A soberania da nação e o sermão do monte

Primeiro governante de Portugal era Rei

Afonso Henriques autoproclama-se Rei em 1128, após batalha de São Mamede

Ensaio de Antropologia Política e da Religião

Portugal nem sempre foi um país soberano. Nasceu do Império das Astúrias e foi governado pelo Infante Afonso Henriques ao longo de mais de sessenta anos. O infante (príncipe) d. Afonso Henriques é filho do conde Henrique de Borgonha e de d. Teresa, bastarda do rei Afonso VI de Castela e Leão. Quando morre Afonso VI, inicia-se uma disputa entre a mãe deste (d. Teresa, a herdeira legítima) e vários outros pretendentes ao trono. Entre eles, o seu próprio filho. Ganha a Guerra e expande os territórios do Condado de Portugal até expulsar os mouros de grande parte do actual território português e faz do país o primeiro na Europa com consciência de nacionalidade, unidade e soberania. D. Afonso I de Portugal, mais conhecido pelo seu nome de conde, Dom Afonso Henriques, (1109 (?) — 6 de Dezembro de 1185) foi o primeiro rei de Portugal, conquistando a independência portuguesa em relação ao Reino de Leão em 1143 no tratado de Zamora.

Em virtude das suas múltiplas conquistas, que ao longo de mais de quarenta anos, mais que duplicaram o território que o seu pai lhe havia legado, foi cognominado O Conquistador; também é conhecido como O Fundador e O Grande. Os muçulmanos, em sinal de respeito, chamaram-lhe Ibn-Arrik («filho de Henrique», tradução literal do patronímico Henriques) ou El-Bortukali («o Português»).Em 1139, depois de uma estrondosa vitória na batalha de Ourique contra um forte contingente mouro, D. Afonso Henriques autoproclamou-se rei de Portugal, com o apoio das suas tropas. Segundo a tradição, a independência foi confirmada mais tarde, nas míticas cortes de Lamego, quando recebeu a coroa de Portugal do arcebispo de Braga, D. João Peculiar, se bem que estudos recentes questionem a reunião destas cortes.

A história é sobejamente conhecida, não é preciso reiterar o que está escrito em todos os livros de História, os seus detalhes ao longo de quase mil anos de existência como País unificado. Podem conhecer-se esses pormenores, por exemplo numa História de Portugal, em seis volumes, dirigida editorialmente pelo «aventador» Carlos Loures, publicada entre 1982 e 1984, da qual se venderam mais de 200 mil colecções, e na qual o historiador José Mattoso se ocupou dos volumes referentes à Idade Média. Como Carlos Loures, José Mattoso, também dirigiu uma outra História de Portugal (19931995) em oito volumes, também com ampla difusão entre o público singular no panorama editorial português pelas questões que aborda, tendo coordenado pessoalmente os volumes respeitantes à sua área de interesse, referida antes, a Idade Média. Miriam Halpern Pereira e a sua pesquisa sobre o liberalismo em Portugal e Mouzinho da Silveira, que culmina no texto editado pela Assembleia da República em 2009, na colecção Parlamento: Mouzinho da Silveira, Pensamento e Acção Política, livro que nos faz entender que sem Mouzinho da Silveira, um Afonso Henriques teria sido impossível, e outros Historiadores afamados, têm-nos ensinado em textos, conferências, palestras e aulas, o que é a História. Quer José Mattoso, quer Miriam Halpern Pereira, estimados por mim como amigos pessoais e íntimos, têm criado uma escola de História em Portugal e fora das suas fronteiras. Para saber mais de José Mattoso, pode aceder a ligação http://pt.wikipedia.org/wiki/Jos%C3%A9_Mattoso e de Miriam Halpern Pereira: http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&rlz=1W1ADBR_en&ei=5aFNS7OoPM67jAe-oZG_DQ&sa=X&oi=spell&resnum=0&ct=result&cd=1&ved=0CAYQBSgA&q=Miriam+Halpern+Pereira&spell=1. Como Carlos Loures, nosso colega do Aventar literato, que analisa a história usando a Literatura como referência, nasceu em Lisboa, na freguesia de Santa Justa, em Outubro de 1937. Entre 1958 e 1960 foi um dos coordenadores da revista «Pirâmide», da qual foram publicados três números que analisa a história usando a Literatura e as suas labores editoriais. Nestes cadernos colaboram numerosos escritores, na sua maior parte ligados ao movimento surrealista: Mário Cesariny de Vasconcelos, Luiz Pacheco, Herberto Hélder, Pedro Oom, António José Forte, Ernesto Sampaio, Manuel de Castro, etc. Ali se publica também inéditos de Raul Leal, figura do «Orpheu» e de António Maria Lisboa. Entre 1964 e 1966, teve a seu cargo a secção de crítica de poesia do «Jornal de Notícias», editado no Porto. Foi funcionário da Radiotelevisão Portuguesa e da Fundação Calouste Gulbenkian e director executivo de uma editora do grupo Hachette, de Paris. Diplomado pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, exerce actualmente a profissão de editor. Para saber mais, pode consultar a ligação: http://www.portaldaliteratura.com/autores.php?autor=307#ixzz0cUDwdyCX

