O mistério de um inocente convite

O mistério de um inocente convite (suspense 7)

 Os testemunhos foram crescendo, crescendo, e foram sendo registados, um após outro. Havia necessidade de os tratar informaticamente, para elaborar uma conclusão que resultasse numa espécie de consenso que por sua vez levasse a uma acção e a uma estratégia comuns.

 Como a minha terceira mulher, terceira mais em termos extemporâneos do que cronológicos, tem imensas relações extra-conj…, perdão, intra-prisionais, conseguiu enviar toda a documentação para um amigo íntimo, que trabalha numa empresa encarregada da avaliação de professores, ligada ao ministério. Estragou tudo, porque a ex-ministra, desconfiada como era, pensou logo que havia por ali mão do Nogueira.

 Reconhecendo o fracasso, esse amigo íntimo valeu-se de uma amiga ligada à associação de mulheres desactivadas pelos maridos, por sua vez ligada a não sei quê de não sei quantos, dessas coisas que há para aí aos montes e que dão por nomes bestiais, criadas para a protecção do cidadãos e que não levam a lado nenhum. Uma porra!

 Então foi obrigada, por uma questão de coerência e lealdade, a dar uma conferência de imprensa, explicando o ponto da situação, calma e plausivelmente, a todos os jornalistas e a todas as senhoras suas correlegionárias nesta nobilíssima causa.-Bem, começou ela, com a sua habitual espontaneidade e clareza, ninguém sabe realmente nada acerca da realidade da origem do real. Penso que vem a propósito lembrar aqui o triângulo das Bermudas, para reconhecer que tudo isto vai ser muito, muito mais misterioso, uma espécie de quadrângulo apócrifo.

 -Se ao menos tivéssemos à mão as capacidades defensivas, os conhecimentos marítimos, as corvetas ou o periscópio do Portas! A despeito de todas as investigações, com este falhanço informático, estou mesmo a ver que não vamos a lado nenhum e tudo vai ficar em águas de bacalhau.

 -Se ao menos o bacalhau fosse bom! Sou uma mulher batida, com gelo e sem gelo, e reconheço que tudo isto vai acabar no preguiçoso agenciamento do universo doméstico, bem próprio de uma classe média auto-moralizadora e auto-silenciadora, e no entediante catequismo de uma terminologia circular e auto-evidente, numa insegura busca verbal desafiante da ordem do inverso, numa versão shakespiriana anti-sistema, num verdadeiro crescendo de um inútil contraponto, no sarcasmo feminista de uma cínica performance, envolvendo a mítica, mística e muito discreta sugestão de uma homossexualidade latente, para irritação do Vaticano.

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