25 Poemas de Abril (VI)

Por ti , pelo teu ódio à Liberdade
à Razão e à Verdade
a tudo que é viril, humano e moço
a fome e o luto apagaram os lares
e os homens agonizam aos milhares
no exílio, no hospital, no calabouço

Por ti, raivoso abutre,
cujo apetite sofrego se nutre
de lágrimas, de gritos, de aflições,
gemem nas aspas da tortura
ou baixam em segredo à sepultura
os mártires que atiras às prisões [Read more…]

Poemas do ser e não ser

Passei o dia a ouvir música

sempre a mesma

alternando Madredeus e Erik Satie.

Como foi possível

parecerem-me tão semelhantes?

Que percebe de sons

este monocórdico espírito?

Mas foi o mesmo

o que produziram em mim:

a sensação amarga

de ter atirado fora uma paveia de sentimentos.

Como vou misturar

é quase certo que nada existe

nada está perto nem eu estou triste

com Embryons desséchés

e Peccadilles importunes? [Read more…]

Poemas do ser e não ser

Magnífica surpresa nesta saga de poetas

para o silêncio das cinzas nocturnas!

Um labirinto de ismos que se entrecruzam

de pontes sobre o rio seco

que corre dentro de mim

para um lago de silêncio com a cidade ao longe.

Sei que há no fundo de mim mesmo

Onde não enxergo qualquer fundo

Qualquer coisa que eu sinto.

Sei que há um correr de ruas mortas

E um vento de silêncio

calando as mil janelas da cidade virtual

Onde morre quem vive e vive quem morre

Em serena ode à quietude universal.

Poemas do ser e não ser

Ouço o silêncio

dos olhos que se fecham

na falta de esperança.

Amo o silêncio

das cores vivas e do sonho

que nos tece a alma

entre a vida e a morte.

Dói-me o silêncio negro

dos gritos proibidos

e sinto o dourado silêncio

dos gestos da noite

que nos abrem os olhos.

Amargo o silêncio

das horas sem brilho

e vivo o silêncio do mar

que risca na areia a força vencida.

Assumo o silêncio sagrado

da liberdade e da vida

e o silêncio de um céu de fogo

que nos abre a cova na terra fria.

Poemas estoricônticos

A noite mais triste

 

Foi a noite mais triste

a mais negra noite.

Mais triste do que a sombra dos coqueiros

sem lua

mais negra do que o mergulho do tarrafe

nas águas fundas do Cacheu.

Enrolei-me na torrente de lágrimas

e não dormi as longas horas dessa noite.

Tudo se tinha rasgado:

o sol

a lua

a paisagem

os rios

os braços e o sonho

em tiras de trapos que à toa enfiei

nos sacos de lixo.

Não há remédio para o gemido

o gemido é a coisa mais só

mais terrível

mais cortante da carne viva.

Não dorme

ante o silêncio de mil ouvidos moucos

e agarra-se ao sangue como crude.

Apenas o dissolve a lama da noite

jorrando fontes de silêncio

sobre um corpo sem beijos

de bocas atadas.

A noite do desespero

despenhou-se sobre a cidade

fincou as garras nas janelas

rasgou o corpo nu da solidão

e queimou a vida em catedrais de cinzas.

Tudo soou a violino sem cordas

num ritmo de movimento sem cor

sobre um tabuleiro sem pedras

sem força nem entreactos

glosando a pobreza de mil retratos

tragicamente impressos em letra de amor.

Foi um texto de mil palavras sem língua

uma nicotínica melodia de álcool

e soníferos

na frágil clareza de um cérebro brumoso

trancado de sofrimento

gargalhando a fraqueza

para encher de nada um simples momento.

Secaram as lágrimas

fugiram as sombras dos olhos baços

e uma luz de prata sensual

escorreu de alto a baixo

conclusiva

desejosamente metafísica

mas tão fria

que o desejo das lágrimas quentes avançou.

