Já não há fantasmas

Aqui no bairro há um palacete que está há tempos para ser convertido em qualquer coisa ao serviço dos turistas mas não há meio de isso acontecer porque é preciso muito dinheiro para recuperar aquelas velhas paredes e o lugar é pouco apetecível para camones. É uma casa bastante feia, construída ao gosto novo-rico da época, e foi abandonada há mais de uma década. As portadas já não cerram e deixam esvoaçar cortinados negros e há vultos a assomar-se às janelas em noites de luar.

Não há crianças a pular o muro para ir explorar a casa porque as crianças já não fazem essas coisas, têm o tempo tomado por actividades extracurriculares, mas é uma casa claramente assombrada, a pedir que crianças com tempo livre vão lá assustar-se. E é precisamente neste ponto que começa o diferendo entre mim e o bairro. Espantosamente, já ninguém acredita em casas assombradas. Na mercearia olham para mim como se eu tivesse acabado de defender que é o sol a girar à nossa volta. [Read more…]

O fantasma e a vizinha

Tenho uma vizinha que vive com um fantasma. Em certas noites, quando a lua está na posição ideal, e eu me assomo ao lado direito da varanda, e me debruço um pouco para fora (não é fácil espiar os vizinhos) vejo-a a pôr a mesa para dois. Anda num vaivém entre a sala e a cozinha, mas sem alvoroço, sem sinais de nervosismo, e isso começou por espantar-me porque não a imaginava assim, tão confiante. Na primeira noite voltei para dentro antes de que ele chegasse, envergonhada por estar a espiar a vizinha, mas não resisti a espreitá-la uma última vez antes de ir dormir. E foi então que o vi. Ou melhor, não vi, e assim fiquei a saber que ele é um fantasma.  [Read more…]

Aguardam a Sua Chegada na Brumosa Manhã Portuguesa

É um Portugal nebuloso o que temos hoje em dia, cheio de secretas esperanças e de cada vez menos valores. Com a revolução, já lá vão uma quantidade de anos, chegou a democracia nas palavras que depressa desapareceu nos actos (se alguma vez chegou a existir neles), chegou alguma modernidade e um moderado desenvolvimento, subiu temporariamente o nível de vida de uns quantos, com todos a passarem a considerar-se aristocratas e, fruto de inúmeros erros, os critérios das escolhas das chefias baseados na competência foram desaparecendo como que por encanto, substituídos pelo laxismo, facilitismo, pelo grupo político predominante e pelo favorecimento económico.

Desde o tempo do poeta Pessoa que os fantasmas povoam o nosso imaginário, se bem que mesmo antes do primeiro quarto do século passado, seja certo que também eles por cá tenham andado. [Read more…]