Métodos revolucionários 2

Nota introdutória:
Estes métodos revolucionários são antes de mais, processos de reflexão e de sugestão à reflexão. Eu bem sei que esta sociedade tem muito pouca prática no que toca à compreensão de metáforas ou mensagens subentendidas, e exactamente por essa razão os métodos revolucionários que proponho (ainda que entendidos à letra) estão precavidos de prejuízos maiores. Não se assustem, porque não vou incentivar ao suicídio colectivo, nem tão pouco pedir que se atirem ponte abaixo! Ainda que acredite… certamente haveria quem o fizesse.
Para todos os efeitos adoraria que me cuspissem à porta de casa, mas com a certeza de saberem o porquê de o fazer.

Então o método revolucionário número dois, explica-se assim:
Com seis anos de idade uma criança é introduzida num sistema de ensino, denominado instrução primária. Durante quatro anos receberá formação elementar na área e domínio da língua portuguesa, das ciências, história e matemática, e muito possivelmente existirão alguns exercícios que estimulem a sua capacidade de expressão artística, através da educação visual. Nos seguintes anos de escolaridade, respectivos ao ensino básico, o cenário é relativamente idêntico: alguma especificação na área das ciências, no domínio da linguística (com a introdução ao ensino de uma língua estrangeira), o aprofundamento de áreas como a história, a geografia e matemática…e a educação visual.
Eis que uma criança chega aos 15, 16 anos de idade, com um conhecimento básico em diferentes áreas disciplinares, razão pela qual se presume que esta criança terá já uma vaga ideia acerca da(s) disciplina(s) que estará mais capacitada para seleccionar e desempenhar numa fase seguinte. (“capacitada”, pode também significar uma escolha com base nas disciplinas que se gosta mais, ou numa selecção que exclua as disciplinas em que se tem mais dificuldades)
Na fase seguinte respectiva ao ensino secundário, as áreas disciplinares são mais específicas tendo em vista a progressão académica do aluno, e o futuro ingresso num determinado curso universitário. Neste processo, o aluno tomará decisões e fará escolhas determinantes no pacote de conhecimentos e técnicas, que quando terminada a sua carreira académica (curso universitário incluído), classificarão a sua utilidade e importância no funcionamento da sociedade. À classificação da utilidade corresponderá um salário, que varia de forma relativamente homogénea dentro da respectiva profissão.
A carreira académica poderá ainda prolongar-se com mestrados e doutoramentos, que podem acrescentar maior especificidade ao papel do indivíduo, clarificando ainda mais a sua utilidade nesta super-estrutura.
Agora repare-se, todo este processo é condicionado pela máxima capitalista que relaciona a oferta com a procura.
Por exemplo, se existirem demasiados médicos, relativiza-se a sua contribuição para a sociedade, e a sua remuneração será mais baixa, por força do aumento da oferta. Está tudo ligado.
Neste sentido, e para fazer frente à concorrência, o médico especifica-se numa área especial da medicina, aproximando-se de um nível de exclusividade que reequilibra as relações de oferta e procura, permitindo-o voltar a receber uma remuneração digna da sua contribuição para a sociedade.
É assim para todas as profissões, até para o futebol… Houve alturas que os jogadores mais valiosos eram os pontas-de-lança, porque marcavam golos. Agora, já se percebeu a importância que um bom lateral esquerdo pode ter, e o quão valioso pode ser um jogador deste género… principalmente, numa altura em que cada vez há menos esquerdinos.
Agora quando uma criança de 6 anos diz ao pai que quando crescer quer ser jogador de futebol, a obrigação paternal é imediatamente aconselhar o filho a saber jogar com os dois pés… Nesta vida de competição, não podemos todos ser pontas de lança, portanto, mais vale preparar o puto para ser um bom defesa esquerdo. Qualquer pai mais preocupado não se descansa em ver o filho decidido a ser um médico… No mínimo um médico cardiologista, para não dizer um cardiologista especializado no ventrículo direito, que o esquerdo (segundo estatísticas) dá menos problemas, logo menos dinheiro.
Obviamente que determinadas profissões carecem de especificação, o que implica que serão menos remuneradas. Infelizmente ainda não se procuram encarregados de armazém especializados a arrumar pacotes de arroz… nem sequer encarregados de armazém especialistas a rotular comida de gato. Nestes casos, a progressão faz-se num sentido hierárquico, de empregado para encarregado, de encarregado para chefe, de chefe para gerente, de gerente para director, de director para presidente…e por aí… Percebe-se que nestes casos, o investimento na educação e formação poderá não ser preponderante na progressão de carreira, daí que exista tão poucas crianças que desejem um dia serem encarregados de armazém… e tão poucos pais que aconselhem os filhos nesse sentido. Mais, mesmo que a remuneração correspondente a um director de armazém seja desejável, é preferível contornar todo aquele processo de progressão demorada (e sempre tão dependente de variados factores, nos quais se inclui a capacidade de trabalho) e atalhar de imediato por uma carreira na área de gestão e marketing.
São três anos numa universidade, que poderão poupar penosos anos de trabalho não qualificado só alimentados pela esperança de ascensão. Se por acaso não se conseguir um digno cargo nos headquarters da Vodafone, ao menos que exista um lugar na direcção dos armazéns do Minipreço…o que conta mesmo é o vencimento no final do mês.
E atenção, quando se fala em cargos de chefia, a questão da especificação volta a ser importante, e extremamente condicionante no papel e lugar social que o indivíduo vai ocupar. Um licenciado em gestão de marketing, com uma tese de mestrado em telecomunicações está uns lugares à frente na corrida aos headquarters da Vodafone. E claramente melhor posicionado quando concorrer contra o encarregado de armazém, na disputa pelo lugar de director do Minipreço. (Salvo condições especiais, das quais se destaque a famosa cunha, ou a disponibilidade do concorrente,em “abrir as pernas” a um salário consideravelmente mais baixo… as habilitações académicas vencerão, em condições normais, os anos de experiência num trabalho não qualificado.)
Resumindo, todas estas voltas para conseguir demonstrar o quão importante é uma formação específica, e o quanto a nossa sociedade valoriza o esforço individual da especificação.
E porquê?

