Mulher/Homem=ser humano – 8 de Março – Dia do Ser Humano

Assim como tenho dificuldade em me despir em público, assim tenho dificuldade em falar seriamente de mim enquanto ser humano feminino. Sempre desejei ser vista como se não tivesse diferenças exteriores entre os outros todos seres humanos. Igual a todos os homens e igual a todas as mulheres. Um ser humano, sem mais. Mas até hoje nunca pude, nunca mo permitiram.
Com o meu lento envelhecer por fora e desanimar por dentro, esperei com ânsia os momentos em que pudesse ver vista – ouvida – sem que os meus sinais exteriores de feminino trouxessem ruído à conversa na ágora – lugar ideal de partilha de saberes e ideias sem pré conceitos. Desejava (ainda espero que seja possível) que o meu rosto se torne transparente, que o meu sorriso para a vida e os outros seja invisível, para que a palavra possa finalmente ocupar todo o espaço.
Desagrada-me que haja um dia da mulher, porque me afasta da identidade lata de ser humano. Desagrada-me que quando caminho na rua, ou estou no meu local de trabalho, ou bebo chá na praça do Povo em Xangai, ou viajo de comboio por Itália, haja um modelo de comportamento – por mais amplo que seja, que me esteja atribuído e que esperam que cumpra. O castigo do incumprimento tem sido também muito penoso – ser vista como fora do Normal,  imprevisível, ilegível, sempre dito com benevolência, como se uma criança mal comportada ainda fosse.
Há/houve ainda a violência, que me proibiu espaços e tempos, que me fechou portas e opiniões, que me roubou futuros. Deploro essas perdas, deploro ter-me cruzado com pessoas capazes de violências surdas e declaradas, a coberto dos paradigmas sociais.
Este discurso serve para os homens também, os que desejavam ser conhecidos a amados por o que são e não por aquilo que se espera deles. É válido para entender os excluídos de todas as categorias e prateleiras sociais, gavetas e armários.
Quem sou? Um ser humano em viagem.
Ilda Rodrigues

Comments

  1. Luis Moreira says:

    Maravilha Ilda ! Gostava de conseguir lutar com esta determinação, aliás comum às mulheres que estão hoje no Aventar!

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