Agrupamento de Escolas da Lourinhã: A psicóloga e o filho da Ministra Ana Jorge

A informação chegou ao Aventar via mail: uma psicóloga da associação «Novos Sábios», sediada na Lourinhã, trabalhava há 3 anos na Escola E B 2 3 da Lourinhã, gratuitamente, com a promessa de que passaria a ser remunerada quando houvesse verbas para o efeito.
Ainda segundo esse mail, recentemente fora contratado para as mesmas funções, mas remuneradas, um outro psicólogo. A ser verdade, estaríamos na presença de uma história com contornos algo estranhos, de desperdício dos dinheiros públicos e falta de consideração pela psicóloga que colaborava com a escola há anos de forma gratuita. Nada de especial, num país onde os dinheiros públicos são geridos da forma que se sabe, não fosse o facto de esse psicólogo, Miguel Jorge Carvalho, ser filho de Ana Jorge, actual Ministra da Saúde.
O Aventar pôs-se em campo e chegou à fala com a psicóloga da associação «Novos Sábios», Raquel Mendes. Ouvimos também o Director do Agrupamento, Pedro Damião. Quanto ao psicólogo contratado pelo Agrupamento, Miguel Jorge Carvalho, não estava na escola e foi impossível recolher o seu depoimento.

Ponto prévio: o Aventar não faz acusações nem juizos de valor sobre as intenções que estão subjacentes a esta contratação e aos contornos que a envolvem. Revelamos apenas os factos que nos foi possível apurar.
Começámos por ouvir Raquel Mendes, psicóloga na «Novos Sábios», associação de apoio psicológico e psicopedagógico sem fins lucrativos. Licenciada em Psicologia, tem Mestrado em Terapias Comportamentais e Cognitivas. A titulo voluntário e gratuito, há 3 anos consecutivos que disponibiliza os seus serviços de psicóloga (4 horas semanais) à Escola Básica EB 2, 3 Dr. João das Regras, na Lourinhã, escola-sede do Agrupamento de Escolas D. Lourenço Vicente, naquele município.
Segundo Raquel Mendes, a escola sempre teve conhecimento do seu desejo de ser remunerada pelo trabalho que efectuava – uma aspiração legítima – quando houvesse condições financeiras para tal. Aliás, por diversas vezes os responsáveis pela escola fizeram crer que tal aconteceria logo que possível.
No entanto, no dia 24 de Fevereiro, Raquel Mendes foi informada de que a Escola tinha contratado os serviços de um psicólogo (serviços remunerados – 12 horas semanais), utilizando verbas de que o Agrupamento dispõe para Assessoria ao Director.
Pelo que o psicólogo contratado lhe disse, o convite partiu do Director do Agrupamento, Pedro Damião, que sentia a falta de técnicos nesta área na região da Lourinhã. Confrontado com este facto por Raquel Mendes, um dos adjuntos do Director ter-lhe-á respondido desta forma: «Nós não sabiamos que a Drª. estava interessada.»
Pedro Damião, ouvido pelo Aventar, confirma que convidou Miguel Jorge Carvalho, mas desmente qualquer ligação entre esse convite e o facto de o psicólogo ser filho da ministra Ana Jorge. Alega que o contratou para uma Assessoria Técnico-Pedagógica, algo que a Lei permite (Despacho n.º 16551/2009). Aliás, continua Pedro Damião, Miguel Carvalho foi contratado para Assessor do Director e não para qualquer actividade relacionada com Psicologia. Diz também que desconhece o acordo com Raquel Mendes, visto que é Director do Agrupamento apenas desde Junho de 2009. No entanto, reconhece que já era professor da Escola antes de ser Director.
Apesar destas afirmações do Director Pedro Damião, Raquel Mendes confirma que Miguel Jorge Carvalho, um psicólogo clínico, está realmente a exercer as funções de psicólogo na escola. Atende os alunos à 2ª, 4ª e 5ª Feira num gabinete denominado «Gabinete de Psicologia e Saúde» e está prestes a iniciar um projecto sobre sexualidade. De resto, quando o Aventar telefonou para a escola e pediu para falar com o Dr. Miguel Carvalho, a resposta foi: «O psicólogo? O psicólogo não está».
Confrontada com as afirmações de Pedro Damião, Raquel Mendes manifesta-se surpreendida e considera bizarro que nenhum elemento da Direcção da Escola soubesse que ela colaborava com a instituição há 3 anos e que já lhe fora prometida remuneração pelo trabalho efectuado. A estranheza é maior quando os elementos da Direcção já eram anteriormente professores naquele estabelecimento de ensino.
E reforça: «Aparentemente, este facto nada de novo traz, apenas a confirmação de que quem tem amigos tem tudo. No entanto, dado que eu estou lá – sem qualquer remuneração – parecia mais lógico fazerem-me a proposta a mim, dado que sempre elogiaram o meu trabalho. Reforçando a ideia, se há assim tanta necessidade de técnicos, e verba para os contratar, seria natural, penso, que tivessem falado comigo, de forma a negociarmos um possível aumento do meu horário na Escola, e o alargamento subsequente do meu apoio às restantes escolas do Agrupamento. Será que os meus serviços só servem porque são gratuitos? O que mais me intriga é o facto de o psicólogo contratado pelo Agrupamento ser filho da Dr.ª Ana Jorge, Ministra da Saúde. Tratar-se-á de mais uma instância dos “jobs for the boys”?»
São estes os factos. Como nota pessoal, por ser professor e conhecer relativamente bem este assunto, confirmo que, no actual modelo de Gestão das escolas, o Director pode convidar assessores para o auxiliarem na gestão. Onde lecciono, por exemplo, são dois os assessores do Director, mas ambos já eram professores da Escola, portanto não há qualquer custo a não ser uma redução no horário. Aliás, a Lei prevê que «o conselho geral pode autorizar a constituição de assessorias técnico-pedagógicas, para as quais são designados docentes em exercício de funções no agrupamento de escolas ou em escola não agrupada. O estabelecimentos de ensino deve proceder preferencialmente à afectação de professores com insuficiência lectiva no respectivo horário, desde que estes preencham os requisitos académicos ou profissionais necessários para a assessoria pretendida.»
Entretanto, devido a estes acontecimentos, Raquel Mendes e a associação «Novos Sábios» rescindiu o acordo de colaboração que mantinha com a E B 2 3 Dr. João das Regras desde há 3 anos.

