A máquina do tempo: vale a pena?

Colaborar no Aventar, transformou-se num vício. De manhã cedo, antes de me deitar ao trabalho, a primeira coisa que faço é visitar o blogue. À noite, antes de me deitar, dou-lhe uma última olhadela. Pelo meio, quando vejo mensagens na caixa do correio, vejo se são comentários; se sim, respondo ou não. A pergunta é – valeu a pena este trabalho?

A pergunta faço-a a mim mesmo. E fico agradecido se não me citarem o poema da «Mensagem». O Pessoa merece ser recordado por outras obras. Valeu a pena? O Professor Moniz Pereira, que formou tantos atletas de alta competição, compôs um bonito fado, afirmando que «valeu a pena». Canta-o muito bem Maria da Fé. Eu não afirmo – pergunto: «vale a pena?»Às vezes penso que sim. Outras vezes penso que não.

Amigos que visitam o blogue para ler as minhas coisas (lendo também algumas das outras) telefonam-me a comentar, concordando ou discordando do que disse. Outros, acham que eu não devia colaborar num blogue. Que é pura perda de tempo. Será que têm razão? Um factor negativo é a efemeridade. O que aqui se escreve voa mais depressa do que se escreve num jornal. Depois, o reduzido número de pessoas que consulta os textos. O blogue é um meio ainda, muito incipiente. Valerá a pena gastar tempo a escrever para um meio que tem a solidez de uma nuvem?

Há um aspecto que me leva a responder afirmativamente – os amigos que aqui encontrei. O Luís Moreira é o único que já conhecia. Há mais de 30 anos. Somos amigos, apesar de termos ideias políticas quase opostas. Nunca pautei as minhas amizades em função de coincidências ou discordâncias políticas, clubísticas, religiosas… Não concordo com a maioria das ideias que o Luís defende, mas isso não tem importância.

Dito isto, quero manifestar-lhe a minha amizade e dizer-lhe quanto aprecio a sua devoção pelo trabalho que faz. Aqui, ninguém escreve tanto como ele. Textos e comentários, apoiando, elogiando, incentivando, mantendo viva a chama. É o nosso mister, o homem que mantém a harmonia no balneário (salvo seja!) Foi ele quem me convidou para o Aventar. Estará talvez arrependido. Primeiro, porque na primeira «ajuda» que lhe dei, arranjei uma bronca de todo o tamanho, como alguns estarão lembrados. E depois, porque, diariamente o flagelo com os meus comentários, às vezes desfavoráveis, mas sempre sinceros.

O Ricardo Santos Pinto é outro dos pilares do Aventar. Ao princípio de eu aqui colaborar, pregou-nos uma partida em que eu caí, dizendo que tinha estado a fazer uma desintoxicação. Logo, num apressado comentário, o felicitei por se assumir como tóxico-dependente e pela coragem de expor o seu problema… afinal, explicava ele depois, a desintoxicação era do vício do Aventar. Passados estes meses, compreendo melhor a graça O Ricardo tem uma ironia aguda, uma escrita sóbria, muito correcta e agradável (só se passa quando lhe tocamos no FCP!).

O Adão Cruz, tão talentoso, com os seus belos quadros, com os seus poemas e lúcidos textos escritos numa linguagem clara e que tanto me agrada. Sinto-o e estimo-o como um daqueles amigos aos quais conhecemos há muito tempo.

A Carla, tão culta e inteligente, por quem sinto uma forte simpatia. Deveria, enquanto é jovem fazer esta pergunta que a mim faço. Acho que tem talento para voos elevados.

O Raúl Iturra, tão sábio e cordial, de uma tão transbordante humanidade, sempre disposto a derramar amizade. Os seus textos são pérolas de saber as quais, oxalá, venha a publicar em livro porque, como já comentámos telefonicamente, a duração de um post é efémera.

A Maria Monteiro, tão pronta a apoiar o que ela entende dever ser apoiado, tão compreensiva e amistosa. Só não compreendo por que não escreve textos – uma pessoa tão sensível deve ter muito para dizer. Escreva ou não, considero-a uma aventora (ou aventadora?). O Fernando Moreira de Sá e o João José Cardoso que defendem as suas causas com inteligente convicção.

