Ars moriendi

Uns 20 anos antes de eu nascer, certa mulher da minha família ganhava a vida a assistir a missas pela alma de perfeitos desconhecidos. Nem sempre seriam desconhecidos, claro, a cidade era uma aldeia, mas o que quero dizer é que não existia nenhum laço entre ela e os defuntos a não ser esse, contratual, e que nem fora da iniciativa deles. Pagavam-lhe os enlutados para estar presente durante a cerimónia e para rezar pela alma que partira, cedo ou tarde e provavelmente descontente, porque eles, os que deveriam fazê-lo, não tinham paciência, tempo, ânimo, o que fosse. E assim ganhava ela a vida, correndo igrejas, rezando aqui e ali por um Manuel, uma Alfredina, um Viriato, sem deles nada saber, tão só que levavam uma semana, um mês, um ano mortos, e que quem ficara ainda os lembrava  ou tinha, pelo menos, medo de enfrentar a sua raiva além-túmulo se as missas devidas ficassem por dizer. [Read more…]