a questão transversal

reserva-privacidade

Nesta questão da professora que foi gravada na aula por uma aluna, eu vejo de forma transversal uma outra. Não é a questão do excessivo floclore televisivo da praxe. Não é como um professor deve ser. Não é a questão de este país se estar (novamente) a tornar num país de “bufos”. Não é a questão partidária. Não é a questão se os comentários da professora são próprios ou não. Tudo isso foi bem analisado e se calhar até em demasia, por toda a imprensa e blogosfera. Aqui a questão transversal é a privacidade. Entramos em campos muito perigosos e instáveis.
O comportamento da professora é igual num contexto de privacidade e num contexto social? O nosso comportamento é igual em casa e no trabalho? Mas mais importante do que isso: deve-se divulgar o comportamento pessoal num contexto de privacidade? Onde termina a privacidade e como se pode impedir que a mesma seja exposta em praça pública? Este caso vem cimentar a minha opinião, que neste momento, a privacidade termina onde os outros acham que deve terminar. Tecnologicamente quase que já não nos é possível impedir a intromissão. Gravadores, telemóveis, web cams e afins estão totalmente dissimulados pela sociedade, portanto o impeditivo começa a residir mais na vontade de outra pessoa o fazer ou não, do que no próprio indivíduo. Não há nada a fazer quanto a isto. É a evolução tecnológica. E está a chegar à “bufaria”.
Se o mesmo gravador utilizado na sala de aula percorrer os diversos sectores de actividades portugueses vamos ter todos uma enorme surpresa. Ficam algumas questões por fazer. Nos corredores da Assembleia da República utiliza-se a mesma linguagem do plenário? Os nossos representantes falam sempre daquela forma coloquial? Devo gravar a conversa com um polícia quando estiver a ser multado? Devo gravar a conversa quando for às Finanças tratar de algum assunto? Devo gravar a conversa com o gestor de conta no banco? Devo gravar a conversa com o meu patrão? Devo gravar a conversa quando vou a uma entrevista de emprego? Se, como nesta situação, a gravação de uma eventual conversa me beneficiar de alguma forma, nem que seja prejudicando quem está do lado de lá, expondo-o publicamente, então parece que está respondido.

Ainda me lembro vagamente duma célebre conversa “off the record” em que um treinador de futebol dizia que “se soubesse que esta merda acabava amanhã, ia por aí abaixo (ao sul) e limpava o sebo a uma data deles”. Qualquer coisa como isto.
À parte da avaliação do comportamento da professora, à parte da complexa questão deontológica jornalística, à parte da inevitável comparação com o Dvd do Freeport, acho que fica uma questão importante de parte: a reserva da privacidade de cada indíviduo. O círculo de privacidade está cada vez mais pequeno. É que mesmo que a professora recorra a tribunais e ganhe a questão jurídica, nitidamente já a perdeu no campo pessoal.

Comments

  1. João Paulo says:

    Sim, é isso Isac: a privacidade. A previsão de 1984 está aqui. Hoje comentava com uma outra professora: temos que ter a sorte de quando cometer um erro, quando falhar (e isso vai acontecer, porque acontece a todos em todas as profissões), não esteja por lá um filho da mãe ou uma filha desta mãe :)JP

  2. claro. eu não gostava que me estivessem a gravar quando estou a tratar do meu trabalho. nós aqui partilhamos as nossa opiniões. Não nos são “extorquidas”. há uma grande diferença. e depois há a tentação de focalizar muito o problema. neste caso, injustamente, na educação e no ensino, quando isto é transversal a todos. também importante seria, por exemplo, as televisões e comunicação social “aproveitarem a situação” e debruçarem-se sobre o tema “privacidade”, que foi o menos abordado neste caso.

  3. Luis Moreira says:

    Claro que o Big Brother está,devagar, devagarinho a tomar conta de nós.O que não se compreende é que os meios de comunicação social, noticiando como é seu dever,não procedam como manda o livro de estilo.Eu a primeira vez que ouvi a notícia julgava que tinha acontecido uma orgia em plena sala de aula!!!

  4. Carlos Fonseca says:

    As novas tecnologias têm um poder brutal e a miniaturização favorece quem as uilize para ciladas do género daquela de Espinho e que pode ser replicada em relação a qualquer outra atitude profissional, ou acto de mero cidadão. Concordo, portanto, com a tese do transversal. Mas o que pretendi destacar foi o tom crítico e moralista da TVI em relação ao episódio, quando é sabido que a mesma estação vem abastardando há anos a imagem do ambiente escolar, através da execrável série “Morangos com açucar”.

  5. toda a razão, carlos. TVI e o resto das tvs. parece que só vêm audiências. e por vezes pegam numa ponta dum assunto, mas esquecem outros igualmente importantes. e é pena eu não ver os morangos com açúcar porque se calhar até já lá aconteceu isto… ainda assim prefiro não saber

  6. Cada vez temos menos vida privada, por muito que façamos para zelar pelo nosso cantinho.

  7. Adalberto Mar says:

    Ainda bem que não temos vida privada!!!..eu adoro MOSTRAR COMO FAÇO BEM!!! (É A RESPOSTA ACTUAL À ALTURA PORQUE JÁ É DEMASIADA DEPRESSÃO!)O CARALHO DA PROFª PODIA DIZER QUE NÃO ERA ELA, QUE ERA MENTIRA..A VOZ NÃO CHEGA..NEM SEQUER ERA UMA CHAMADA DE TELEMOVEL COM PROVAS!! ABDAM TODOS A VER NAVIOS! e depois EU ACHO (E ACHO MESMO QUE A DITA SRA ESTÁ DOENTE) DEVE APROVEITAR..PERDIDA POR CEM PERDIDA POR MIL, QUE FALE DENUNCIE AS PESTES, OS PAIS O SISTEMA QUE FURE E ABANDALHE TUDO!! SÓ TEM A LUCRAR…ELES NÃO A METEM NA RUA: SERIA A REVOLUÇÃO! POR MUITISSIMO MAIS NA CASA PIA NAO FOI AINDA NINGUÉM PRESO E SE A PROFESSORA FOR ASSIM DESBOCADA DEVE FALAR…AO MENOS É LOUCA EM TUDO!

  8. Carlos Fonseca says:

    Isac, eu também não vejo os morangos com açucar, como é óbvio. Simplesmente, como em muitas famílias, a minha miudagem às vezes lá está de volta daquela merda. Assim, episodica e involuntariamente, não deixei de formar opinião sobre o modo como o ‘cenário escola’ é torpemente tratado.

  9. “cenário escola”? aquilo não é cenário de nada. é uma telenovela oca para adolescentes comparem estilos de cabelo e gadgets

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