Eutanásia – Morte Medicamente Assistida

Sob a moderação do Fernando Moreira de Sá, meu companheiro do  ‘Aventar’, a Juventude Popular da Maia realizará, no próximo dia 25, no Fórum local, um debate subordinado ao tema ‘Eutanásia – Morte Medicamente Assistida’. Contará com a participação de personalidades do mundo médico, científico e religioso, com destaque para o Dr. Rui Nunes, presidente da Associação Portuguesa de Bioética (APB), o Padre Jorge Teixeira da Cunha da Universidade Católica Portuguesa (UCP) e Dr.ª Laura Ferreira Santos, autora do livro ‘Ajudas-me a Morrer?’.

Do ponto de vista pessoal, interesso-me, há muito, por este tema e lamento não poder estar presente. Todavia, aproveito para expressar aqui alguns pensamentos, na sequência do que, de resto, já fiz no ‘Aventar’, em Maio de 2009; então, a propósito do projecto de lei do ‘testamento vital’ que o PS apresentou na AR, pela mão da Dr.ª Maria de Belém, na qualidade de presidente da comissão parlamentar da Saúde. O mesmo projecto de lei não foi, entretanto, submetido a votação na especialidade, por motivos meramente políticos. Ao que sei, para evitar conflitos institucionais com o Presidente da República, Prof. Cavaco Silva.

Com a perda maioria absoluta, e apesar da promessa de retomar idêntica iniciativa na legislatura actual, o respectivo processo – penso – está pelo menos suspenso.

Os entusiastas da acção legislativa em causa eram justamente o Dr. Rui Nunes (APB) e a Dr.ª Maria de Belém, afirmando a deputada que “o projecto tem a ver com a autodeterminação, não tem nada a ver com eutanásia” (sic). Por outro lado, a APB expressava que, mediante consentimento informado, os doentes poderiam deixar instruções sobre o tratamento que querem ou não receber. Bastava que o formalizassem perante um notário ou junto de um centro de saúde, na presença de duas testemunhas.

Sempre entendi que era uma tentativa enviesada de legislar sobre a prática da Eutanásia – creio que era esta também a opinião do médico, Dr. João Macedo, do BE.

A Eutanásia, no acervo complexo de doutrinas e debates, enquadra-se nas seguintes classificações:

1)      Voluntária, involuntária e não-voluntária;

2)      Activa e passiva.

A classificação 1) integra, naturalmente, a vontade própria do cidadão, manifestada por antecipação (no meu entendimento, o caso da projectada lei do ‘testamento vital’), ou no momento da doença; desde que, obviamente, as faculdades mentais e comunicacionais o permitam. A classificação 2) relaciona-se com o exercício da acção (activa) ou ausência de acção (passiva), com vista, pois, a provocar a morte ou a deixar morrer o doente.

O tema cai sob a alçada de vasta floresta de perspectivas de análise: do lado dos médicos, sua deontologia e da medicina em geral; do ponto de vista legislativo; da sociedade civil em geral, incluindo orientações religiosas; princípios de carácter ético e moral; o acesso de cidadãos a informação médica em ordem a habilitar ao consentimento informado; o respeito pela privacidade e confidencialidade de dados, entre muitas mais.

O papel normal dos médicos é justamente pôr ao serviço da sociedade os saberes adequados à recuperação de condições de saúde e preservar a vida dos concidadãos. Mas, esquecendo por ora as questões de carácter e de consciência dos médicos, alguns estudiosos da matéria questionam, por outro lado, se é legítimo aplicar terapias desproporcionadas, em casos de doenças terminais ou de afectação cerebral profunda, dando, assim, lugar à Distanásia, prática inversa da Eutanásia; ou seja, a utilização do chamado ‘encarniçamento terapêutico’ para manter artificialmente vivo um ser humano em estado de profunda morbidez, como foi o polémico caso de Eluana, uma italiana que esteve 17 anos em estado vegetativo permanente e a quem, por decisão do tribunal, foi retirada a alimentação.