cerco de Lisboa, entre 1 de Julho a 25 de Outubro de1147Cerco de Lisboa entre 1 de Julho a 26 de Outubro de 1147

História de historiadores apenas para introduzir a ideia que aparece no título que estes investigadores, sem darem por isso, tiveram que investigar. Nenhum deles, como eu, somos homens de fé, ou assim parece ser publicamente. No meu caso, no público e no privado, apenas analiso, como eles fazem. Com eles tenho aprendido a ser português, a amar a sua história, fazer da sua ciência parte da minha e tentar entender a relação entre a soberania e o sermão do monte.

Portugal pasa a República em 1910. Comemoramos cem anos em 2010Portugal passa a ser República a 5 de Outubro de 1910-Em 2010 comemoramos cem anos.

Parece um trocadilho. Mas, não é, é uma realidade. Não é em vão que Halpern Pereira dedique toda a sua vida à historiografia de um liberal, e que José Mattoso dedilhe com manha, os detalhes, como Loures faz, da construção da Nação e da República. Anos virados desde 1939, acabamos por ser um país unificado, uma República soberana, como diz a Constituição do Estado: Artigo 1.º (República Portuguesa)

Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária.

Este é o artigo que me interessa. Tenho já analisado outros, mas para a minha hipótese, essa do título, é preciso pensar em mais dois artigos, que garantam a democracia e a legalidade:

 Artigo 2.º (Estado de direito democrático)

A República Portuguesa é um Estado de direito democrático, baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas, no respeito e na garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais e na separação e interdependência de poderes, visando a realização da democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa.

Artigo 3.º (Soberania e legalidade)

1. A soberania, una e indivisível, reside no povo, que a exerce segundo as formas previstas na Constituição.

2. O Estado subordina-se à Constituição e funda-se na legalidade democrática.

3. A validade das leis e dos demais actos do Estado, das regiões autónomas, do poder local e de quaisquer outras entidades públicas depende da sua conformidade com a Constituição.

O Sermão do MonteO Sermão do Monte

Não me parece. Apesar das críticas aos meus textos em que defino que Portugal é um País Fatimizado, no meu ver continua a sê-lo. É uma das poucas Repúblicas que assina convénios, denominados Concordatas, com o Estado do Vaticano. Melhor, com a Igreja Romana. Bem como parece ser a única República sem monarquia, abolida em 1910 pela Constituição, que não procura submeter o povo aos ditados da Igreja Romana. Apesar da confissão Católica pareça ter diminuído, pessoas de fé ou sem ela, estão subordinados à divindade. O que mais se ensina é o texto do Evangelho de São Mateus, Capítulo 5, versículo 1-17, designado das bem-aventuranças ou Sermão do Monte. Este texto é o mais reiterado e o mais utilizado quer no ensino da catequese (para crianças), quer entre adultos, como tenho observado no meu trabalho de campo em Portugal e na Galiza lusa. Após ouvir homílias, explicações e conversas entre pessoas, o Sermão do Monte surge em todas as conversas como se fosse a Constituição do Estado. Sermão que orienta o pensamento dos nossos estadistas. Esses que legislam conforme o que eu denomino religião como lógica da cultura, para confortarem um povo empobrecido, sem meios e sem indústrias, com perca de postos de trabalho e consequentes despedimentos sistemáticos, dizem, a hierarquia religiosa e os laicos crentes, estas palavras:

1.ª) Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o reino dos céus.

2.ª) Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados.

3.ª) Bem-aventurados aqueles que são brandos e pacíficos, porque herdarão a Terra.

4.ª) Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados.

5.ª) Bem-aventurados aqueles que são misericordiosos, porque alcançarão misericórdia.

6.ª) Bem-aventurados aqueles que têm puro o coração, porque verão a Deus.

7.ª) Bem-aventurados os que sofrem perseguição pela justiça, porque o reino dos céus é para eles.

