Profumo -um escândalo de há meio século – (Memória descritiva)

Na Primavera de 1963, explodiu uma bomba na pátria da respeitabilidade e das virtudes aparentes que a prolongada época vitoriana tatuou a fogo na idiossincrasia britânica. Um drama político levou à desonra pública de John Profumo, secretário de Estado da Guerra, à demissão de Harold Macmillan, primeiro-ministro, e ao suicídio do Dr. Stephen Ward, um osteopata da moda que apresentou Christine Keeler ao ministro – aquilo a que Fernão Lopes chamava um “alcoveta”. Hoje usamos a designação de proxeneta. As palavras mudam, a natureza humana não. Vou contar a história em traços muito largos.

Estávamos no Verão de 1961, em plena Guerra Fria. Numa reunião social em torno da piscina da moradia de Lord William Astor, em Buckinghamshire, o Dr. Ward, aquilo a que hoje chamaríamos um socialite, apresentou uma rapariga de 19 anos, modelo, corista, prostituta, ao secretário de Estado da Guerra, John Dennis Profumo, Jack Profumo para os amigos (Londres, 30 de Janeiro de 1915 — Londres, 9 de Março de 2006)
Profumo manteve uma relação com ela. Sendo casado, a aventura configurava um caso de adultério, mas, mesmo para a mentalidade vitoriana, o adultério não constituía crime por aí além, desde que conduzido discretamente. Byron dizia que o adultério é mais comum quando o clima aquece. E, quando Christine foi apresentada a Profumo a Inglaterra estava sob uma onda de calor.

Porém, havia um dado que o político desconhecia: rapariga empreendedora, Christine tinha ao mesmo tempo uma ligação ao adido naval da embaixada soviética em Londres, Yevgeny Ivanov. O MI5 depressa descobriu este pormenor e, através de Sir Roger Hollis, Profumo foi avisado. Em Agosto de 1961, escreveu à jovem, informando-a de que o “romance” terminara. E, afinal, o verdadeiro romance ainda nem sequer tinha começado.

Em Março de 1963, a história chegou aos jornais e o escândalo rebentou. Todos os dias se descobria um novo pormenor escabroso para alimentar o fogo sagrado do interesse do público. Não vou pormenorizar, embora o pudesse fazer. Na minha frente tenho “Um estudo do caso Profumo” assinado por Clive Irving, Ron Hall e Jeremy Wallington”. Folheei-o e retirei uma ou outra informação.

Resumindo: Ward apresentara também Christine a Ivanov. Durante uma partida de brídege falou nas pessoas ilustres que conhecia, pois além de proxeneta era gabarola. Terá referido Profumo e, gulosas, as orelhas do espião soviético estremeceram. Durante o inquérito, descobriu-se que havia cheques de dívidas de jogo entre Ward e Ivanov, o que talvez fosse irrelevante, pois tratava-se de pequenas importâncias, mas deu azo a que se sugerisse que Ward recebera dinheiro para, através da rapariga, criar uma linha directa entre Profumo e Ivanov, entre o ministério britânico da Guerra e o KGB. Nada de conclusivo se descobriu, no entanto.

Como quem espreme uma vaca o filão das revelações parecia inesgotável .As revelações foram surgindo, umas verdadeiras, outras inventadas. Todas exageradas pelas gentes da comunicação, animais necrófagos, como se sabe. Stephen Ward não aguentou a pressão e, em Agosto de 1963, suicidou-se, Harold Macmillan demitiu-se. Profumo prosseguiu a sua vida e morreu com 91 anos em 2006. E Christine?

Christine Keeler prosseguiu com a sua carreira de corista. Viu-se envolvida num tiroteio com gente do submundo londrino e foi presa por ter perjúrio no processo que julgou o caso.
Já devia ter explicado que na fotografia com que inicio esta crónica, Christine Keeler foi convidada por Lewis Morley a posar nua. Embora respeitando pudicamente os critérios da censura da época serviu de promoção a uma peça de mobiliário – a chaise 3107 de Arne Jacobsen. O «escândalo Profumo» deu lugar a numerosos livros e filmes. Como disse Cícero, O tempora! O mores! A frase faz sempre sentido, pois em todos os tempos os costumes são dissolutos.

No fundo, o único crime de que puderam acusar Profumo foi o de ter mentido, o de ter negado o envolvimento com a prostituta, quando os jornalistas começaram a assediá-lo. Por ser mentiroso, levou o primeiro-ministro à demissão, o proxeneta ao suicídio e arranjou um sarilho em que a corista foi a única que beneficiou, pois foi promovida a figura pública. A corista e os donos dos jornais, que viram as tiragens aumentar enquanto o filão não se esgotou.

Meio século depois, as coisas mudaram e os escândalos são outros, a perspectiva de que os analisamos é diferente. O insaciável apetite dos jornalistas por carne morta terá sido das poucas coisas que não mudaram. O “Caso Profumo” que visto com a isenção que distância nos confere, nada teve de transcendente, deu lugar a numerosos livros, a filmes e, sobretudo, a crónicas de imprensa, entrevistas.

Um limão espremido até aos caroços.

Comments

  1. Luis Moreira says:

    Bem me lembro, a rapariga era de estalo,fisicamente!

  2. Carlos Loures says:

    Foi um escândalo de grande dimensão. Durante semanas, não se falou de outra coisa. A rapariga, pode ver-se na fotografia. Foi a única que saiu a ganhar.

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