São cada vez mais frequentes os toques da Zeca á minha porta altas horas da noite Com 92 anos, vive com uma amiga com 97 anos, nenhuma delas tem família, eu sou quem está mais à mão.
Esta noite o bater da Zeca foi mais cedo e mais persistente. Abri a porta e a Zeca estava a chorar, a amiga Esmeralda estava a morrer. Do primeiro ao terceiro não são precisos elevadores, num ápice entrava na casa onde uma pobre mulher dava os últimos suspiros.
Abracei-a e morreu assim, sem um suspiro, sem um ai, sem um adeus…
Chegaram os jovens médicos do INEM, a polícia, o médico civil, o cangalheiro. Verificaram a morte e preparam tudo para a última viagem.
Naqueles vinte minutos em que estive sozinho com aquelas duas mulheres, onde estive tantas vezes, sempre em momentos críticos, lembrei-me que a única coisa que nos alívia é sermos úteis. Uma paz serena e raramente sentida apoderou-se de mim. Não há medos, nem frustações, nem ódios, tudo isso faz parte da vida que perdemos, quando vivos, no turbilhão da angústia, da ambição e da inveja.
“Tudo vale a pena se a alma não é pequena” diz Pessoa, mas não é verdade.
Eu odiei grande parte da minha vida e dava tudo para voltar atrás e perdoar!
Bom dia Luís,
Quero-lhe agradecer a experiência que nos trouxe até todos nós que partilhamos o “Aventar”. Não invejo a experiência que teve, mas, existem milhões de Zecas e Esmeraldas por este país fora e não têm a sorte de terem um vizinho que possam ousar a bater á porta. São com toda a certeza experiências como estas que nos tornam diferentes.
Um grande Natal para si
Nunca se pensa que isto nos acontece. Morreu serenamente, mas é como diz, uma experiência avassaladora.Somos muito pequeninos.
Que história tão comovedora, Luís.
Deve ter sido um grande conforto para ambas ter-te ali.
Luís, o conforto que, no presente, consegues ir dando aos outros é também a forma de perdoar coisas passadas
A excelência, Luís, a excelência do Aventar encontra-se na partilha de momentos como este.
Obrigado.
Hoje, às 10 horas, vai encontrar a última morada. Descanse em Paz!