O Nuno Castelo-Branco, o realista utópico, que escreve tão bem temas de tanto interesse, onde o recorrente maniqueísmo se transformou em imagem de marca. Este ano vamos estar em guerra permanente, pois comemora-se o centenário da República. Fair play não nos faltará por certo. E ofereceu-me um bolo-rei (houve quem se vendesse por um prato de lentilhas – por um bolo-rei eu entoo o Hino da Carta!).

O Isac Caetano que além de belos textos, faz comentários tão argutos, daqueles que enriquecem o Aventar. O José Freitas, a quem devemos textos tão judiciosos. O Miguel Dias, de posts tão agradáveis de ler, um lampião rodeado de andrades (força Miguel!). A jovem Daniela, cuja inteligência e precoce sensatez aproveito para felicitar.

Peço desculpa por não mencionar todos. Os que não referi, considerem-se também credores da minha amizade e respeito, seja o que for que defendem. Porque as ideias são para combater ou apoiar. As pessoas que defendem essas ideias, quer as que apoiamos, quer as que atacamos, devem ser sempre respeitadas. Só por isso, por serem pessoas e por terem a coragem de compartilhar connosco as suas ideias.

Porque, afinal o que é um blogue? Uma feira de vaidades onde se exibem habilidades ou um espaço plural onde se expõem opiniões, sujeitas depois, a críticas, favoráveis ou desfavoráveis? Na primeira modalidade não estou interessado, a segunda tornou-se fascinante (e viciante!). Será também um meio de aliviar tensões, deitando cá para fora o que nos aflige ou preocupa. Fala-se, creio, em blogoterapia, na tal função catártica dos blogues que nos evita consultas no psicanalista – será essa a sua função principal? Um blogue é um pouco de tudo isto.

Há oito meses não fazia ideia do que fosse o funcionamento de um blogue. Hoje sei muito mais do que esperava algum dia vir a saber sobre esta forma de comunicar. Fiquei bem e mal impressionado. Bem impressionado com a agilidade comunicacional do meio. Em certa fase (que felizmente parece ter passado), muito mal impressionado com a sua permissividade que o transformava muitas vezes num «Big brother». Cheguei a escrever o texto de despedida, parte do qual verti para este. Pode ser uma questão geracional e já não estou em idade de me habituar a essa promiscuidade que leva quem é insultado a rir-se como se nada tivesse acontecido. Levar-me-ei demasiado a sério?

Ao fim de todos estes anos de vida, a única coisa em que tenho vaidade é no facto de nunca ter roubado nada (só os títulos de obras famosas para os meus posts), nunca prejudiquei ninguém conscientemente, nunca faltei ao que prometi, ninguém foi preso por minha causa quando essas coisas aconteciam com frequência…. As pessoas sérias, levam-se a sério, sobretudo se nada no seu passado e no seu presente as envergonha. Os tontos, como podem os tontos levar-se a sério?

Um exemplo da permissividade da blogosfera – viajou a toda a velocidade um texto atribuído à Clara Ferreira Alves em que, entre outras enormidades, teria afirmado que uma parte dos bloggers era formada por «colunistas desempregados», por gente que, em vez de escrever para a gaveta, derramava no blog as suas prosas, por vezes inaceitáveis para outros meios. Citei algumas vezes estas afirmações. Verifica-se agora que o texto é apócrifo. Peço desculpa à Clara Ferreira Alves por tê-la julgado capaz de dizer aqueles disparates.

A blogosfera terá, mais dia menos de dia, de criar regras que, sem coartar a liberdade de quem quer usar este meio como veículo das suas ideias o possa fazer de uma maneira responsável. E que, quem quer usar os blogues como receptáculo de imundícies e de falácias, seja impedido de o fazer ou responsabilizado por tal se o fizer.

E chego ao ponto em que vou dar explicações. A «Máquina do Tempo vai para a oficina». Vou abrandar o ritmo da colaboração para poder satisfazer outros compromissos. Tentarei manter um texto diário, mas serão posts curtos divididos em três novas séries – «Memória descritiva», na linha dos textos da «Máquina do tempo», «Centenário da República» e «Poesia & etc.» – temas relacionados com a poesia. É uma solução de compromisso.

