"Não falimos por um milagre"
José António Saraiva, director do semanário ‘Sol’, revela ao CM que o
Governo o pressionou para não publicar notícias do Freeport e que
depois passou aos investidores.
Correio da Manhã – O ‘Sol’ foi coagido pelo Governo para não publicar
notícias do Freeport?
José António Saraiva – Recebemos dois telefonemas, por parte de
pessoas próximas do primeiro-ministro, dizendo que se não
publicássemos notícias sobre o Freeport os nossos problemas se
resolviam.
– Que problemas?
– Estávamos em ruptura de tesouraria, e o BCP, que era nosso sócio, já
tinha dito que não metia lá mais um tostão. Estávamos em risco de não
pagar ordenados. Mas dissemos que não, e publicámos as notícias do
Freeport. Efectivamente uma linha de crédito que tínhamos no BCP foi
interrompida.
– Depois houve mais alguma pressão política?
– Sim. Entretanto tivemos propostas de investimentos angolanos, e
quando tentámos que tudo se resolvesse, o BCP levantou problemas.
– Travou o negócio?
– Quando os angolanos fizeram uma proposta, dificultaram. Inclusive
perguntaram o que é que nós quatro – eu, José António Lima, Mário
Ramirez e Vítor Rainho – queríamos pa-ra deixar a direcção. E é quando
a nossa advogada, Paula Teixeira da Cruz, ameaça fazer uma queixa à
CMVM, porque achava que já havia uma pressão por parte do banco que
era totalmente ilegítima.
E as pressões acabaram?
– Não. Aí eles passaram a fazer pressão ao outro sócio, que era o José
Paulo Fernandes. E ainda ao Joaquim Coimbra. Não falimos por um
milagre. E, finalmente, quando os angolanos fizeram uma proposta
irrecusável e encostaram o BCP à parede, eles desistiram.
– Foi um processo longo…
Foi um processo que se prolongou por três ou quatro meses. O BCP,
quase ironicamente, perguntava: "Então como é que tiveram dinheiro
para pagar os salários?" Eles quase que tinham vontade que entrássemos
em ruptura financeira. Na altura quem tinha o dossiê do ‘Sol’ era o
Armando Vara, e nós tínhamos a noção de que ele estava em contacto com
o primeiro-ministro. Portanto, eram ordens directas.
– Do primeiro-ministro?
– Não temos dúvida. Aliás, neste processo ‘Face Oculta’ deve haver
conversas entre alguns dos nossos sócios, designadamente entre Joaquim
Coimbra e Armando Vara.
– Houve então uma tentativa de ataque à liberdade de imprensa?
– Houve uma tentativa óbvia de estrangulamento financeiro. Repare–se
que a Controlinveste tem uma grande dívida do BCP, e portanto aí o
controlo é fácil. À TVI sabemos o que aconteceu e ao ‘Diário
Económico’ quando foi comprado pela Ongoing – houve uma mudança de
orientação. Há de facto uma estratégia do Governo no sentido de
condicionar a informação. Já não é especulação, é puramente objectiva.
E no processo ‘Face Oculta’, tanto quanto sabemos, as conversas entre
o engº Sócrates e Vara são bastante elucidativas sobre disso.
– Os partidos já reagiram e a ERC vai ter de se pronunciar. Qual é a
sua posição?
– Estou disponível para colaborar.
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