que o grupo de cidadãos está a ponderar instaurar também uma acção de indemnização por responsabilidade civil extracontratual contra os três juízes do STA.

Na base das acções está, segundo o jurista, “a imputação [nos acórdãos do STA] ao Tribunal Central Administrativo – Norte de uma tese que este tribunal não defendeu e a negação da evidência da não aplicação do princípio da precaução” na questão da co-incineração.

Na conferência de imprensa, Castanheira Barros adiantou que vai pedir uma audiência urgente ao presidente da Câmara e sugerir-lhe também a adopção de medidas conjuntas de combate à queima de resíduos, nomeadamente no que diz respeito à vigilância dos veículos que os transportam para a fábrica de Souselas.

“Vamos também alertar os grupos parlamentares da Assembleia da República de que Coimbra não pode ser sujeita a esse atentado ambiental e que o projecto-lei para suspender a co-incineração deve ser discutido o mais depressa possível”, acrescentou.

Como já é habitual estivemos presentes na Conferencia de Imprensa, uma vez que sempre nos batemos contra este atentado ambiental.

Sócrates e Souselas

Coimbra conheceu José Sócrates como o ministro que ofereceu à Cimpor de Souselas combustível à borla na forma de resíduos tóxicos. O país viu nele um homem rijo, ou como diz a direita, um reformador.

Em Souselas foram pioneiros na admiração, não parando de votar PS depois de terem recebido uma requalificação urbana e os filtros que as chaminés da cimenteira nunca tinham tido.

Em Coimbra, e é toda a cidade que leva décadas de asfixia soprada da Cimpor pelos ventos dominantes, resistiu-se, uma palavra muito cá da terra, anos 60, e desistiu-se serenamente depois, tipo anos 80.

Acabados os recursos jurídicos, recordo a luta contra a co-incineração, e contra uma personagem que ninguém imaginava chegar ao papel de chefe. Construía então como ministro do ambiente a sua rede de cumplicidades no aparelho do PS, e ganha agora, muitos anos depois, a sua primeira grande batalha política. Gentes pouco recomendáveis, negócios misturados com arrogância e propaganda, estava ali o ambiente que nos governa.

Pode vossa excelência pôr a garrafa à espera do dia em que a co-incineração começar a tempo inteiro, a Cimpor respirará de alívio por finalmente ser contemplada com a benesse. Nós é que não.

fotografia denúncia coimbrã