E, finalmente, respondo à minha pergunta – entendo que valeu a pena, pois conheci muitas pessoas que valeu a pena conhecer e um meio de comunicação de ideias que desprezava por desconhecimento. Deixo um abraço para todos com os votos de um bom 2010, cheio de saúde e felicidade. E deixo a Maria da Fé com o fado do Professor Moniz Pereira:

Comments

  1. Caro Carlos Loures, ora aqui está um texto que nos ajuda a pensar sobre o significado do Aventar e dos blogues.
    Para mim, os blogues são sobretudo espaços de partilha. De ideias, opiniões, sentimentos, daquilo que pode ter importância e às vezes tem e daquilo que pensamos não ter importância nenhuma. Mas, sempre, um espaço de partilha.

  2. Carlos Loures says:

    Sem dúvida que é um espaço de partilha e de saudável confronto de ideias, opiniões, sentimentos… Essa é a parte positiva (mesmo que o que às vezes partilhamos possa não ser transcendente). Um abraço e bom ano, José Freitas.

  3. maria monteiro says:

    Um espaço de partilha que entrou na rotina de pessoas concretas que somos todos nós…
    Usando o belíssimo texto do Carlos Loures, aproveito para agradecer a todos o que dão vida ao Aventar.
    Que em 2010 haja a saúde possível mas também encontremos confiança no futuro
    Com amizade
    maria

  4. Carla Romualdo says:

    Amigo Carlos, a minha reflexão sobre a tua pergunta leva-me a uma conclusão semelhante: vale a pena pelos laços que fomos tecendo entre nós, pela partilha de que tão bem fala o Zé Freitas, e, apesar da fugacidade do meio, pela oportunidade de expressar uma particular forma de ver o mundo, que é a que cada um de nós tem.
    Pessoalmente, agradeço o voto de confiança. Um bocadinho a cada dia, lá vou tentando aprender o ofício.
    Um óptimo ano novo para ti e para todos, aventadores e leitores.

  5. Luis Moreira says:

    Carlos, só posso dizer-te isto. Se for necessário, dou-te o meu lugar no Aventar! Ficas com dois lugares! Tu és o “diapasão” que todos seguem, uns conscientemente outros nem tanto.Quanto às tuas críticas sabes que as recebo com a mesma amizade com que me as mandas.
    E a cultura, a beleza dos textos, a amizade, a gente bonita que por aqui anda, merece esta partilha. Quanto ap efémero repara como há pessoas a comentar textos com vários meses!

  6. Ricardo Santos Pinto says:

    Caro Carlos; respondendo à tua pergunta, tudo vale a pena quando a alma nao e pequena. 🙂
    Bom ano.

  7. Carlos Loures says:

    Ena, tantos comentários!

    Beijinhos e abraços (distribuídos
    criteriosamente).

    Ricardo, eu sabia que não escapava ao «mar salgado». Mas tentei. Um abraço.

    Luís, nunca me tinham chamado «diapasão». Espero que seja um elogio e agradeço. Então eu queria lá o teu lugar! O meu chega-me.

    Bom ano para todos.

  8. Ricardo Santos Pinto says:

    Diapasao? Carlos, nao me digas que tu e o Marante sao a mesma pessoa! Estou atonito.
    Mas concordo com o Luis no que diz respeito ao facto de os blogues serem efemeros. Pelo contrario, o texto de um jornal sai naquele dia e ninguem o le mais – o jornal vai para o caixote do lixo. Quanto aos posts, continuam a circular pela internet meses e anos depois. E continuarao durante anos a ser lidos por milhares de pessoas. Temos cazsos desses aqui no Aventar.

  9. Carlos Loures says:

    Ricardo, tu e o Luís devem ter razão. Mas, em todo o caso, acho que o blogue é um meio de comunicação que tem ainda algum caminho para andar até se equiparar à força da imprensa. Talvez tenham de se encontrar os mecanismos que lhe confiram mais credibilidade. A liberdade total dentro da qual funciona é um presente envenenado.