Olhos doces de chorar

gritam do fundo do tempo

do altar do homem grosseiro

brutal

avarento

verdadeiro

a condição de ser inteiramente outro

nem eterno nem intacto nem primeiro

apenas o derradeiro.

 

poemas estoricônticos

A mais bonita de todas

a mais bonita da festa

a mais bonita do mundo.

Uma estrela que caiu lá de cima

e rolou por ali abaixo

percorrendo as ruas da cidade a luzir e a cantar

de uma forma quase imaterial

quase sonhada

quase santificada.

Há muito que a beleza me não enchia

de tanta poesia.

Há muito que os olhos se não molhavam

desta forma.

Há muito que eu não sabia dizer coisas

com tanta verdade.

Os rios correm para o mar

mas tu és um rio que nasce no mar

e avanças sobre mim

afogando-me nas tuas ondas.

Parecendo às vezes um lago tranquilo

de um qualquer paraíso

entras em mim como um tornado

revolves tudo até ao fim de mim mesmo

e quando a tua força acalma

restituis-me

sob a forma de um verso ou de um beijo

a minha própria identidade

nua e crua.

Os teus lábios são a força da vida

a contemporaneidade da existência

a aniquilação da mentira universal

que o homem carrega aos ombros

de geração em geração

entre os esgares da estupidez humana.

O que nessa manhã eu ouvia

Não eram Kiries e Aleluias

mas a tua voz deliciosa

a projecção da tua beleza

vivente e amante

o ecoar da tua presença

nos montes e vales da nossa existência.

Não te deixes embrulhar em papel de seda

ainda que amanhecido de sol

e anoitecido de estrelas

para que te ofereçam aqui e ali

como prenda banal.

Tu não és uma prenda

e muito menos banal.

Tu não és de se mostrar mas de se viver.

Tu és uma mulher.

Não posso deixar de to dizer

por um lado

porque não consigo deixar de to dizer

por outro lado

porque ninguém sabe dizer-to

tão bem como eu

e ainda porque eu sei

que dizê-lo a ti

não é dizê-lo a qualquer pessoa

a qualquer pessoa que não tenha da vida

a volúpia

a paixão e a carência

que lhe dão a alma e o sentido de existir.

Nem a ciência

nem a arte

me dão a realização humana

da tua presença.

Olhar-te

é mais do que tudo.

Na complexidade da vida

ver-te

é tudo o que preciso para encher a alma!

Tão simples como isso!

No entanto

sabes bem que não sou louco.

Formalmente não me pertences

mas antes não me pertenças

no sentido folclórico da vida

e me pertenças como elemento essencial

da minha inquietação.

Sei que morro por dentro

– a pior das mortes –

se não te abraçar de novo

se não te apertar contra o peito.

Mas por dentro tenho eu morrido lentamente

toda a minha vida

e vou morrendo todos os dias!

Penso que o mesmo se passa contigo.

Somos singularmente iguais!

Mas não te deixes morrer

pois são tão raras as vidas!

Não te deixes secar

pois são tão raros os cactos intumescidos!

Não te deixes apagar

pois são tão raros os vulcões!

Tu és um rio impetuoso

tu és um ventre de fogo

tu és uma presença de início de mundo

um pedacinho de céu caído do firmamento

e que anda por aí

tropeçando nos caminhos da vida

onde ninguém sabe

o que é um pedacinho de céu.

Só eu sei.

Por isso te quero

por isso te reclamo como criação da natureza

pintada por mãos e tintas

que a vida banal e vulgar desconhece.

 

Poemas do ser e não ser

Ela disse que vinha

no sábado às três da tarde

mas não veio

nem às três nem às cinco nem às oito.

Veio apenas a neblina densa

cobrindo a cidade e a janela

de onde se via a rua…

e ela

…se viesse.

Veio apenas a noite escura

caindo sobre a porta

por onde ela entrava…

…se viesse.

Veio apenas a solidão

e a mesa vazia

e o prato sem nada

e o copo sem vinho

e a cama fria.