Esta estória do acordo ortográfico devia servir para se pensar na história da nossa língua escrita. Quando os documentos se copiavam à mão as abreviaturas e a ausência de pontuação levavam fermento e saiam a granel das mãos inchadas dos escribas. A imprensa veio pôr alguma ordem bem pouco natural nas coisas, mas a nossa primeira norma ortográfica é de 1911, sim a normalização ortográfica foi uma conquista de Outubro e viva a República, a que tirou o ph às pharmácias e levou com a objecção de consciência dos que tinham aprendido a escrever antes como vai suceder agora.
Acontece que pela primeira vez na História temos uma massificação do acto de escrever, e através de teclas, que não são nem esferográficas nem as caixas das tipografias. Começámos por ensinar o povo a ler, os países mais vanguardistas vai para 100 anos, e ainda lhes metemos instrumentos de comunicação também escrita nas mãos. Estão à espera que se mantenha a lentidão das normas, de que este acordo é um exemplo de arrastamento? Claro que a norma da língua escrita vai ter de aprender a mexer-se asinha, ai se vai. É aqui que me preocupa a gente que se juntou contra o acordo, que pouco ou nada simplifica das aberrações etimológicas sem sentido herdadas da mania do greco-latim.
A língua portuguesa nem existe: existiu a língua portuguesa do séc. XIV, levou com a do XVII, e a do XIX que ainda cá anda não vai durar sempre.
A nova linguagem escrita
Um resumo do que se está a passar, visto do lado do ensino da língua por Raquel Meister Ko Freitag está em A Internet e a língua portuguesa: mudanças à vista? uma boa pergunta que leva como resposta: mais que vistas. Citando uma investigação de 2001, uma antiguidade portanto, constata-se a universalidade do netês, a nova escrita, verificada aqui no português e no anglo-saxónico, e que deve apanhar a maioria das línguas:
- Do ponto de vista do uso da língua, a pontuação é quase abolida, há a proliferação de siglas e abreviaturas não convencionalizadas pela norma padrão, a estrutura das frases é extremamente simples (não há período composto) e a escrita é semi-alfabética, baseada nas noções fonéticas e não nas convenções ortográficas da língua.
- Do ponto de vista da natureza enunciativa, observa-se mais emprego de semioses, por meio dos emoticons ou arte ASCII, do que usualmente ocorre na escrita, dada a natureza do meio em que ocorre a interação.
- Do ponto de vista dos gêneros discursivos ocorre a adaptação de alguns gêneros já existentes ao meio virtual e o desenvolvimento de outros realmente novos
Andando a primeira geração que usa uma segunda escrita (quando não é a única) pelos 20 anos, deixem-nos ter 40 e vão ver.
A norma é do povo
O pessoal da pureza ortográfica pode perder as esperanças, que a norma faz-se a partir da língua falada e escrita. A norma tem andado a mudar a passo de tartaruga, mas vai ter de correr como uma lebre, e no final ganha a escrita que nunca foi tão escrita como hoje.
Não vou dizer que aprecio o Adolfo Torga Coelho em SMS, mas o original também não, nem tenho pachorra para brincar aos emoticões, mas confesso que gosto da ideia de se usar o teclado todo metendo números nas palavras (o alfabeto que agora tem 26 símbolos já vai nuns 40), e a ideia de abreviar, principalmente de reduzir o que a q como na paleografia, é um simpático regresso ao passado, que para começar a porra do u não está lá a fazer nada.
Profissionalmente posso ser obrigado a usar o acordo todo, coisa de que duvido, o brasileirês lê-se muito melhor depois de acordado, ainda tinham tremas, coitados, e farei o favor de tirar umas coisas mudas que sempre me irritaram, sempre é desde que as tinha de escrever nesse suplicio a tinta permanente chamado ditado, que já foi dictado.
À morte dos hífens, por exemplo, já resisti na primeira vaga de parvoeira, coisa que ninguém me tira são os hífens que fazem o favor de arejar as palavras extensas, como ainda andei uns tempos com os acentos graves depois de 1973, aprender duas vezes a escrever a nossa língua é complicado, mas necessário. Há palavras que não conseguirei habituar-me a mudar-lhes as letras, também gostamos das palavras na forma delas, no seu desenho de letras, e aí compreendo o pessoal do desacordo. Mas ninguém será obrigado a fazê-lo fora de eventuais obrigações profissionais.
