Os Políticos de Ontem e de Hoje – “Ficou capado o Morgado”

Tive um despertar tranquilo. Todavia, a meio do pequeno-almoço, fui assaltado por súbito turbilhão de pensamentos acerca da comparação do desempenho de políticos, do período pós 25 de Abril. Revivi as diferenças ao longo do tempo com perturbadora turbulência, o que me deixou confuso entre ‘o como e quem está no presente’ e ‘o como e quem esteve no passado’.

Nos dias de hoje, o espectáculo político oferece-me o Sócrates e as suas coléricas crispações, o Pereira de insinuação ligeira, o Assis que aos chefes diz sempre ‘sim’, o Branco a guiar mesmo manco, o Rangel da ruptura no papel, o Passos do coelho sem cansaços, o Portas das caminhadas tortas, o Louçã que dá aulas de manhã, e o tio Jerónimo cujo apelido Sousa completa o ortónimo. Os traços do espectáculo, porém, não se ficam por aqui. Há ‘chats’ em ‘real-time’ de deputados com cidadãos, como paradigma da acção política dos tempos actuais; os deputados atendem telemóveis e teclam de vez em quando. No fundo, todos eles vivem a era das tecnologias, das telecomunicações, dos formatos e dos conteúdos – conteúdos vazios, acrescento, porque na hora de votar é obrigatório seguir as orientações dos líderes. E aqueles que transgridem esta última regra lixam-se, a menos que se trate de gente alegre, muito alegre.

Façamos o exercício de recuar no tempo, 20/30 anos atrás. Desempenhos e crispações eram outras, e de conteúdos substanciais. Sem telemóveis e computadores pessoais, os deputados estavam, então, confinados às capacidades e conhecimentos próprios. O humor era também condição de bom desempenho, no lugar do agora tão propalado ‘politicamente correcto’.

Hoje senti, de facto, saudades dos já distantes tempos de ver fazer política e, por prazer de pura revivescência, não resisto à tentação de evocar a intervenção de Natália Correia em 1982 na AR, então deputada pelo PRD, na polémica sobre o aborto com João Morgado do CDS, da qual remanesceu a célebre frase “Ficou capado o Morgado”. Sem telemóveis nem computador, a poetisa, de uma rajada, escreveu no hemiciclo o seguinte poema:

“Já que o coito, diz Morgado,

tem como fim cristalino,

preciso e imaculado

fazer menina ou menino

e cada vez que o varão

sexual petisco manduca,

temos na procriação

prova de que houve truca-truca,

sendo só pai de um rebento,

lógica é a conclusão

de que o viril instrumento

só usou – parca ração! – uma vez.

E se a função faz o órgão – diz o ditado –

consumada essa excepção,

ficou capado o Morgado.”

Com este ‘post’, recordo outra maneira, bem mais humorada e humana, de fazer política, e simultaneamente homenageio as mulheres e a inteligência feminina, no espírito do comentário de apoio ao ‘post’ de José Magalhães. O Dia da Mulher foi ontem, é hoje, e será amanhã e sempre.

Comments

  1. Fernando Moreira de Sá says:

    Recordar uma grande Mulher como Natália e esse momento absolutamente deliciosa que perdurará eternamente na história do nosso Parlamento, fez-me recordar outra grande Mulher e amiga de Natália, a Vera Lagoa.
    Somos um país de Grandes Mulheres.

  2. Carlos Fonseca says:

    Fernando, eu também penso o mesmo. Por isso, fiz esta brincadeira que a força criativa de Natália permite.

  3. Luis Moreira says:

    Bem lembrado, Carlos!

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