Clube dos Poetas Imortais: António Maria Lisboa (1928-1953)

Poucos escritores portugueses, como aconteceu com o poeta surrealista António Maria Lisboa, que morreu tuberculoso e louco com 25 anos, terão num percurso tão curto como dele, marcado tão indelevelmente a literatura do seu tempo . Em «O senhor cágado e o menino», auto-retrata-se nestas palavras: «O Menino de bronze repousa na solidão da lua nasceu-lhe um olho de chacal que é o animal que só passa nos caminhos livres e são todos – os lobos é que andam à espreita – e o coração é de Leão. E esta é a sua Lealdade e o seu Amor como o Destino e o seu Sentido que tem e chama-se António Maria Lisboa.»

António Maria Lisboa, nasceu em Lisboa em 1 de Agosto de 1928 e morreu na mesma cidade em 11 de Novembro de 1953. É, com Mário Cesariny de Vasconcelos, um dos principais poetas do surrealismo português. Fez parte do Grupo Surrealista de Lisboa que, com Mário Cesariny de Vasconcelos, Cruzeiro Seixas, Pedro Oom, Henrique Risques Pereira e António Maria Lisboa, se formou em 1948.  A sua obra (em parte publicada postumamente por Luiz Pacheco na Contraponto) é composta pelos seguintes livros: «Afixação Proibida» (1949), «Erro Próprio» (1950), «Ossóptico» (1952), «A Verticalidade e a Chave» (1956), «Exercício sobre o Sono e A Vigília de Alfred Jarry seguido de O senhor Cágado e o Menino» (1958), « Em 1980 foi publicado pela Assírio e Alvim um volume com a sua obra completa. O poema que escolhi foi dedicado pelo autor ao seu amigo, o também surrealista, Mário-Henrique Leiria e chama-se
Projecto de sucessão
Continuar aos saltos até ultrapassar a Lua
continuar deitado até se destruir a cama
permanecer de pé até a polícia vir
permanecer sentado até que o pai morra
Arrancar os cabelos e não morrer numa rua solitária
amar continuamente a posição vertical
e continuamente fazer ângulos rectos
Gritar da janela até que a vizinha ponha as mamas de fora
pôr-se nu em casa até a escultora dar o sexo
fazer gestos no café até espantar a clientela
pregar sustos numa esquina até que uma velhinha caia
contar histórias obscenas uma noite em família
narrar um crime perfeito a um adolescente loiro
beber um copo de leite e misturar-lhe nitroglicerina
deixar fumar um cigarro só até meio
Abrirem-se covas e esquecerem-se os dias
beber-se por um copo de oiro e sonharem-se Índias.
*
Abri este texto com a primeira parte de «A António Maria Lisboa», com música dos Godot e letra de Mário Cesariny de Vasconcelos. Os Godot são um conjunto musical constituído por Mário Costa, voz; Miguel Marques, guitarra, teclas e voz; Nuno Rabino, bateria; Sara Ribeiro, teclas, acordeão e voz; Luísa Dias, vídeo-jocking. Vejamos e ouçamos a II parte de «A António Maria Lisboa»:

Comments

  1. Não conhecia, Carlos.

  2. excelente.

  3. M.ISABEL LOPES says:

    gostei de ver as obras do meu primo mas ele não morreu louco… morreu sim tuberculoso ! faz agora anos que ele se encontrava em casa de meus pais onde vinha muitas vezes descançar e que ele ero diferente era mas louco não . DEUS DE PAZ Á SUA ALMA PRIMA DIREITA DO LADO MATERNO

  4. Minha senhora, não tive o prazer e a honra de conhecer pessoalmente António Maria Lisboa. Quando comecei a frequentar o grupo de surrealistas, já ele falecera anos antes. Mário Cesariny e Luiz Pacheco, que de perto privaram com ele, deram-me essa informação que, aliás, encontrará em numerosas biografias.´Devo dizer-lhe que, aqueles que o conheciam, referiam esse poemenor no sentido elogioso; para um surrealista, a loucura é uma forma de suprema lucidez. Em todo o caso investigarei até onde puder. Desde já, no entanto, peço desculpa se involuntariamente ofendi a memória de um poeta cuja obra tanto admiro.