A mudança ortográfica veio para ficar, desistam, ou objectem
Em termos escolares acho que a nova ortografia devia ser aplicada no próximo ano lectivo, apenas e só no 1º ano. Ou será uma grande confusão. Naturalmente vamos ter a coexistência pacífica das duas normas, e uma mixórdia das duas em muita gente, entre a qual me incluo.
Em termos práticos só haverá acordo quando houver corrector ortográfico disponível para os diversos processadores de texto, o que não deixa de ter o seu valor simbólico, mas antes disso é preciso que se acabe a lista de vocabulário, o que anda atrasado para não variar. Há correctores em versão Pt-Br, mas não em versão Pt-Pt.
Era bom que as coisas se encaminhassem para uma única versão Pt. É disso que se trata, a irritante diferença entre versões Pt-Br e Pt-Pt, muitas vezes escusadas. Aprendi a mexer em Planilhas Electrónicas e não foi por isso que deixei de usar folhas de cálculo quando apareceram com o mesmo nome.
Tudo o que venha para no futuro facilitar a comunicação escrita no minério mais precioso que temos, a língua portuguesa é o nosso petróleo, já para não falar nos afectos e nos afetos, é bem vindo. O resto é não perceber nada de História, da língua neste caso, e aquelas bacoquices à graça moura, para as quais não há pachorra.
É, pá, depois de uma lição destas vens-me com “bacoquices? Então esta, de tão feia, não era de morrer já?
Curioso, porque escreve história com H maiúsculo? Já que faz uso do vocábulo estória.
Faz-lhe confusão é.
Porque estória e História não são a mesma coisa. Os franceses distinguem uma história da História, eu confesso preferir o anglicismo estória, embora seja mais dado ao galicismo. A explicação está em qualquer manual de teoria da História, mas parece-me de senso comum.
Olá,
Fico feliz com a menção ao meu texto!
A nossa função é fazermos felizes os nossos leitores. Pelo menos contribuir…
Sendo uma excelente síntese, bem merecia ser mencionada.
O acordo ortográfico e o futuro da língua portuguesa por Maria Clara Assunção:
Tem-se falado muito do Acordo Ortográfico e da necessidade de a língua evoluir no sentido da simplificação, eliminando letras desnecessárias e acompanhando a forma como as pessoas realmente falam. Sempre combati o dito Acordo mas, pensando bem, até começo a pensar que este peca por defeito. Acho que toda a escrita deveria ser repensada, tornando-a mais moderna, mais simples, mais fácil de aprender pelos estrangeiros.
Comecemos pelas consoantes mudas: deviam ser todas eliminadas.
É um fato que não se pronunciam. Se não se pronunciam, porque ão-de escrever-se? O que estão lá a fazer? Aliás, o qe estão lá a fazer? Defendo qe todas as letras qe não se pronunciam devem ser, pura e simplesmente, eliminadas da escrita já qe não existem na oralidade.
Outra complicação decorre da leitura igual qe se faz de letras diferentes e das leituras diferentes qe pode ter a mesma letra.
Porqe é qe “assunção” se escreve com “ç” e “ascensão” se escreve com “s”?
Seria muito mais fácil para as nossas crianças atribuír um som único a cada letra até porqe, quando aprendem o alfabeto, lhes atribuem um único nome. Além disso, os teclados portugueses deixariam de ser diferentes se eliminássemos liminarmente o “ç”.
Por isso, proponho qe o próximo acordo ortográfico elimine o “ç” e o substitua por um simples “s” o qual passaria a ter um único som.
Como consequência, também os “ss” deixariam de ser nesesários já qe um “s” se pasará a ler sempre e apenas “s”.
Esta é uma enorme simplificasão com amplas consequências económicas, designadamente ao nível da redusão do número de carateres a uzar. Claro, “uzar”, é isso mesmo, se o “s” pasar a ter sempre o som de “s” o som “z” pasará a ser sempre reprezentado por um “z”.
Simples não é? se o som é “s”, escreve-se sempre com s. Se o som é “z” escreve-se sempre com “z”.
Quanto ao “c” (que se diz “cê” mas qe, na maior parte dos casos, tem valor de “q”) pode, com vantagem, ser substituído pelo “q”. Sou patriota e defendo a língua portugueza, não qonqordo qom a introdusão de letras estrangeiras. Nada de “k”.
Não pensem qe me esqesi do som “ch”.
O som “ch” pasa a ser reprezentado pela letra “x”. Alguém dix “csix” para dezinar o “x”? Ninguém, pois não? O “x” xama-se “xis”. Poix é iso mexmo qe fiqa.
