Milicianos – Os peões das nicas, de Rui Neves da Silva

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Um livro que conta a história dos militares que foram duas vezes para a vida militar. Pela primeira vez como aspirantes milicianos. Pela segunda vez como Capitães. Foram estes a quem foi oferecida a possibilidade de passarem ao Quadro Permanente da Carreira Militar e que levou às primeiras movimentações dos oficiais do quadro permanente contra o regime.
Este livro conta a história do ninho mais longínquo do 25 de Abril.
Rui Neves da Silva foi um desses Milicianos que esteve sete anos na vida militar, sem preparação. Enviaram-no com 126 homens para a guerra. Este livro fala dessa história.

LIVRO SEGUNDO

A GUERRA: FÁBRICA DE HERÓIS

A seu lado, Felisberto Barroso parecia mais interessado no comportamento da assistência do que nos meneios eróticos das bailarinas, o que fez Rafael pensar que talvez o seu amigo estivesse a treinar-se para o recomendável adormecimento da líbido após ter sido avisado sobre os riscos que o exercício sexual naquelas terras comportava. Mas o interesse de Felisberto ao observar a excitação que levava homens adultos a portarem-se como feras esfomeadas residia tão somente no desejo de querer saber quanto tempo poderia ele resistir a ter igual comportamento se, como era esperado, ficasse privado de qualquer actividade sexual enquanto estivesse no mato.

– Vou passar um mau bocado – quase gritou ao ouvido de Rafael. – Ando cá a pensar que a descompressão manual não vai resultar.

O seu interlocutor fez uma careta. Gostava de Felisberto como de um irmão, mas aquela obsessão por sexo já começava a aborrecê-lo. Nos quase nove dias de viagem por mar, não deixara de lamentar-se. Farto daquela lengalenga, Rafael aconselhara-o a procurar o remédio dos solitários.

– Não me basta assistir ao desespero diário dos soldados a vomitar as tripas no convés como ainda tenho de levar com as tuas taras sexuais, pá! Se não tens pito à mão usa a mão como pito, porra! Ou estás com medo que te nasçam borbulhas?

– As mulheres de Moçâmedes são das mais bonitas de Angola. Não sei que raio de cruzamentos de raças foram ali feitos que o produto final é isso que vocês vêem: cabritinhas altas, de rostos bonitos, onde sobressaem uns olhos quase negros e sempre risonhos, e corpos esculturais e cheios de promessas… que para nós não passam disso mesmo. Quando as virem de mamocas ao léu vão dar-me razão, camaradas!

Não era necessário vê-las despidas para Felisberto poder ajuizar da beleza de formas das “strippers”; naquele negócio não entravam coxas nem marrecas, da mesma forma que para a tropa não iam fulanos que tivessem um cérebro bem calibrado e equilibrado. Curiosamente, sendo o capitão miliciano um apreciador, e um provador, do belo sexo, as mulheres que exerciam aquela actividade nada lhe diziam. Segundo ele, padeciam todas de um insanável exibicionismo, o que lhes circunscrevia o gozo sexual à excitação que o olhar guloso dos “voyeurs” lhes provocava, ficando-se, regra geral, por aí.

No estrado, as raparigas prosseguiam nos seus meneios de ancas, aparentemente alheias às paixões bestiais materializadas na vozearia em crescendo. A mesa onde os quatro oficiais se encontravam estava encostada a um dos lados do estrado; tinha a vantagem de quase se poderem tocar as pernas das raparigas, se tal lhes fosse permitido, mas o inconveniente de poderem levar com qualquer objecto contundente que algum dos clientes de ânimo mais exaltado decidisse arremessar para o palco.

– Quem são estes gajos? – perguntou Rafael ao braquicéfalo.

– Na sua maior parte são madeireiros das florestas do Alto Maiombe, do enclave de Cabinda. Fretam avionetas e vêm passar o fim de semana a Luanda, onde às vezes gastam numa noite o que ganharam num mês. Imaginem vocês que chegam a reservar toda a capacidade deste tipo de casas só para eles e para os seus amigos da capital! E quando não são eles são outros, como os traficantes de feijão branco, da região de Malange.

– Feijão branco?! – exclamou Rafael.

  • Diamantes – esclareceu-o o capitão Januário, que acrescentou: – A “Diamang” tem a concessão da exploração dos terrenos diamantíferos de Angola, mas passam mais diamantes pelos circuitos clandestinos a caminho da Holanda e da Suiça do que pelos cofres fortes da Empresa.

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