Nem todos pela mesma liberdade, e que cada um tenha a sua

Um manifesto, e uma espécie de maniphestação à hora de almoço, despoletaram uma discussão interessante, entre a esquerda que a assinou e a esquerda (essencialmente algumas tendências do BE) que não assina.

Do lado do não, não,  não subscrevo, não assino (e reler Jorge de Sena vem a propósito) argumenta-se com as más companhias, as escondidas intenções de meter tudo nas mãos do sr. Silva, e uma subtil, ou descarada, defesa do PSP como mal menor em relação ao PSD.

Começando pelo último: é um velho vício de alguma esquerda portuguesa ver no PSP vestígios de socialismo arrumado na gaveta quando já nem há gaveta, sobras do antifascismo da longa noite, já para não falar na preocupação, saudável, em capturar algum do seu eleitorado.

É verdade que no PSP ainda sobrevive gente de esquerda (acredito porque conheço pessoalmente), mas já é cegueira não entender que na actualidade a sua função é meramente decorativa. Mesmo dos democratas de outros tempos sobra pouco mais que ninguém, seja pela lei natural da vida que Cunhal tanto gostava de referir, seja porque muito simplesmente se fizeram à vida, e ninguém merece consideração política pelo que foi se hoje já não o é.

O PSP não passa de uma agência de emprego, com critérios muito rascas como se vê pelos envolvidos nas calhandrices da face oculta, que tem como política a que lhe encomenda quem manda.  Tem uns laivos de progressismo em cousas da moral & costumes, e é importante aproveitá-lo, mas sempre relembro os que ainda andam saudosos do último referendo à IVG que o primeiro se perdeu por conta do na altura partido de Guterres (e da falta de jeito de muita feminista também). Já nem republicanos são: reproduzem a mesma casta aristocrática, simbolicamente representada no  Presidente do Centenário, as comemorações mais insultuosas à memória histórica que se fazem em Portugal desde 1940.

Como primeiro-ministro Sócrates tem um saldo ainda mais negativo que o teve Cavaco, o que convenhamos não foi fácil, mas não merece ser recompensado.

Pelo contrário, o alinhamento da grande burguesia com o PS nas últimas eleições, e o que aconteceu ao BE na comunicação social a partir do toque a rebate lançado por Sócrates, o facto de nas administrações das grandes empresas privadas ou quase prevalecer o rosa sobre o laranja, é bem significativo.  Acredito que neste momento os Amorins, dos Santos e Belmiros se virem para o outro partido rotativista, demonstrada que está a incompetência deste. É a vida, e esta gente gosta de despedimentos sumários quando julga alguém incompetente.

Quanto à lógica de o tal manifesto fazer parte de uma manobra pró-governo presidencial e providencial  que eu veja o que  mais provavelmente pode suceder é simples: dissolução da AR, novas eleições, e novo governo. Era essa claramente a estratégia de Sócrates até 6ª feira passada, convencido de que por tal modo recuperava a maioria absoluta. As escutas vieram baralhar e dar de novo, e mais 6ªs feiras estão para vir. Um pouco de intuição política misturada com alguma informação dá para ver quem realmente se mexe, à direita, por trás deste manifesto: uma facção do PSD, esperançada em até Março conquistar o partido, e depois as eleições, o que bem pode acontecer. Não sei de que gostará menos Cavaco, condenado a perder as presidenciais num cenário destes, mas alguém que me faça um desenho do tal governo presidencialista, que dissolver a AR sem convocar eleições (e até lá este seria o governo de gestão) só com golpe de estado. É certo que desta AR podia sair outro governo, mas para isso era preciso que os deputados que lá estão o aceitassem: não estou a ver esse filme, até porque na hora Titanic os náufragos têm tendência a acreditar que terão lugar nos salva-vidas. Ainda há o Medina aparecendo numa noite de nevoeiro, mas até por razões logísticas a haver nevoeiro será no congresso do PSD.

