A Agenda Perdida

Não sei se lhe chame a agenda perdida, se a agenda perdida manipulatória. Ou a agenda patética. Para mim é a prova provadíssima de que os nossos governantes, sejam eles de que cor forem, seja quem for que sirvam, usam de um alto grau de manipulação da opinião pública. E se o usam, é porque têm algum objectivo. Fazem-no como se sabe, através dos respectivos meios de comunicação. Isto não quer dizer que os meios de comunicação seja os culpados da dita manipulação. Isto só quer dizer que são os únicos com que se pode manipular a opinião pública. O Estado, por muitos instrumentos de divulgação que tenha, por muitos sites que construa, nunca vai fazer com que eu os consulte diariamente. Nem eu, nem ninguém. Já as notícias, os jornais e a informação em geral, essa entra-me pela porta dentro, aos pontapés. Hoje em dia, já se torna difícil evitar as notícias. Aliás, um dia sem notícias é impensável…
Olhando um pouco para trás, lembro-me que quando começou esta “crise”, além do Governo ter ignorado a questão – e tanto a ignorou que apresentou um Orçamento de Estado que teve de alterar mais tarde, mais adaptado à realidade de “crise” – apareceram aí uns questões metidas à bruta na discussão pública. Eu fico confuso. Afinal, pessoas do mesmo sexo já podem casar, ou não? A eutanásia já foi legalizada? As drogas leves já foram despenalizadas? Perdão! Esta “questão fracturante” – e dou desde já os meus parabéns a quem inventou esta expressão – parece que ficou para a próxima crise. Existirá alguma dúvida que isto são questões que se sabe que causarão discussão pública, permitindo aos governantes, algum à vontade para esconderem as verdadeiras questões fracturantes, como o desemprego, a pobreza, e em geral, o nível paupérrimo em que este país se encontra, e pior que tudo, que ainda vai piorar mais?
No meio de um turbilhão de informações em que se tiveram que tranquilizar as pessoas para não correrem aos bancos para levantar o dinheiro; em que se nacionalizaram bancos falidos; em que se criou um sistema qualquer que já ninguém se lembra como funciona, mas que permitia vender a casa ao estado e pagar-lhe uma renda e depois não sei o quê; em que gestores de topo se suicidavam nas suas elegantes secretárias; em que parecia que o dinheiro estava a desaparecer; em que parecia que Madoffs & Amigos tinham roubado todo o dinheiro do mundo com os seus esquemas; em que as indústrias automóveis iam falir todas; em que os bancos iriam desmorenar-se como castelos de cartas; em que todos nós iríamos praticamente morrer juntamente com o nosso sistema neoliberal, nada melhor do que meter ao barulho “o casamento de pessoas do mesmo sexo”. Não chega? Junta-se-lhe a eutanásia, que ainda é mais fracturante e abstracta. E se mesmo assim não chegar, abre-se a agenda toda!!!
Mas… afinal, não aconteceu nada. Ninguém se insurgiu com nada. Ninguém apredejou bancos. Nenhum banco fechou. Não houve corridas ao dinheiro nos bancos. Mais uns assaltozitos aqui e acolá, mais um caixote do lixo a arder… e afinal nada de grave. É só isto? Então esqueçam as questões fracturantes, dizem os governantes. Pode ser que dê mais jeito para as eleições.
É tudo uma questão de agenda política. É tudo uma questão de gestão da agenda política. É tudo uma questão de gestão de opinião pública. O governo lançou naquele momento (e já se esqueceu entretanto), o tema do casamento homossexual, porque era importante para os cidadãos ou só tentou esconder o facto que irmos mergulhar de cabeça numa crise que levará muitos de nós (se calhar irreversivelmente) para uma pobreza que não tínhamos vivido até agora? A eutanásia veio para a agenda política porque de facto se está a pensar naquelas pessoas que estão em sofrimento, ou para esconder o facto que o País está hipotecado ao “estrangeiro” e que inevitavelmente, o “estrangeiro”, um dia, virá bater à porta, pedindo o que é seu legalmente? E o que veio esconder, quando a agenda política política nos trouxe a “taxação dos mais ricos”?
É este o desenvolvimento social e humano que temos neste país, em que as “questões fracturantes” são lançadas como baldes de água fria, sempre que a fogueira do descontentamento parece que se vai descontrolar?

Só a título de curiosidade: Onde é que a lei proíbe, neste momento, o casamento entre pessoas do mesmo sexo? Estou só a perguntar, para que alguém me ilucide.
Artigo 36.º da Constituição: Ponto 1: Todos têm o direito de constituir família e de contrair casamento em condições de plena igualdade. Impedimentos do casamento: nenhum.

Comments

  1. Pela Constituição da República Portuguesa não há impedimento. Pelo Código Civil já há. Os artigos 1577.º e 1628.º, alínea e), do Código Civil impedem o acesso ao casamento a pessoas que não sejam de “sexo diferente”.São artigos que podem ser inconstitucionais. Há juristas que devem esse ponto de vista, uma vez que suportam-se numa suposta inferioridade “moral” das relações sentimentais homossexuais e em preconceitos sociais. Mas o certo é que ainda estão em vigor.

  2. Isac says:

    Obrigado pelos artigos. É bom saber que existem aí uns 400 artigos no Código Civil só sobre casamento!!! E ainda nos perguntamos por a Justiça é lenta. Pudera, só para ler esta trapalhada toda… Dá para ficar uma semana a dirimir argumentos à volta de legislação. Mas ainda assim fica-me uma pergunta se calhar mais pertinente. O que tem mais “validade”, a Constituição Portuguesa ou o Código Civil?

  3. Luis Moreira says:

    A Constituição,claro!A mãe de todas as leis!

  4. Óptimo. Fiquei mais esclarecido.

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