Falando de democracia: A rebelião das massas

La rebelión de las masas, é a obra mais emblemática do grande pensador espanhol José Ortega y Gasset (1833-1955). Foi publicada pela primeira vez em 1930 na Revista de Occidente da qual Ortega y Gasset era fundador. É uma obra de uma extraordinária profundidade, onde surge o inovador conceito de «homem-massa». Sendo que este ser humano que recusa a originalidade, proclama a vulgaridade como valor, elevando-a mesmo a categoria suprema. Porém, não me vou embrenhar no labirinto da sua filosofia, pois corria o risco de, como costuma acontecer nos labirintos, nele entrando, não saber como sair. A não ser que, como Teseu, usasse um novelo de Ariadne, para encontrar a saída. Pelo sim, pelo não, faltando-me o tal novelo, fiquemo-nos pelo empréstimo do título.
Um dos pressupostos revolucionários que nos chegam, vindo do século XIX, é o do papel revolucionário das massas. Está por provar que essas massas proletárias, nomeadamente os operários e os camponeses, contenham implicitamente a carga revolucionária que, não digo os teóricos, mas os activistas políticos lhes atribuem. Não me lembro de nenhuma destas revoluções que se verificaram no século XX (para não irmos mais atrás) ser liderada por um proletário – Lenine nasceu numa família da classe alta, Estaline foi um seminarista, Mao um bibliotecário filho de camponeses abastados, Fidel um advogado proveniente de uma família importante de Havana, «Che» um médico… Não estou a lembrar-me de nenhuma revolução liderada por um camponês ou por um operário. As massas não produzem os seus líderes, eles vêm da aristocracia ou das instituições escolares da burguesia, onde recebem a formação e ganham, inclusive, a consciência de que é necessário extinguir a injustiça social que os beneficiou. Mas as massas são sempre invocadas – Não disse usadas –(ainda). É em seu nome que as revoluções se fazem.
A ideia não é nova.
Fernão Lopes descreve-nos, com a sua linguagem viva e colorida, a maneira subtil como, num dia de Dezembro de 1383, o Mestre de Avis e o seu partido (aliás liderado por Álvaro Pais, um burguês – «homem honrado e de boa fazenda») – após terem morto o Andeiro, tentaram manipular o povo de Lisboa: «Os outros quiseram-lhe dar mais feridas, e o Mestre disse que estivessem quedos e nenhum foi ousado de lhe mais dar. E mandou logo Fernando Álvares e Lourenço Martins que fizessem cerrar as portas que não entrasse nenhum, e disseram ao seu pajem que fosse à pressa pela cidade bradando que matavam o Mestre, e eles fizeram-no assim.» Como se vê, o papel distribuído aos mesteirais e arraia-miúda na conjura foi o de comparsas, o de figurantes. Sabia-se que a multidão, supondo o Mestre em perigo, acorreria ao paço, impedindo que sobre ele se exercessem represálias pela morte do conde de Andeiro. (Se fosse hoje, o Mestre esperaria pela hora dos jornais televisivos para fazer a comunicação). Assim aconteceu, o povo acorreu de todos os lados, ameaçou incendiar as portas e só se aquietou quando D. João surgiu a uma janela, agradecendo as delirantes aclamações da multidão e pedindo aos populares que regressassem a suas casas, pois «não havia deles mais mister», ou seja, cumprido o seu papel, podiam abandonar a cena. Foi a partir daqui que o plano tão bem urdido por Álvaro Pais falhou – a população amotinou-se, linchou o bispo de Lisboa que, recusando-se a mandar tocar a rebate os sinos da Sé, foi considerado implicado na suposta conspiração contra a vida do Mestre. A insurreição alastrou e dificilmente se conseguiu evitar o assalto às casas dos judeus e dos ricos da cidade. Como um grande incêndio começado por uma brincadeira com fósforos, a intriga palaciana deu lugar a uma Revolução difícil de controlar.
Mais próxima de nós, a Revolução Francesa mostra-nos igualmente como a burguesia ilustrada, impaciente por tomar o lugar da moribunda aristocracia, se serviu das massas populares, envolvendo-as numa trama onde esperavam ser protagonistas, reservando ao povo o habitual lugar de figurante. Sob o barrete frígio da Liberdade, Igualdade e Fraternidade, ocultavam-se interesses económicos e ambições políticas da emergente burguesia. Sabemos o que aconteceu. O animal tomou o freio nos dentes e muitos dos que esperavam tomar o poder, ficaram com a cabeça cortada. Só Napoleão conseguiu domar a fera enraivecida. Quando se envolve o povo, as massas, numa revolução e se diz que ele é o protagonista, existe sempre o perigo de que ele acredite.
Em Portugal em 25 de Abril, os feiticeiros das diversas tribos convocaram também o grande Manitu, o povo. Este acreditou que ia mesmo tomar o poder e durante 18 meses foi o que se viu – Manifes todos os dias, greves, saneamentos… Em 25 de Novembro, lá veio o Jaime Neves e as suas chaimites, «restabelecer a ordem» e repor a «normalidade». Contudo, o axioma de que a História se repete, tem que se lhe diga. É pouco ou mesmo nada científico. Porque quem defende esta tese, se refere aos pormenores e aí dificilmente terá razão. Mas este truque de invocar o povo não é um pormenor. E aí, sim, a história repete-se. Sempre que o povo acredita que estão a falar com ele e não apenas em seu nome, avança e derruba os tronozinhos dos santos que encontra pelo caminho. Como os actores que representam sem ter estudado o papel, é gente que, não tendo lido os manuais, os teóricos, os grandes filósofos, não sabe como comportar-se em cena e às vezes até dá cabo dos cenários. Ignora o que deve fazer nas revoluções, mesmo naquelas em que supostamente é protagonista – o papel destinado às massas tem sido o de seguir os grandes líderes, quer eles se chamem Bolívar ou Fidel, D. Pedro de Bragança ou Robespierre, Lenine, Mestre de Avis ou Hugo Chávez. E não há maneira de o povo aprender…
Querendo evitar-se a balbúrdia de verões quentes, a chamada «democracia representativa» foi criada para impedir que as massas intervenham na cousa pública, metendo o nariz onde não são chamadas. A democracia representativa é uma espécie de democracia asséptica – ama o povo, mas não lhe suporta o cheiro. Portanto, cidadãos, «metam lá o papelinho dobrado em quatro quando nós dissermos, mantenham os impostos em dia, e deixem o resto connosco. Deixem a política para os políticos», como dizia o outro.