Não seria mais honesto assumirem que se alguém teme eleições nos próximos meses é o BE, enredado na própria armadilha de partido centralista e exclusivamente parlamentar que a si próprio  montou?

Resta o problema das más companhias. Pessoalmente não o tenho desde 1975. Fiz algumas coisas de que não me orgulho na minha militância política mas nelas não incluo a primeira campanha de Eanes, por exemplo, e em compensação vi mais tarde muitos camaradas na altura apoiantes de Otelo (personagem por quem até tenho bastante respeito e de Eanes não posso dizer o mesmo) meditarem no lindo serviço que teria sido a sua eleição.

Convivência pacífica com gente de direita pratico-a todos os dias no Aventar, e não faço nenhum sacrifício.

Não recebo lições de resistência anti-fascista de ninguém, nem as dou, nem de a minha esquerda é que é a esquerda a tua nem por isso, mas sempre gostava de perguntar ao Daniel Oliveira se é o mesmo que na I Convenção do BE defendeu enfaticamente a higienização da palavra socialismo dos estatutos que então se aprovavam. É que se é o mesmo, somada essa a outras propostas que hoje são da direita que muitos dos seus companheiros (durante algum tempo também insistiram em abolir o tratamento por camarada) de facção bloquista em tempos defenderam, não venha agora apontar o dedo a quem de esquerda assina o manifesto: falta-lhe autoridade política para tal, que moral cada um tem a sua.

Disto isto, assinei a tal de petição unitária. A maniphe?  não vou, o meu intervalo de almoço não se coaduna com deslocações à capital, e cheira-me a que não irá muito povo, que estas coisas necessitam de algum saber-fazer. Será certamente uma manifestação simbólica, que juntará gente que luta pela democracia, e a própria democracia burguesa está ameaçada por este polvo de uma avidez sem limites, e gente interesseira. Na última manifestação em que participei desfilavam os dirigentes sindicais que nos iam trair, o que estava mais que escrito, e não foi por isso que deixei de lá ir. Com essas coisas posso bem, e não preciso de digestivos.

imagem we have kaos in the garden

Comments

  1. Luis Moreira says:

    Excelente, João!

  2. Hoje, à entrada do Metro, no Marquês, estenderam-me uma coisa chamada Destak. Na breve viagem, aí li o editorial (!) de uma tal Stilwell – “escritora light” (?), ao que me dizem -, que se louva no último artigo da D. Constança para denegrir a iniciativa da petição em prol da liberdade de expressão.
    Duas conclusões:
    – a miséria deste subjornalismo vai de vento em popa e não há, parece, nada a fazer;
    – o socretinismo comanda, qual doença contagiosa, uma enorme rede de interesses, que se estende até serventuários de meia tigela.
    Vai ser muito difícil correr com esta gente, olá se vai.

  3. Gostei especialmente da segunda conclusão. Um mimo!

  4. pedro lemos says:

    Andas a confundir género humano com Manuel Germano.

    Que tal rememorar a lista dos queixosos? A ex-deputada do CDS, entre outras parvoíces, Manuela Guedes e seu marido democrata; o arquitonto Saraiva do Sol, cujo accionista principal é um tal de Joaquim Coimbra, por acaso membro da comissão executiva do PSD; o senhor José Manuel Fernandes, activista ultra-liberal e ao mesmo tempo jornalista; o senhor Mário Crespo, cujos últimos artiguelhos são uma espécie de babugem febril e que publica no Instituto Sá Carneiro e chora nas jornadas parlamentares do CDS; o sinistro Balsemão, o homem dos cordelinhos, que discretamente se solidariza com o lábil Crespo e vai construindo o seu império a partir da quinta da marinha; Pacheco Pereira, o trânsfuga empedernido e pseudo-intelectual paranóico.

    E vais tu assinar a merda de uma abaixo-assinado promovido por segundas linhas laranja, entre as quais o soberbo Manuel Falcão de fila (dos “governos” Durão e Santana), com motivações parafascistas? Que andes farto, compreendo, mas há maneiras menos ínvias de o demonstrar…

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