Nota final: o Aventar é apenas um blogue. Não faz jornalismo de investigação nem pretende fazê-lo. Mas neste caso concreto, entendeu por bem relatar os factos que conseguiu apurar e que, valha a verdade, têm o seu quê de estranho.

Comments

  1. Ana C says:

    Duas questões:

    Será que os utentes da Escola estavam satisfeitos com a psicóloga?

    Será que não foi uma forma airosa da Escola se livrar dela?

    Um comentário: os filhos dos Ministros não podem trabalhar? Será que nunca são competentes?

  2. Paulo says:

    Há pessoas que nem a trabalhar de graça quanto mais pagas. Não será por alguém decidir fazê-lo que obtém os tristemente célebres direitos adquiridos … ó pra nós a trabalhar de graça para administrador de um banco, hum? Cada um é dono de si e responsável pelas suas opções … ou ausência delas … deixemos de ter pena e passemos a ser exigentes e rigorosos. Quanto às decisões … quem as toma é porque as julga poder tomar e só tem de ser responsabilizado por tal… ou não como vulgarmente acontece.

  3. luzia says:

    O presidente do conselho executivo deveria ter tido mais consideração pela psicóloga. Eu também já fiz voluntariado e sei o que é passar por isso.

  4. Virgulina says:

    “parecia mais lógico fazerem-me a proposta a mim, dado que sempre elogiaram o meu trabalho. (….) se há assim tanta necessidade de técnicos, e verba para os contratar, seria natural, penso, que tivessem falado comigo, de forma a negociarmos um possível aumento do meu horário na Escola, e o alargamento subsequente do meu apoio às restantes escolas do Agrupamento.”

    Raquel Mendes dixit

    “seria uma mais valia para a escola, uma vez que eu continuaria a oferecer as horas do voluntariado”

    Raquel Mendes dixit

    A máscara começa aos poucos a cair e as reais motivações do seu lamento começam a vir ao de cima: partidarite e dor de cotovelo. Se pretendia trabalhar em regime de voluntariado, afinal de que se queixa?!?!?!?!?!?!?!?!?!?! Ora… Francamente. É ainda muito curioso que num dos seus comentários a srª refere que os alunos apoiados na escola “passaram a procurar a Associação”. E se alguém lhe dissesse que se estaria a aproveitar de um trabalho voluntário numa Escola pública para angariar clientes (alunos) para uma actividade privada?

  5. martinhopm says:

    Tudo pode ter sido feito de uma maneira correcta, admito, mas…gato escaldado de água fria tem medo.
    Só três pequenos exemplos em como o estatuto dos pais não influencia em nada a facilidade com que os seus rebentos logo arranjam emprego:
    1.-Em 13 de Outubro de 2005, o então Ministro da Justiça, Alberto Costa, nomeou para assessora do seu gabinete a filha Susana Isabel Costa Dutra(icenciada), com a remuneração mensal de 3.254 euros + subsídio de refeição;
    2.-Em 01 de Fevereiro de 2006, por indicação do conselheiro Domingos Brandão de Pinho, foi nomeado como seu secretário pessoal, no Supremo Tribunal Administrativo, o seu filho Tiago Filipe Pereira Brandão de Pinho (licenciado);
    3.-A advogada Vera Sampaio foi contratada como assessora pelo membro do governo Manuel Pedro Cunha da Silva Pereira, à altura ministro da Presidência (penso que continua nas mesmas funções) . Além desta actividade, para arredondar o salário (próximo do salário mínimo nacional?) foi autorizada a dar aulas numa universidade privada.
    O filho do senhor de quem estamos a falar, recém-formado, foi logo para consultoir da Portugal Telecom, onde certamente colocou ao serviço de todos os portugueses a sua larga experiência.

    É isto o que se me oferece de momento dizer.

  6. Paulo Pinto says:

    O conhecimento dos factos chega-me basicamente pelas palavras da psicóloga. Não é, portanto, o suficiente para apurar a verdade. Ainda assim, e quando sabemos da miséria moral que se passa dentro da nossa fronteira, ao mais alto nível instituicional, estes acontecimentos começam, desde logo, a cheirar a esturro. Mas a existir alguma nódoa por aqui, quem a tiver vira a casaca ou compra outra que tem bem dinheiro para isso, e continua a sua vida de luxo, olhando de soslaio para o povo miserável que ainda se queixa de receber… 475 euros de ordenado mínimo!!!

  7. Maria Xavier Estevinha says:

    Tudo o que atrás foi descrito é no mínimo revoltante e repugnante.!!! Como falar de valores, de ética, de moral, de princípios de respeito pelo outro, se o partido, a politica, o dinheiro e o compadrio dominam e corrompem a sociedade? Estamos todos a pagar por esta máfia de corruptos incompetentes.

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