Se encararmos o tema no plano das normas legais, inferimos que por força do Código Penal em vigor – Artigos 133º – Homicídio privilegiado e 134º – Homicídio a pedido da vítima – não é possível matar outra pessoa sem incorrer em crime sujeito a pena de prisão. Atente-se que o segundo dos mencionados artigos prevê exactamente a situação de “quem matar outra pessoa determinado por pedido sério, instante e expresso….”. O testamento vital e a eutanásia são punidos por lei.

Enfim, a questão da Eutanásia, da Distanásia e outras conexas, como o tal ‘testamento vital’, permitiriam escrever um denso livro. Comportam conceitos complexos, doutrinas controversas e requerem uma fortíssima mobilização da opinião pública, uma vez que o matar ou deixar morrer, mesmo a pedido e em circunstâncias de forte sofrimento, não constituem processos de decisão fáceis para a consciência de muitos, mesmo ateus ou agnósticos.

Comments

  1. Talvez... says:

    Lembro o belga que esteve em coma vegetativo durante 7 anos mas que estava consciente. História aqui (inglês):http://news.bbc.co.uk/2/hi/health/8497148.stm

  2. Luis Moreira says:

    Mesmo em termos económicos não é possível manter milhares (milhões) de pessoas artificialmente vivos!

  3. Carlos Fonseca says:

    Talvez, é por situações desse tipo, que considero a ‘eutanásia’ uma área de difícil decisão, tal como a ‘distanásia’. Tenho também presente o caso do belga, cuja história conheço, mas não posso referir-me a todos os casos, no contexto e no espaço de que disponho.
    O tema suscita-me muitas interrogações e poucas certezas. Como, aliás, a muita gente.

  4. maria monteiro says:

    enquanto um terço dos doentes crónicos admite que não compra remédios por falta de dinheiro… outras milhares (milhões) de pessoas podem ser mantidas artificialmente vivas mesmo não tendo dinheiro… que justiça é esta amigos…

    • Luís Moreira says:

      É isso mesmo, maria. mas mesmo em termos económicos não é possível manter as pessoas vivas artificialmente! Já são milhres, mais tarde ou mais cedo vai ser necessário desligar a máquina. Nunca haverá ventiladores para todos!

  5. Carlos Fonseca says:

    Maria, os doentes crónicos, sem dinheiro para medicamentos, podem considerar-se alvo daquilo que se designa por ‘mistanásia’, ou seja, a chamada ‘eutanásia social’. Corresponde a um conceito diferenciado, porque nomeadamente assenta também em razões de ordem social e económica – a falta de poder financeiro para comprar medicamentos é uma delas.
    Todos estes temas se entrecruzam e o aliciante é tentar compreender os fenómenos neles contidos é justamente investigá-los e pereceber as doutrinas e defender ideias.

  6. maria monteiro says:

    enquanto se tenta compreender lá vai havendo a eutanásia social lado a lado com a vida artificial

  7. Talvez... says:

    Luís Moreira :
    É isso mesmo, maria. mas mesmo em termos económicos não é possível manter as pessoas vivas artificialmente! Já são milhres, mais tarde ou mais cedo vai ser necessário desligar a máquina. Nunca haverá ventiladores para todos!

    Por esse motivo, também cortaríamos as pensões e as reformas. «Já são milhares, mais tarde ou mais cedo vai ser necessário acabar com as reformas. Nunca haverá dinheiro para todos!»

    • Luís Moreira says:

      Não brinque , olha que isso vai mesmo acontecer. Mas repare, você tem alguma dúvida que todos os dias os médicos, têm que tomar essa decisão? Temos 60 ventiladores e 61 doentes a precisarem. A quem cortam? Ao que tiver menos hipóteses de sobrevivência, todos os dias já se faz isto.

  8. maria monteiro says:

    mas que absurdo ou… talvez… sim

  9. maria monteiro says:

    talvez sim, senhor Talvez … sempre se podem congelar os pensionistas até haver dinheiro para as reformas….

  10. Talvez... says:

    maria monteiro :
    talvez sim, senhor Talvez … sempre se podem congelar os pensionistas até haver dinheiro para as reformas….

    Bem sei que não foi um exemplo muito fausto, mas queria alertar para as consequências da tese economicista.

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