A questão dos adiantamentos (Centenário da República)

Temos estado a analisar os principais motivos que conduziram à queda do regime monárquico. O Ultimato, o 31 de Janeiro e a questão dos tabacos foram muito importantes nesse percurso, sem esquecer os escândalos da vida pessoal do monarca, uns verdadeiros, outros inventados ou exagerados. Outra tema explorado pela propaganda republicana e pela dos monárquicos dissidentes foi a dos adiantamentos à casa real. E no que consistia isso?

Era prática corrente desde D.João VI, o ministério da Fazenda ir cobrindo despesas que a família real fazia e que excediam as verbas atribuídas, com adiantamentos em dinheiro. Como os adiantamentos de um dado ano civil não eram cobertos por descontos na verba institucionalmente atribuída no ano seguinte, o défice destes adiantamentos (realizados à margem da lei e da intervenção parlamentar) ia acumulando-se.

A dívida ao Estado, não regularizada e sempre crescente desde o reinado de D. Pedro V, começou a causar embaraços e a suscitar comentários dos partidos que não estavam no governo. Por vezes, o Estado devia também dinheiro à casa real (rendimentos de propriedades, sobretudo. Por exemplo, indevidamente, eram incluídas na contabilidade dos adiantamentos despesas de Estado, como as que se referiam à recepção de estadistas estrangeiros em visita oficial ao nosso País. Estes eram os argumentos que se apresentavam a favor do rei relativamente à dívida acumulada.

Foi perante a agressividade da ofensiva dos adversários que D. Carlos enveredou pela solução da ditadura, dissolvendo as Cortes, mas sem marcar novas eleições. E tal como resolvera administrativamente a questão dos tabacos (sem a resolver, de facto), João Franco, agora governando sem o embaraço parlamentar, pretendeu arrumar da mesma maneira esta polémica questão. Admitiu que os sucessivos ministros da Fazenda adiantavam somas avultadas aos membros da família real, à margem do controlo das Cortes e anunciou um rol de medidas tendentes a regularizar a situação.

Uma primeira dificuldade foi a de apurar com rigor o montante da dívida. Foi calculado o montante de 777 775$000 já com a tal fantasiosa anulação das dívidas para com o Tesouro Público decorrente do acerto de contas das dívidas do Estado à casa real (rendas de prédios propriedade da coroa, com o valor atribuído de 465.775$00). E vendeu ao Estado o iate real “D..Amélia” (o qual, no entanto, continuou a ser utilizado pela família real) atribuindo-lhe o valor de 306.000$00 e integrando-o na Marinha de Guerra.

Por outro lado, Franco, reconheceu perante o País a existência dos adiantamentos. E como primeira medida para evitar que o problema se projectasse no futuro, aumentou a lista civil do rei de 100 para 190 contos de réis. Este acerto de contas feito “à martelada” excitou os ânimos.

Segundo se considera, João Franco terá pretendido matar dois coelhos de uma só cajadada. Censurar e, se possível, neutralizar os partidos Regenerador e Progressista, os dois partidos que alimentavam o sistema rotativista, responsáveis pelos adiantamento, pois ficava provado que Hintze Ribeiro e Luciano de Castro haviam mentido ao negarem os adiantamentos que haviam sido feitos durante os seus governos.

Simultaneamente, procurava arrumar de forma definitiva o assunto, liquidando formalmente o passivo acumulado (sem que ele fosse realmente resolvido) e estabelecendo novas regras que evitassem que o problema subsistisse no futuro.

A questão dos adiantamentos que tanta tinta fizera correr, pareceu ficar arrumado, mas a ofensiva republicana continuou. Em Setembro as Cortes recomeçaram a funcionar e, na sessão de 20 de Novembro, o deputado republicano Afonso Costa, aludindo aos adiantamentos, proferiu a célebre frase que lhe valeu a prisão: « – Por menos do que fez o Sr. D. Carlos, rolou no cadafalso a cabeça de Luís XVI».

Comments

  1. O sr. Afonso Costa devia ter-se lembrado da frase quando andou a sonegar as pratas dos Palácios Reais.

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