    • Muito obrigada ,que a sua maneira de pensar e escrever era diferente ,mas no contacto com a familia ,era supr carinhoso ,notavamos sim que era despreendido da vida ,mas morreu porque não se alimentava ,e a vida que levou em Paris tambem não ajudou ,sofreu ele e spfreu toda a familia ,claro que loucos somos todos os que andamos no mundo , Temos uma pagina no facebook que um admirador dele fez ,pode ir ver ,e assim vai conhecer o meu primo no seio da familia ,e meu amigo o Pai era um déspota que fez sofrer toda a familia ,aio ponto da minha tina se divorciar pois foi antes da concordata isabel lopes prima direita de A.M.L

  5. Luis Faria says:

    Boa noite.
    Sou também primo do António Maria Lisboa ( e da Maria Isabel Lopes) e naturalmente é com orgulho que me apercebo de quanto admira a sua obra.
    Posso reforçar a informação da Maria Isabel e garantir-lhe que o AML não morreu louco. Morreu tuberculoso (era uma doença comum naquela época), mas perfeitamente lúcido.
    A minha Tia Micaela, Mãe do AML, infelizmente já morreu, pois ela poderia revelar-lhe alguns pormenores sobre o grupo de surrealistas que com ele conviveram, quando ele viveu em Paris e também cá em Portugal. Talvez se surpreendesse, ao saber que alguma da obra não publicada de AML, apareceu, anos mais tarde e já depois da sua morte, sob o nome de outros autores…mas prová-lo….
    De qualquer modo, a minha Mãe ( que apesar dos 87 anos de idade, graças a Deus ainda é viva e bem se recorda dessa fase da vida do AML) poderá esclarecê-lo nas suas dúvidas.
    Fica o meu contacto de email e poderemos, (quem sabe se isso se proporcionar um dia) trocar algumas impressões pessoalmente. Fica aberta essa opção. Cumprimentos.

  6. Joana Lima de Oliveira says:

    Caros Luís Faria e M. Isabel Lopes,

    Gostaria muito de vos contactar.
    Escrevi em 2009 uma tese de mestrado acerca de António Maria Lisboa, e nessa altura passou-me pela cabeça a ideia de, posteriormente à sua morte, outros poetas portugueses poderem ter usado obras de A.M.Lisboa como suas, na medida em que há semelhanças óbvias entre determinados textos.
    Creio que os vossos emails não são disponibilizados neste blogue. Como poderei escrever-vos?
    Grata,

    Joana Lima de Oliveira (joanalimadeoliveira@gmail.com)

  7. Dias atrás falava com meu afilhado sobre Antonio Maria Lisboa,como assim era conhecido, já que ele tende um pouco ao surrealismo.
    Sim, realmente não morreu louco. Estava bastante lúcido na hora de sua morte. Suficientemente lúcido para “confessar-se” á sua irmã, que o assistiu até ao ultimo suspiro, tendo em conta que sua mãe não estava em Portugal.
    Pouco me lembro dele, já que ninguem me autorizava a chegar perto no último ano de sua vida. Tuberculose na época era uma doença fatal e eu somente tinha oito anos.
    Admito que não sou muito por esse genero de literatura, contudo, como disse na ultima palestra que fiz acerca dele tendo ao lado sua mãe, foi preciso ter coragem para enfrentar um pai extremamente tradicional e radical assim como enfrentar uma sociedade que ainda não estava preparada para literatura por demais avançada para um Portugal tradicionalista, católico e romano.
    Mas o muito pouco que ainda me posso lembrar dele era sua meiguice e amor pela familia…talvez não tanto pelo pai que o deserdou, esse mesmo pai que brincava comigo todos os sabados, quando minha Mãe, sua filha, me levava a ver meu Avô.
    Dom Luis de Noronha
    Arcebispo Primaz
    mosteirosaobasilio@oi.com.br