Comments

  1. maria monteiro says:

    O povo está para os políticos assim como os pobres para a igreja… é para serem usados, controlados, abusados… simples marionetas de conveniência e como tal nunca podem acabar…Se despertam, depressa lhes dão a devida dose de anestesia…

  2. dalby says:

    Ah Fundación Ortega y Gassett, Madrid, 2002, curso para formadores de língua espanhola, gente de toda a Europa, edifíco magnifico, ultima parada de metro…ao lado do colégio neto da rainha…bairro (perco a memória do nome..antes de S. Martín…ah como echo de menos la fundación ortega y gasset qu eme trató tan pero tan bien…Lá está..são as anestesias para as massas!!

  3. dalby says:

    Perdón ..faltava o curso ..maravilloso, y no me puedo olvidar que havia gente de las Américas, judios, africanos, y después alli al lado la bella piscina con parte nudista del barrio del pilar..OH ORTEGA Y GASSETT y con todo todo pagado!!! Y la ‘TF2’ cerca d e mi …el mercedes que me traya todas las noches.. etc etc ORTEGA Y GASSET DAME dáme MÁS DE ANESTESIA!!!

  4. maria monteiro says:

    sempre há fundações que gostam de “acompanhar as massas” e então as anestesias são outras

  5. Luis Moreira says:

    O povo só aprende quando alcança a cultura e isso demora séculos.A miséria é a mãe de todos os males e quem tem o poder, seja qual for, sabe isso melhor que os outros…

  6. dalby says:

    Luis, ás vezes você parece que «demora séculos» if you know what i mean..sobre aquelas suas opiniões «anestesiadas»!!

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