8.ª) Bem-aventurados sois quando, por minha causa, vos injuriarem e vos perseguirem e, mentindo, disserem todo mal contra vós. Regozijai-vos e exultai, porque é grande o vosso galardão nos céus; pois assim perseguiram aos profetas que viveram antes de vós. (Mateus, 5, 1 a 12)

Por outras palavras, não se ensina a lutar, ensina-se resignação aos ditados dos que detêm a nossa soberania, conceito mal definido e mal estudado nas escolas, onde a educação cívica é ensinada por sacerdotes.

Não acrescento mais nada: vivemos e moramos em Portugal e sabemos muito bem que até à Concordata do Século XX, Bispos e outras hierarquias apenas podiam se nomeados com o consentimento da autoridade pública. Essa história mudou, mas o Sermão do Monte continua a ser uma orientação mais forte que a Constituição. O primeiro, é ensinado ao longo da vida. A segunda, é apenas para doutores formados em Direito ou para doutores que a aprendem enquanto governam o país. Há imensas bancadas na Assembleia que fazem do Sermão do Monte a sua orientação na vida política, como temos observado nestes dias. O Sermão do Monte é conhecido de cor e salteada pelo povo que o ouve sistematicamente. Quem não o praticar, tem a sanção social do ostracismo de amigos e vizinhos.

O leitor pode retirar as suas consequências.

manifestações ao longo do periodo republicano. O povo perde soberania

Comments

  1. Luis Moreira says:

    Magnífico, Prof ! Serviço Público no Aventar! Nunca me tinha passado pelas meninges que o Sermão da Montanha é a cobardia da alma…

  2. Carlos Loures says:

    Excelente texto, como o Professor Iturra já nos habituou. Agradeço a referência que me faz e que me tira da «clandestinidade» em que vivia aqui no Aventar.

    De facto, a influência da Igreja Católica, enquanto aparelho sociopolítico, e a «fatimização», para usar a expressão do Professor, da sociedade portuguesa, são condicionantes que impedem uma evolução positiva das mentalidades. Relativamente ao progresso e a essa mudança de mentalidades, a Igreja constitui uma força do bloqueio, tendo ficado surda ao aggiornamento propugnado pelo Vaticano II. Diga-se, no entanto, que a influência das autoridades eclesiásticas na vida nacional perdeu, desde o 25 de Abril, peso`, substância. Habituada a essa posição de quase fiel da balança, chamada durante a vigência da ditadura a dar opinião sobre tudo, a Igreja convive mal com essa diminuição de influência. Este, o da influência e o peso da Igreja na vida dos portugueses, é um tema que merece uma discussão aprofundada. Este texto é um bom pontapé de saída para essa discussão.

  3. Carlos Loures says:

    Quanto à «clandestinidade» de que o Professor, ao revelar a minha resenha biográfica, me tirou, vou voltar a ela. Se for preciso, adoptop um pseudónimo, como nos tempos da luta antifascista.

  4. Não vais nada Carlos. Não vais ser reprimido por seres quem és. Aliás esta casa bem podia viver mais da História, e disso me penitencio. Mas como tem estado bem entregue, vou-me entretendo com outras coisas.

  5. Luis Moreira says:

    Eu nunca falei muito em ti porque sei como tu és.Só uma vez lembrei aqui a um “gajinho” que tu tinhas estado preso mais do que uma vez antes do 25 de Abril, era melhor ter respeito.

  6. Amigo Carlos e amigo Raul. Não sei se estou de acordo contigo, Carlos, quanto à perda de influência da igreja depois do 25 de Abril. O que se passa é que as coisas se processam de forma muito mais subtil, muito mais subterrânea e muito mais secreta. A exacerbação da utilização dessa aberração desumana e cruel, chamada sermão da montanha confirma exactamente a lavagem ao cérebro e a desmiolação popular necessárias á missão ratazana da igreja, pelos esgotos do capitalismo. Transcrevo apenas o cabeçalho de um texto (demasiado grande) de Jorge Messias: “As crises, a pobreza, a miséria, criam oportunidades de negócios e a Igreja com a sua experiência de séculos sabe-o melhor que ninguém…Embora sem grandes alardes de amizade, Governo e Igreja coordenam interesses e usam estratégias comuns e complementares. Ambos os parceiros trabalham incessantemente para consolidarem posições de topo. E ambos se calam quando os problemas nacionais são graves e às estratégias da santa aliança convém ignorá-los. Fruto de um entendimento secreto entre a Igreja e o Governo (ou com o Poder capitalista, no seu todo) ultima-se um projecto pouco divulgado de, a médio prazo, ser estabelecida uma rede público/privada, «não lucrativa», que seria financiada pelo Estado, pelas multinacionais e pela rede financeira do Vaticano, sendo administrada pelo «Sector Solidário da Igreja». ” Querem um poder e uma influência mais tenebrosos?

