“Na verdade, o deserto não existe: se tudo à sua volta deixa de existir e de ter sentido, só resta o nada. E o nada é o nada: conforme se olha, é a ausência de tudo, ou, pelo contrário, o absoluto. Não há cidades, não há mar, não há rios, não há sequer árvores ou animais. Não há música, nem ruído, nem som algum, excepto o do vento de areia quando se vai levantando aos poucos – e esse é assustador. Será assim a morte, também, Cláudia?”
No Teu Deserto, o quase romance de Miguel Sousa Tavares.
Já passava da meia-noite quando, hoje, o comecei a ler. Foi sem parar, até ao último paragrafo, derradeira linha, definitiva palavra. Nem sei que horas eram quando desliguei a luz e comecei a dormir. O deserto do Miguel e da Cláudia prenderam-me com toda a força, colaram-se como uma lapa da praia das Caxinas às minhas mãos e ao meu cérebro. Só quem conhece o Sahara (ou julga conhecê-lo pois nem mesmo os senhores do deserto, os Tuaregues, o conhecem) pode compreender o fascínio desta obra. O Sahara entrou na minha vida no ano 2000 e ainda hoje suspiro por a ele regressar. Está prometido para 2010. Ainda falta tanto, tanto tempo…
Na capa escreveram que “No Teu Deserto” é um “quase romance”. Não discuto. Pois que seja. Para mim é um livro belo, com uma história fabulosa e um hino ao “nosso” deserto. Procurando fugir aos habituais clichés sobre o deserto, o amor e a sociedade moderna, Miguel Sousa Tavares escreveu uma obra magnífica e que retrata, não sei se intencionalmente, a forma como hoje vivemos, à velocidade da viagem entre Algeciras e Alicante, sempre nos limites e sem olhar para trás. Sempre no fio da navalha.
Claro que eu sou suspeito, eu gosto do Miguel Sousa Tavares, mesmo quando não concordo com ele. O seu “Sul” é um dos meus livros preferidos, a sua “Grande Reportagem” é uma eterna saudade, o seu “Equador” um marco. Mas, “No Teu Deserto”, é uma obra de uma beleza comovente e que nos faz voar. Dei por mim a recordar Abril de 2000 e como fiquei aprisionado ao Deserto, como suspiro pelo meu “cimbalino berbere” de menta que tanto tento replicar em casa sem o conseguir – faltam-me as folhas de menta mal lavadas e as mãos sujas com unhas indescritivelmente pretas daquele estranho no meio do nada.
“Hoje já ninguém vai ao nosso deserto, Cláudia (…) A razão principal é que já não há muita gente que tenha tempo a perder com o deserto. Não sabem para que serve e, quando me perguntam o que há lá e eu respondo ´nada`, eles riscam mentalmente essa viagem dos seus projectos. Viajam antes em massa para onde toda a gente vai e todos se encontram”.
Eu vou, antes, irei novamente, meu caro Miguel e espero conseguir ver a estrela de Cláudia, lá bem no cimo, ao lado de outras estrelas da saudade.
Fernando, já conseguiste por-me a ler o MST. Vou comprar o livro. A tua descrição tambem é comovente.
Obrigado. Vais ver que vale a pena.
Passei pelo mesmo…li…li…li…até ao fim…sem nunca parar de sentir as mesmas sensações…de quem já sentiu o deserto…e de quem, sem se aperceber, sentiu a plenitude do nada.
Fenomenal…mas apenas para quem já sentiu o deserto com os pés.