Centenário da República: a bandeira nacional

Este texto, com ligeiras diferenças, foi publicado em 5 de Outubro de 2009.

Às 9 da manhã de 5 de Outubro de 1910, a bandeira da República foi içada na varanda dos Paços do Concelho de Lisboa. José Relvas fez a proclamação do regime e a nova insígnia nacional, que andava em milhares de mãos, feita artesanalmente, muitas vezes com as cores ao contrário, lá subiu no mastro perante uma multidão que enchia o Largo do Pelourinho (ou do Município). Estas mudanças são sempre traumáticas para quem as sofre com elas não concordando. As duas principais cidades do País eram maioritariamente republicanas e esse factor foi decisivo.

Num país com 80% de analfabetos, as elites culturais eram também maioritariamente pelo fim da Monarquia. Mas, naturalmente, havia um número elevado de monárquicos mesmo entre os que contestavam a situação existente. Desde 1890, com a cedência perante o ultimato britânico, a instituição monárquica sofrera um rude golpe. Não sei onde foram os actuais monárquicos buscar a ideia de que a República foi implantada contra a vontade dos Portugueses.

Desde as comemorações camonianas de 1880, o ideal republicano vinha-se impondo entre grande parte da população – mas, além do ideal político subsidiário da Revolução Francesa de 1789,os dislates, na política e na vida pessoal, de D. Carlos foram uma das alavancas para o triunfo da República.

De facto, o rei D. Carlos, que era um homem culto e inteligente, portou-se de uma forma imponderada quer no plano político, quer mesmo na sua vida privada. No plano político, o seu reinado começou praticamente com um desaire – a vergonha do Ultimato – e continuou, com erros que só não eram evidentes para o próprio D. Carlos. Muitos monárquicos condenavam a vida de dissipação que o rei levava – amantes, prostitutas, filhos bastardos, gastos ostensivos e sumptuários. Mas tudo isso lhe seria perdoado se a sua conduta como chefe de Estado fosse aceitável. Todos sabemos como as coisas acabaram – com um Regicídio (em que morreu também o príncipe herdeiro) e com a subida ao trono de um jovem que não fora preparado para reinar. Há um livro muito interessante, o de Joaquim Leitão, «Diário dos Vencidos» que nos proporciona, a nós que quase só conhecemos a perspectiva republicana, uma visão da proclamação da República a partir do campo monárquico.

Porém, este meu texto de hoje tem apenas um objectivo – falar da bandeira nacional, a tal que, fará 100 anos no próximo Outubro, foi içada na varanda do Município. As cores verde e vermelha que, do ponto de vista da heráldica e da vexilologia, são incompatíveis, desde a revolta de 31 de Janeiro de 1891, estavam associadas ao Partido Republicano Português. Durante quase vinte anos, com diversas combinações – umas vezes era o verde que ficava junto da tralha outras o vermelho – foram sendo usadas pelos republicanos.

Assim, quando após a implantação da República, abolida a bandeira da Monarquia Constitucional, foi aberto um concurso para a aprovação de uma nova insígnia nacional. Mas foi dado um prazo muito curto para apresentação das propostas. Houve diversos projectos, uma das quais do grande poeta republicano Guerra Junqueiro, que defendia que as cores da bandeira deviam ser mantidas substituindo-se apenas o brasão de armas. Fazia todo o sentido, porém, o apego ao verde e o vermelho prevaleceu.

Columbano Bordalo Pinheiro, João Chagas e Abel Botelho foram nomeados para a comissão que especificaria os pormenores e vigiaria o trabalho da Cordoaria Nacional encarregada de executar a encomenda. Columbano, o grande pintor, fez estudos de cor, escolheu criteriosamente os tons de verde e de vermelho (de forma a que a incompatibilidade se esbatesse), evitando o verde garrafa e o vermelho vivo. Com surpresa sua, quando as bandeiras foram entregues, as cores eram garridas – tal e qual como a comissão nomeada pelo Governo Provisório dissera que não deviam ser. Justificação: «para a quantidade encomendada, só tínhamos em armazém tecidos destas cores».

É uma discussão recorrente – se devemos ou não voltar à bandeira azul e branca. É mais bonita e o azul e o branco são compatíveis entre si, como a vexilologia quer. Mas, passados todo este tempo, não teria justificação. Durante a Monarquia, da Fundação a 1910, em 770 anos houve talvez mais de 20 bandeiras. A bandeira azul e branca vigorava desde 1830, tendo durado, com pequenas alterações, 80 anos. A verde-rubra vai fazer 100 anos – nenhuma bandeira monárquica durou tanto. Talvez não seja muito bonita, mas já nos habituámos a ela. E onde é que está escrito que as bandeiras têm de obedecer às regras da vexilologia e da heráldica?

