11 de Março – eu estava lá!

O diálogo  salvador (de boina capitão Sebastião Martins; de frente em cabelo capitão Diniz de Almeida; à esquerda um dos militares de Abril que entretanto chegara e a TV em directo-mulher)

Ao tempo vivia ali em Alvalade para aí a dois kms em linha recta do Ralis. Estava habituado aos aviões do aeroporto próximo mas aviões militares e bombas a deflagrar distinguiam-se bem. Fui à janela os aviões rasavam o Ralis e ouviam-se disparos.

Meti-me no carro e fui para lá ver o que se passava enquanto os aviões militares abandonavam o local, forças furtivas tomavam posição nas escadarias dos prédios próximos e nas galerias exteriores. Paraquedistas, via-se pelas boinas verdes, armados de G3, a arma por excelência naquela altura, capaz de disparar tito a tiro ou em rajada. Procurei o comandante da força, tinha saído há pouco tempo da “guerra” ainda me lembrava como se procedia para não levar um tiro, mesmo que ocasional.

A minha surpresa foi enorme, o comandante da força era um amigo meu do Liceu, um tipo muito popular, generoso, poderoso fisicamente, mas do melhor como pessoa. Fiquei logo a saber que com o Sebastião, à força, íamos todos para o “galheiro” ele era destemido como poucos, mas com cuidado ele era um coração grande.

Mas como chegar à fala? Nisto aproxima-se um homem trajado à civil que eu já tinha visto na televisão e era um dos militares de Abril. Era da Marinha e se bem me lembro era o Martins Guerreiro, não me lembro do posto, sei que ele com grande coragem se dirigiu para o seu camarada de armas que comandava a força atacante. Aproveitei para lhe dizer o que sabia do Sebastião antes de chegar à fala.O Militar da Marinha  apresentou-se e perguntou a razão de ser do cerco, e a quem  estava ás ordens . O Capitão respondeu que estava às ordens do Presidente da República ( General Spínola) e da cadeia de comando militar. Martins Guerreiro informou-o do que estava a acontecer a nível nacional e que a cadeia de comando militar passava pelo Chefe do Estado Maior, fiel aos militares de Abril. Acrescentava repetidamente  “camarada, não ajudei a fazer o 25 de Abril para agora nos andarmos a matar uns aos outros”.

Entretanto, começaram a chegar outros militares que tinham andado com o Capitão sitiante na Academia Militar e que lhe mostraram que tinha caído numa cilada. Eu, por minha parte, pedia-lhe pelas nossas futeboladas de juventude, que ouvisse, que não se precipitasse, que fosse à fala com o camarada dele Comandante do Ralis, que era o capitão Dinis de Almeida, outro pronto para a porrada.

A conversa entre estes dois militares passou por momentos muito delicados. O Dinis de Almeida, chegou a dizer ao Sebastião, ” vamos a isso, mas antes para todos sabermos porque é que vamos morrer, explique lá o que vai acontecer depois”.

Milhares de pessoas tinham ocorrido ao Quartel e, tal como no 25 de Abril, impediam uma luta aberta, a não ser que os matassem a todos. Um momento particularmente delicado foi quando um “mini” com duas pessoas lá dentro, arrancou em grande velocidade não obedecendo à ordem de parar. Uma rajada de G3 fez parar o carro, tendo morrido um dos ocupantes e ferido outro.

As informações iam chegando acerca do que se desenrolava a nível nacional o que ajudou, não a uma rendição, mas a um acordo de cessar fogo até que chegassem os chefes militares. A partir dali foram decisões militares dentro do quartel que evitaram uma tragédia, um possível regresso ao 24 de Abril.

No outro dia vi o meu amigo lá na terra dele, está um touro de força como sempre foi, não se fala no assunto, ninguem fala no assunto. É a nossa maneira de lhe agradecer e de lhe dizer o quanto gostamos dele!

Comments

  1. Carlos Fonseca says:

    Luís, por sua vez, o Dinis de Almeida foi meu colega no Liceu Gil Vicente. Morava no Bairro da Madredeus e era tratado por ‘Dadinho’.

  2. Pisca says:

    O Militar da Marinha não é o Martins Guerreiro, tem por nome Correia …., e tinha comandado o assalto dos fuzos à PIDE, mais tarde eu digo qual

  3. Pisca says:

    Tal como está aqui: http://www.25abril.org/index.php?content=1&hora=1

    A força de Marinha chega às imediações da sede da PIDE/DGS na António Maria Cardoso. Costa Correia contacta o cap. Moura comandante da força do RC3. Acordaram que a força do RC3 se encarregaria do controlo das traseiras e que a Marinha controlaria o resto do edifício.

    O Comandante Costa Correia à civil na foto

  4. Carlos Loures says:

    A força comandada por Costa Correia chegou às instalações do Ministério da Marinha no Terreiro do Paço, cerca das 20:00 do dia 25 de Abril. O chefe do Estado-maior da Armada, Almirante Ferreira de Almeida, mandou informar a força que já comunicara oficialmente a adesão da Marinha ao Movimento. O comandante Costa Correia teve um papel importante e é citado por Otelo no seu «Alvorada em Abril».

  5. Margarida Paulos says:

    Assisti a alguns preparativos do 25 de Abril e tenho pena der perdido de vista, alguns destes bravos militares e um deles é o Diniz.Será que haverá alguma forma de os contactar?

  6. Arlindo Sequeira says:

    Também gostava de saber do capitão Dinis de Almeida, pois nesse dia fui eu que o levei no meu Fiat 600 até ao Ralis, desde Sacavém.

  7. Anónimo says:

    Acho redutor encarar o 11 de Março como uma acção reaccionária. A revolução ia claramente por maus caminhos. Muito devemos ao Ramalho Eanes porque depois do fim do PREC se viu que o poder do PCP era muito superior ao que os votos lhe conferia. Ainda hoje temos algumas marcas desse desequilíbrio de poderes na nossa constituição. Mas é a minha opinião, vale o que vale.

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