  10. Amigo Carlos, penso que que penso bem, quando penso que ambos pensamos o mesmo pensamento no que toca ao Aventar. Penso que as nossas ideias no que diz respeito à política, religião e grandes problemas sociais se aproximam o suficiente para concordarmos mais do que discordarmos. Sendo muito bom que assim aconteça, não te comparo a mim porque mereces melhor comparação, mas comparo-me eu a ti, com muito orgulho, ainda que seja uma comparação muito mal “acomparada”. É muito bom ter encontrado alguém com o teu valor, que se digna ( e tem prazer) em conversar, connosco. Penso ainda que nem só a concordância de ideias é útil, necessária e benéfica. Também a discordância o é. Por isso não distingo nenhum dos amigos do aventar, por maior que seja a discordância, e creio que é um punhado de gente de alto gabarito mental e intelectual com quem muito tenho aprendido e que muito gozo me dá manter como interlocutores. Quanto à efemeridade dos textos concordo com o Ricardo, mais efémeros me parecem os dos jornais, embora tenham mais leitores. Duas coisas me consomem: onde vou eu buscar o tempo para o Aventar? É o meu maior problema, que dificilmente consigo solucionar. A segunda coisa é a escolha de temas, visto que não sou a enciclopédia “Carlos Loures”. Os temas que me saiem são quase sempre de revolta pelo que me rodeia, e que não consigo conter sem partilhar com os amigos, não consigo deixar de deitar cá para fora, ou então temas de paz e de sonho, aquilo que mais gosto de fazer na vida, SONHAR! Uma espécie de “doença bipolar”. No meio de tudo isto faço a mesma confissão que tu: nunca roubei nada a ninguém, nunca em consciência fiz mal ou procurei prejudicar alguém, tento viver para mim mas também para os outros, por vezes muito mais para os outros, e creio que as crises e os males que existem não são por causa de mim. Bebo uns bons copinhos tintos, mas como o Aventar ainda não impõe o balão, cá me manterei no seu seio com muito gosto e com um abraço para todos, bem a toda a largura dos meus braços.

  11. Carlos Loures says:

    As pequenas diferenças que podem existir entre as nossas respectivas maneiras de pensar não resistiriam a uma dose de tintol – são praticamente nada – incréus, comunas, etc. (estou a utilizar os rótulos beatos e reaças). Tu, talvez um pouco mais ortodoxo, eu a fugir mais para a anarquice. Quando vieres por Lisboa, não te esqueças de me avisar e não te esqueças de trazer a receita com as vinhetas (tintol do Dão ou do Alentejo – nada de genéricos) até dá para descontar no IRS. Um grande abraço, amigo Adão.

    • Ricardo Santos Pinto says:

      Já que ainda não foram aos almoços do Aventar, agradecia muito que me convidassem futuramente se se encontrarem e desde que haja tintol em cima da mesa. Água não, não me posso constipar e tenho uma filha para criar.

  12. Luis Moreira says:

    Carlos, levo “champanhe” ?

  13. maria monteiro says:

    se precisarem de alguém para levar uma garrafa de água … avisem

  14. Carlos Loures says:

    Luís e Maria, vocês serão bem-vindos (como o serão os outros aventadores). Porém, não se esqueçam de que se trata de uma reunião com objectivos terapêuticos – água e champanhe? Com a saúde não se brinca!

  15. Carlos Loures says:

    O Luís e eu encarregamo-nos da logística e, Deus seja louvado! (citando a Carla), se há-de faltar tintol (e ao diabo com os genéricos!). Todos os aventadores estão convidados. Como podíamos não te convidar, Ricardo?
    P.S. – Também haverá água em intenção dos aquistas e para as abluções rituais – não somos nós uns campeões do pluralismo? Mas o tintol brilhará como uma jóia no centro desse universo.

  16. Regressado da “outra” província só posso mandar um abraço ao CL e dizer-lhe que a “lampionagem” anda em maioria aqui por estas bandas, ehehehehehe.

    Um bom 2010 para todos!

  17. Carlos Loures says:

    A lampionagem está quase sempre em maioria. Somos uns senhores. Um abraço Fernando, desejo-te um ano excelente (menos naquela área lúdica que se sabe…).

  18. Armando-me em Zandinga, caro CL, aposto que 2010 vai ser – na parte lúdica – um bom ano para a lampionagem (vão ganhar a Liga) e fantástico para o meu FCP (vai ser campeão europeu), ehehehehehehe.

  19. Carlos Loures says:

    Inch´Allah, amigo Zandinga. Parece-me justo. Se essas duas condições se verificarem temos de festejar.

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