O jornal El País classifica de defenestração a decisão do Supremo Tribunal espanhol de afastar de funções o juiz Baltasar Garzón, personalidade que, saliente-se, estava indigitada para a magistratura no Tribunal Penal Internacional de Haia. A classificação jornalística é, de facto, rigorosa: defenestração.
O juiz do supremo José Ricardo Prada, em entrevista ao citado jornal, afirma: o afastamento de Garzón fundamenta-se em “vinganças, lutas de poder que no final levam tudo pela frente”. Lá como cá, ou não fôssemos dois povos de tradições judaico-cristãs, o subjectivismo dos órgãos de poder prevalece sobre o juízo da matéria de facto; ou seja, os crimes do franquismo que, no entender de Baltasar Garzón, deveriam ser julgados no âmbito do consagrado pela Declaração Universal dos Direitos Humanos
Houve, assim, uma ruptura com os princípios e métodos utilizados por Garzón em outros processos, nomeadamente os relacionados com as actividades da ETA, as acções contra a humanidade perpetradas pelos regimes de Augusto Pinochet no Chile, pela ditadura argentina ou os crimes de guerra na Bósnia Herzegovina.
Desta vez, para o juiz saneado, chegou a vez dos crimes do franquismo; porém, como o tema era fracturante, derrubaram Baltasar Garzón. Poderiam, pelo menos, ter recorrido a outros mecanismos, para impedir a abertura do processo. Escolheram o caminho mais fácil. Além do resto, a deliberação é susceptível de criar sequelas: o receio e a contenção de outros juízes arrojados que, no futuro, tivessem uma tentação do género.
A pesporrência do Supremo Tribunal de Espanha trouxe-me à memória Frederico Garcia Lorca, cujos restos mortais, reminiscências da brutalidade franquista, ainda estão por localizar. Do insigne poeta, e da violência por ele combatida, denunciada e sofrida, transcrevo da obra ‘Romanceiro Gitano’ apenas o primeiro trecho do seguinte poema:
PRENDIMENTO DE ANTOÑITO EL CAMBORIO EN EL CAMINO DE SEVILLA
Antonio Torres Heredia,
hijo y nieto de Camborios,
con una vara de mimbre
va a Sevilla a ver los toros.
Moreno de verde luna
anda despacio y garboso.
Sus empavonados bucles
le brillan entre los ojos.
A la mitad del camino
corto limones redondos,
y los fue tirando al agua
hasta que la puso de oro.
Y a la mitad del camino,
bajo las ramas de un olmo,
guardia civil caminera
lo llevó codo con codo.
…
Também agora, uma maioria de juízes do Supremo espanhol paralisou e levou Baltasar Garzón ‘codo con codo’. O grave é ainda a hipócrita presunção de que estão a fazer justiça.
José Saramago (que tem residência numa ilha espanhola) escrevia, em Fevereiro passado, numa sua crónica no DN, que:
“…Faltando Baltasar Garzón, supondo que se chegará a esse ponto, será a consciência da parte mais sã da sociedade espanhola que exigirá a revogação da Lei da Amnistia e o prosseguimento das investigações que permitirão pôr a verdade no lugar onde ela tem faltado. Não com leis que são viciosamente desprezadas e mal interpretadas, não com uma justiça que é ofendida todos os dias. O destino do juiz Baltasar Garzón é nas mãos do povo espanhol que está, não dos maus juízes…”
Afinal, sabemos hoje que os maus juízes venceram. E também sabemos que o poder está tão enraizado que, sempre que o povo tiver que dizer “Basta!”, terá que o fazer (como sempre o fez) à custa do desperdício de muito sangue!
E é isso que ainda terá de acontecer! Em Espanha!… e em Portugal!…
http://insustentavelbelezadosseres.blogspot.com/2010/05/nem-leis-nem-justica.html
Parece que o dito Juiz ia contra uma coisa que se chama lei da concórdia (não sei ao certo o nome). Parece que o não podia fazer, a não ser que a dita lei fosse para o lixo. Não pode andar a pôr espanhóis contra espanhóis só porque lhe apetece. Lá, é como cá.
Aqui, o que levantou a lebre da pedofilia, também foi defenestrado. Preocupo-me mais com este do que com aquele. Alguém, há dias, perguntava aqui se a sardinha da vizinha é melhor é melhor do que a minha.
Foi ao ar, não sabia que podia ir. Não está sozinho.
Creio que, melhor do que argumentar, devo remeter para as afirmações do juiz Prada – votou vencido. De facto, ele faz a demarcação entre a Lei da Amnistia e os instrumentos jurídicos sobre crimes contra humanidade. Sobre este género de factos, existem opiniões divergentes. Eu tenho as minhas, e respeito quem pense diferente.
E ainda há gente que acredita que os salários devem baixar e os impostos aumentar. Era inevitável…