Comments

  1. XicoAmora says:

    (…) E o regimen (a república) está, na verdade, expresso naquele ignóbil trapo que, imposto por uma reduzidíssima minoria de esfarrapados mentais, nos serve de bandeira nacional – trapo contrário à heráldica e à estética, porque duas cores se justapõem sem intervenção de um metal e porque é a mais feia coisa que se pode inventar em cor. Está ali contudo a alma do republicanismo português – o encarnado do sangue que derramaram e fizeram derramar, o verde da erva de que, por direito natural, devem alimentar-se. (…)

    Da República de Fernando Pessoa Editora Ática, Lisboa, 1978
    Xico Amora, porque outro Xico apareceu que não sou eu,

  2. Luis Moreira says:

    Xico Amora, foi tanto o azar que nem as cores correspondem às originalmente escolhidas…

  3. Luis Moreira says:

    melhor dizendo, os tons, que as cores, essas, foram sempre o vermelho e o verde, as escolhidas…

  4. Carlos Loures says:

    A opinião de Fernando Pessoa peca por excesso, embora ele fosse um homem ponderado e moderado (além de ser um génio, claro). Politicamente, era muito conservador e apoiou Sidónio Pais. Depois, o republicanismo era partilhado por gente muito diferente entre si – desde poetas como Guerra Junqueiro que perfilhavam o seu ideal com elevação, até trabalhadores iletrados que se refugiavam em primarismos colhidos em panfletos e discursos demagógicos. Mas, aí não teve razão, não se tratava de uma «reduzida minoria».

  5. Pedro says:

    Carlos, conhece a bandeira nos tons propostos por Columbano? Eu confesso que não conheço, mas o seu texto atiçou-me a curiosidade.

    • Luís Moreira says:

      No quartel do Carmo, nos subterrâneos há uma exposição das bandeiras nacionais e as propostas para a da república. O que se conta é que Columbano escolheu um tom vermelho bordeau e um verde mais escuro, mas que o alfaiate que as executou não tinha, e com a sensibilidade para estas coisas, utilizou o verde e o vermelho mais aproximados. Está lá explicado e as cores originais.

    • Luís Moreira says:

      No quartel do Carmo, nos subterrâneos há uma exposição das bandeiras nacionais e as propostas para a da república. O que se conta é que Columbano escolheu um tom vermelho bordeau e um verde mais escuro, mas que o alfaiate que as executou não tinha, e com a sensibilidade para estas coisas, utilizou o verde e o vermelho mais aproximados. Está lá explicado e as cores originais.

  6. Carlos Loures says:

    Não vi a maqueta apenas li o projecto. Fiquei com a ideia de que Columbano, utilizando as cores aprovadas a que estava obrigado tentou, com tons discretos, amenizar a incompatiblidade gritante entre vermelho e verde. Talvez aproximando o vermelho do grená e o verde do verde-negro ou verde-escuro. É o que imagino, mas não sei.

  7. XicoAmora says:

    De qualquer forma, independentemente de Pessoa, ou do ideal político, juntar o verde com o vermelho sem ter pelo meio uma cor metálica é uma estupidez e faz a bandeira feia, seja lá em que tom. É que o amarelo da esfera não é suficiente para separar as duas cores.
    No meio era obrigatório ter ou o branco, a prata ou o ouro. Por isso é que a azul e branca resultava lindamente.

  8. Carlos Loures says:

    Tem toda a razão. A bandeira italiana (e a mexicana), com o branco a separar o verde do vermelho, fica muito bonita. A tricolor francesa, a que no Haiti retiraram o branco, colocando em duas faixas horizontais azul e vermelha, também fica bastante feia. A azul e branca, era muito bonita e o Guerra Junqueiro, com a sua sensibilidade poética, bem defendeu essa solução. De qualquer dos modos, ao fim de cem anos, habituámo-nos. Afinal, no passado, nenhuma bandeira durou tanto tempo.

  9. Carlos Loures says:

    Luís, na questão das cores escolhidas pelo Columbano. ambas as versões coincidem. Mas para produzir milhares de bandeiras tinha de ser uma unidade industrial. A hipótese da Cordoaria Nacional faz mais sentido. O que não quer dizer que esteja certa. Vou ver.

    • Luís Moreira says:

      Não, Carlos, está explicado lá na tal exposição. Ele deu a indicação das cores mas o “bordeau” e a verde garrafa” não eram cores para os artesãos…

  10. Maria says:

    A bandeira mais feia do mundo é a bandeira da república portuguesa que nem tenho o atrevimento de a chamar de “bandeira nacional”!!!
    A bandeira da Nação Portuguesa é azul e branca que simboliza as cores da Portugal!
    Essa horrorosa verde rubra é igual à da carbonária e Portugal ostenta uma bandeira terrorista e agoirenta que só nos tem dado azar!!!!

  11. rafael says:

    isto e ridicolo

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