  7. Carlos Loures says:

    Não se pode negar a grande influência da Igreja. Penso mesmo que talvez fosse mais proveitoso põr a nu essas ingerências e essas obscuras manipulações de cariz mafioso, do que perder tempo a criticar PS ou PSD, meros fantoches de um poder oculto de que a Igreja faz parte (juntamente com o grande capital internacional); porém, até ao 25 de Abril havia crucifixos nas salas de aula, o ensino, mesmo o superior, era dominado pela Igreja e, sobretudo, nada se fazia sem pedir a opinião ao cardeal-patriarca. É relativamente a essa época que falo da perda de influência da hierarquia eclesiática e é com essa perda que a Igreja ainda não aprendeu a lidar. Até, como no caso do Saramago, se arroga o direito de condenar um romance.

  8. Tens razão nesse ponto de vista, embora me pareça que a expressão fenotípica da igreja, que ela não quer perder, obviamente, não a incomoda tanto como qualquer beliscadura na sua estrutura genotípico-capitalisto-imperialista. Dou-te inteira razão quanto a ser muito mais proveitoso pôr a nu ingerências e obscuras manipulações de carácter mafioso, do que perder tempo com as conices do PS e PSD.

  9. Carlos Loures says:

    É isso mesmo, Adão.

  10. Raul Iturra says:

    Em frente de mim, aparece um debate entre amigos Aventores. O que ai está dito é uma verdade histórica impossível de mudar. Antes de avançar, encontrei a identidade de Carlos Loures, um amigo para mim, por casualidade. Soube corrigir o meu texto, incluindo-o no meu. Não é preciso mudar o nome, já é conhecido e de valor.
    O texto foi escrito pela minha experiência católica de um passado longínquo. Pertenço a uma família espalhada pelo mundo, crente e praticante, monárquica e fascista, sem eles saberem. O melhor exemplo é como a minha Senhora Mãe, na sua excelente solidariedade com o operariado da indústria gerida e em parte propriedade do nosso Senhor Pai – narrado mo meu texto Aventar sobre Salvador Allende – ensinara, na base do seu sentido de solidariedade, denominado por ela caridade, a cozinhar a essas 300 senhoras, formara um Centro de mães para orientar a educação dos filhos, a sua saúde e a sua alimentação, bem como a se “saber vestir” para seduzir aos maridos e embelezar a casa com arranjos florais. Como filho mais velho, a acompanhava, partilhava a minha vida com elas e as suas famílias, visitava as suas casas, comia com eles e comecei a intimar com os trabalhadores: sem dar por isso, enquanto ela partilhava o seu monárquico saber, eu ouvia aos operários, formamos um sindicato, fui o advogado deles e, sem reparar, passei a ser socialista científico. O Sermão do Monte praticado por ela, foi a forma de aprender a revolta, a solidariedade e organizar greves e sindicatos em outros sítios. É dessa experiência que aprendi o socialismo científico. O Vaticano fez-me esse grande favor. Os segredos das alianças entre políticos “santos”, os seus projectos para o povo, os ouvíamos em casa. O povo era considerado por eles como ignorantes, “rotos”, precisados de aprender o convívio social. A ignorância, meus amigos, estava entre Bispos, Cardeais e Senadores e não entre o povo que lutava pela vida. Este desencontro fez de nós, estudantes, alfabetizar de palavras e letras e da lei, que espalhávamos fora e dentro das terras, em outras províncias. Até convivíamos com eles nas suas casas e bairros de lata, por solidariedade com a maior parte do povo. As Igrejas vivem dentro da sua riqueza, enganos que eles próprios cometia dentro da sua teoria teológica, reservado esse saber apenas para eles. Para o povo, o Sermão do monte; para eles, a lei e o Direito Canónico e Positivo, gerido por eles. Não era em vão que um praticante luterano criara a teoria do Capital e da mais valia, Karl Marx, ideias retiradas dos textos que protestavam contra estas formas de vida, retirada dos textos de Lutero, Calvino, Knox e do Iluminismo. Paro nesta linha, é melhor escrever sobre o desenvolvimento das ideias ao longo do tempo. Obrigado por me terem lido: estimula..

    • Luís Moreira says:

      O Prof Raúl é o nosso primeiro Doutor “Aventar Honoris Causa” (já sei que está mal escrito mas não me apetece ir ao dicionário…)

  11. Carlos Loures says:

    Está bem escrito, embora a palavra «causa» não necessite de levar maiúscula. E, não fazendo parte do Conselho Científico, estou de acordo, embora, com tantos títulos académicos, este não lhe faça falta.

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