    • MARIA ISABEL LOPES says:

      Gostei de ler ,,tenho recordações do meu primo que nunca mais esqueci gostava do que ele escrevia.tinha menos 10 anos que ele ,mas identificava-me com ele ,Realmente eu notava que meu primo era diferente ,não ligava ao que a maoioria liga ,e eu sou igual ..estou -me mariinbando para a sociedade ..e ele era Fidalgo pelo lado do Pai ,um traste ….. a irmã de meu primo ainda é viva ..somos duros de roer ..é a costela da SERRA DO NOSSO GERES …ISABEL
      isabelbelicas@hotmail.com
      SOU UMAS DAS PRIMINHAS QUE ELE FALA NO LIVRO –QUE TINHA QUE ACOMPANHAR ÁS IGREJAS NA SEMANA SANTA ….

  8. Álvaro Roberto Carneiro says:

    Gostaria de parabenisar o Clube dos poetas imortais, sou artsão de Teresina PI, gosto de ler e ás vezes escrevo. Valei..

  9. DOM Luis de Noronha ,,,não te vou tratar assim meu querido primo ,lembro.me muito de ti ,eras muito bonito (desculpa haah) saudades tuas ,gostava muito de te voltar a ver ,vai ao facebook temos um grupo fechado com o nome Arvore da vida das familias Baltasar e Ribeiro ,vais ver a familia toda ,a que está viva e a que já se foi .beijinhos da tua prima de Braga filha da Tia Zé a BELICAS

    • Tem toda a razao, minha jovem, que eu saiba, pois eu o conheci, meu tio nao era louco. Suas ideias talvez demasiado adiantadas para um Portugal antigo, fechado, retrogado, quiças ainda muito tradicional e que continuava a viver na era da monarquia disfarçada na republica pujante!
      Discordo bastante na questao do pai dele, meu Avô, ser um despota! Simplesmente era um pai daquela epoca, muito tradicional, guardião de um nome de grande respeito, responsavel pela educaçao dos filhos, coisa que hoje raramente vemos, portanto duro em suas açoes e disciplina. Todo o sabado pela manha eu era levado ate ele, com quem passava o dia inteiro, seja em casa ou em passeios, que ele adorava levar-me e explicar-me as historias desses lugares! Assim foi ate ao dia de sua morte, que curiosamente fui o primeiro a saber, ao atender o telefone naquela manha. Lamento, tendo em conta sua memoria, que ele seja visto e tachado de uma forma tão dura. Sua esposa, minha querida Avó, era uma pessoa totalmente diferente: era simpatica, alegre, extrovertida…..e isso nao era muito “logico” para aquela familia!!!
      E eu nasci e me creei na mesma rotina e disciplina, e tenho a certeza que sou um homem muito feliz, muito ciente de minhas responsabilidades onde igualmente, fui tambem irresponsavel em muitos atos de minha vida, mas que a base foi e ainda é a alavanca para o meu dia a dia normal. Nunca disse que meus pais e avós eram despotas!
      Bom, nao sou muito versatil neste tipo de sites e hoje entrei por acaso, pois vi , de novo, o nome dele.
      Tem anos que tento encontrar-me com meus primos, toda aquela familia “louca” e linda, a´qual tambem pertenço!!
      Hoje tive a alegria de novo encontrar este site e desta vez com os respectivos emails!!! Nao deveria estar aqui na internet, pois para nós é dia santo, mas…somos todos um pouco pecadores.
      Um beijo e abraço grande para meus primos e em breve, breve estarei a escrever e devo ir a Portugal muito em breve.
      E do outro lado do oceano, aproveito para desejar a todos os que lerem estas palavras, um Semana Santa em Paz e um Domingo de Páscoa cheio de alegria.
      Dom Luis
      PP – Arcebispo

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