Porque sim.
É um dado adquirido, e a sociedade não tem dúvidas em reconhecer na especificidade uma mais valia para o seu funcionamento. Mais, a sociedade entende que a especificidade surge claramente no seguimento do binómio económico que regula todo o capitalismo: a oferta e a procura. E são múltiplas as vantagens que daí derivam: criação de mais empregos; disponibilização de mais serviços e bens; estimulo do desenvolvimento científico e tecnológico, enfim… crescimento económico.
Sendo do senso comum, que gente de estudos é gente qualificada…será que é verdade que gente de muitos estudos, é gente ainda mais qualificada?
Não necessariamente… principalmente se esses estudos não significarem uma especificação.
E porquê?

Porque sim, é um dado adquirido e já diz o povo: cada macaco no seu galho! Então agora era o que faltava, eu estar no consultório do dentista, e por traz da cadeira ele ter lado a lado, o diploma de medicina dentária e de engenharia mecânica. Quem é que confiava os dentes, a quem trabalhou 5 anos que seja, a desaparafusar válvulas de turbinas? Ainda por cima, sendo o dentista um gajo novo? Foge!
Qual é a cara de um pai, quando um filho termina a magistratura e decide que afinal quer é ser bombeiro? Arde
c
om a casa!
E será que é possível, nesta sociedade, alguém ser professor de História da Arte e simultaneamente animador cultural num Hotel em Vilamoura? Quem vai votar num político, que depois da licenciatura na universidade moderna, cursou o ensino qualificado do Chapitô?
E não me venham com as tretas das virtudes inigualáveis da especificação, porque eu aposto que se por ventura existir um professor de História de Arte, com experiência em animação cultural ele terá capacidades únicas e exclusivas, em conduzir uma aula…e deveria obviamente ser reconhecido por isso. E não me digam que não urge alguma criatividade e disposição às políticas dos últimos 500 anos, e que de tudo que se experimentou, muita falta faz as ideias de um palhaço devidamente qualificado para o efeito.

O método revolucionário número dois, é precisamente este: substituir a ultra especificação, pela pluralidade disciplinar. Assim, poderemos finalmente emergir desta lógica pós-moderna que nos faz crer que o desenvolvimento humano depende duma constante melhoria e aperfeiçoamento das técnicas e conhecimento já adquirido. Sinceramente, e observando os resultados do desenvolvimento humano nos últimos 500 anos, penso que será mais importante procurar novos processos de formação que visem, um verdadeiro conhecimento novo (ao invés de um velho constantemente reinventado).
Neste sentido, vamos estimular a imaginação que se perde com a maturidade, e que tanto é necessária na procura de novos caminhos, novas soluções…e definitivamente… novas sociedades.
O poder da criatividade, e a capacidade que um individuo tem em relacionar conhecimentos e técnicas, são a arma mais poderosa contra sistemas opressores, contra sistemas que condicionam a nossa vida, em prol da estabilidade social que tanto convém à promulgação de sociedades desiguais, estratificadas e claramente segregadoras.

Nota: Não é por acaso, que um dos maiores motes das revoluções socialistas era precisamente o combate ás monoculturas infligidas. Este era um processo económico, através do qual os países centrais retiravam toda a soberania de países periféricos, deixando-os à mercê dos seus interesses, da sua subjugação, da sua exploração.
Hoje, o imperialismo capitalista generalizou-se de tal forma, que os indivíduos desta sociedade global, mimetizam não só entre países, mas também nas relações entre indivíduos, os princípios basilares das sociedades capitalistas de que fazem parte…
Não o farão comigo.

Comments

  1. António Martinho says:

    Ao invés, o que o actual Ministério da Educação quer fazer é prolongar até ao 6.º ano a actual 4.ª classe. Ou seja, um só professor, máximo dois, para os miúdos do 2.º ciclo. Ou seja, debitando generalidades acerca de tudo e de nada, porque um professor de Português não pode saber tanto assim de Inglês, História, Geografia, etc.

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