Reabriu o ‘Café Central’

Inúmeras cidades e vilas do País têm o seu ‘Café Central’. Sem dispensar a fotografia do fundador numa parede, é sala de visitas de forasteiros e, em simultâneo, local de convívio e cultivo social e político das personalidades mais distintas da terra. Nos tempos da ditadura, as tertúlias dividiam-se entre apoiantes e opositores do regime. Havia também grupos de gente dedicada, sobretudo, a bate-papos futebolísticos.

O ambiente político-social transformou-se e suscitou metamorfoses e arrumações dos relacionamentos entre a clientela politizada de qualquer Café Central. Sumariamente, pode dizer-se que, após alguma refrega, consagraram-se duas grandes tribos rivais: uma chamada “rosa” e outra “laranja”. A escolha de cores, ao que se dizia, era de natureza partidária; mas é questão de mero preciosismo.

O ‘Café Central’ da minha vila passou por diversas vicissitudes; fechou e acaba de iniciar a reabertura. O encerramento, por considerável intervalo de tempo, é justificado por conflitos de interesses e ambições entre as tribos “rosa” e “laranja”. Ambas perseguiam idêntico objectivo: ter uma posição de domínio sobre a rival nas mesas e nos lugares do café. Contudo, o fecho não sossegou espíritos nem trouxe maior tranquilidade à comunidade. À falta do ‘Central’, os boatos, as verdades, os ditos e contra-ditos desceram à rua e às páginas dos jornais da terra que, desgraçada, entrou numa espiral de endividamento.

Considerado homem respeitável por muitos, o presidente da junta concluiu que, afinal, o fecho do café não servira para serenar os ânimos de distintos conterrâneos desavindos. Antes pelo contrário, os confrontos entre as ilustres figuras transformaram-se em imagem de desunião propagadas por outras paragens, outros mundos, e alguns bem distantes. Perante isto, chamou os chefes dos grupos rivais e sugeriu que firmassem um acordo de reabertura do café, local providencial para resolver polémicas – “O Café Central deve ser ser reaberto porque o interesse da terra assim o exige”, afirmou, ao estilo de uma ordem.

Os jovens chefes obedeceram e o ‘Café Central’ iniciou ontem o processo de reabertura. Esqueceram, por ora, as desavenças, e certamente entender-se-ão durante o tempo suficiente. O “laranja” sublinhou haver diferenças entre as tribos; embora, como música de fundo, se ouvisse a voz do Rui Veloso a entoar: “é muito mais o que nos une, do que aquilo que nos separa”.

Como prova eloquente da união, lá se perfilaram diante da comunidade, lado a lado, numa primeira batalha contra os desempregados e outra gente sem vergonha, sem trabalho e às vezes sem eira nem beira. Afinal, desancar nos mais fracos comporta menos dificuldade. Porquê, então, complicar? O ‘Café Central’, quando funciona, não erra o alvo. A estratégia é simples: o sucesso de disparar contra um bando é mais garantido do que caçar, uma a uma, as aves de rapina.   

Comments

  1. Luis Moreira says:

    As bulhas já começaram, no mesmo dia um dos meninos “o rosa” assinou o contrato para uma autoestrada como o seu amigo Coelho, para a qual não há dinheiro. O menino “laranja” ainda se magoa!

  2. Carlos Fonseca says:

    Luís, eu não excluo, antes pelo contrário, que os dois maiores partidos tenham de entender-se. Mas o que me surpreendeu e chocou foi ver o Pedro Passos Coelho, com a sua presença, estar a avalizar afirmações do Sócrates contra os desempregados. Como sabes, o ‘Coelhone’ é uma das várias de rapina e, por aí sim, é que se deve iniciar a moralização da despesa pública. Foi justamente ao contrário.

  3. Carlos Fonseca says:

    Na penúltima linha, leia-se ‘aves de rapina’

  4. maria monteiro says:

    também o que é que se esperava… a par do “Café Central” há sempre uma “Rua Direita”

  5. Carlos Fonseca says:

    Maria, lembras bem: há sempre a Rua Direita.

  6. Helena says:

    nem acredito nestes comentários… que engraçada coincidência! eu que tenho andado entretida num blog que é uma história de uma Maria do Carmo (também há Marias do Carmo em todo o lado) que vivia na Rua Direita, perto do Café Central…
    http://wwwcafecentral.blogspot.com/2010/11/cafe-central.html

    • carlos fonseca says:

      A vida, o tempo e os espaços estão cheios de coincidências, por razões várias. De Cafés Centrais e Ruas Direitas proliferam no País. As clientes e transeuntes, apenas aparentemente, diferem. Quase sempre coincidem.

  7. carlos fonseca says:

    Os Cafés… e Os clientes…

Trackbacks

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