Qomo podem ver, já eliminámox o “c”, o “h”, o “p” e o “u” inúteix, a tripla leitura da letra “s” e também a tripla leitura da letra “x”.
Reparem qomo, gradualmente, a exqrita se torna menox eqívoca, maix fluida, maix qursiva, maix expontânea, maix simplex. Não, não leiam “simpléqs”, leiam simplex. O som “qs” pasa a ser exqrito “qs” u qe é muito maix qonforme à leitura natural.
No entanto, ax mudansax na ortografia podem ainda ir maix longe, melhorar qonsideravelmente.
Vejamox o qaso do som “j”. Umax vezex excrevemox exte som qom “j” outrax vezex qom “g”. Para qê qomplicar?!?
Se uzarmox sempre o “j” para o som “j” não presizamox do “u” a segir à letra “g” poix exta terá, sempre, o som “g” e nunqa o som “j”. Serto? Maix uma letra muda qe eliminamox.
É impresionante a quantidade de ambivalênsiax e de letras inuteix qe a língua portugesa tem! Uma língua qe tem pretensõex a ser a qinta língua maix falada do planeta, qomo pode impôr-se qom tantax qompliqasõex? Qomo pode expalhar-se pelo mundo, qomo póde tornar-se realmente impurtante se não aqompanha a evolusão natural da oralidade?
Outro problema é o dox asentox. Ox asentox só qompliqam!
Se qada vogal tiver sempre o mexmo som, ox asentox tornam-se dexnesesáriox.
A qextão a qoloqar é: á alternativa? Se não ouver alternativa, pasiênsia.
É o qazo da letra “a”. Umax vezex lê-se “á”, aberto, outrax vezex lê-se “â”, fexado. Nada a fazer.
Max, em outrox qazos, á alternativax.
Vejamox o “o”: umax vezex lê-se “ó”, outrax vezex lê-se “u” e outrax, ainda, lê-se “ô”. Seria tão maix fásil se aqabásemox qom isso! Para qe é qe temux o “u”? Para u uzar, não? Se u som “u” pasar a ser sempre reprezentado pela letra “u” fiqa tudo tão maix fásil! Pur seu lado, u “o” pasa a suar sempre “ó”, tornandu até dexnesesáriu u asentu.
Já nu qazu da letra “e”, também pudemux fazer alguma qoiza: quandu soa “é”, abertu, pudemux usar u “e”. U mexmu para u som “ê”. Max quandu u “e” se lê “i”, deverá ser subxtituídu pelu “i”. I naqelex qazux em qe u “e” se lê “â” deve ser subxtituidu pelu “a”.
Sempre. Simplex i sem qompliqasõex.
Pudemux ainda melhurar maix alguma qoiza: eliminamux u “til” subxtituindu, nus ditongux, “ão” pur “aum”, “ães” – ou melhor “ãix” – pur “ainx” i “õix” pur “oinx”.
Ixtu até satixfax aqeles xatux purixtax da língua qe goxtaum tantu de arqaíxmux.
Pensu qe ainda puderiamux prupor maix algumax melhuriax max parese-me qe exte breve ezersísiu já e sufisiente para todux perseberem qomu a simplifiqasaum i a aprosimasaum da ortografia à oralidade so pode trazer vantajainx qompetitivax para a língua purtugeza i para a sua aixpansaum nu mundu.
Será qe algum dia xegaremux a exta perfaisaum?
Lamentavelmente o artigo aqui citado é um plágio.
O autor original desta reflexão, publicada em 2008 em vários jornais físicos e online sob o título “Porqê o u”, foi simplesmente usurpado sem qualquer referência por parte da plagiadora.
Como é compreensível o autor deste comentário foi completamente alheio a este facto.
Finalizo por convidar todas as mentes progressivas/futuristas a se agregarem em torno do Portugês, projeto de Língua Portuguesa para o século XXI:
https://www.facebook.com/Portuges
Você não sabe distinguir citação de plágio?
Caro João José Cardoso:
Se ler com atenção o 2º parágrafo da minha anterior mensagem significa o seguinte: o Lagartices citou Maria Clara Assunção que por sua vez plagiou o artigo que referi.
Ah, as minhas desculpas, já entendi.
Da imbecilidade desse texto ressalta a dificuldade de quem o escreveu em sequer falar português. Perfeição (embora os acentos sejam perfeitamente dispensáveis, como o foram durante séculos e como tal vão desaparecer novamente) e não perfaisaum. Mas a autora deve palrar um latim perfeito, com sotaque romano e tudo.