A semelhança entre a margarina e o produto político

Das minhas actividades profissionais, e a propósito de receitas políticas, recordo a passagem pela FNM – Fábrica Nacional de Margarina, entretanto desaparecida. Com o objectivo de vencer em concursos internacionais, reunia-me, então, com o responsável dos aprovisionamentos, que, nos anos 1990, desenvolvera um programa informático, a fim de simular a minimização de custos.

Com efeito, para o mesmo produto, margarina, ensaiávamos hipóteses, em função de custos de matérias-primas diversas: sebo, óleos de palma, peixe, soja, girassol, amendoim ou de  outra gordura. O custo mais reduzido servia de base ao preço e à oferta.

A certa altura, assaltou-me uma perturbação: ‘ao vencer um concurso, seria provável o confronto com reclamações sobre a qualidade da margarina?’. Para resolver tal inquietação, perguntei ao Director de Produção se, da utilização de matérias-primas distintas, não resultariam efeitos diferenciáveis e prejudiciais na qualidade final da margarina. Respondeu-me que não e acrescentou: “o aspecto até é o mesmo, porque o corante é substancia natural, o ß-caroteno extraído da cenoura, e garante que, nas diferentes opções, a margarina tenha o aspecto da manteiga”.

A explicação, para os fins em vista, convenceu-me. Todavia, hoje, pensando na acção dos políticos que temos, ocorreu-me a ideia da semelhança entre a margarina e o produto político. Também na política, usando impostos directos e indirectos, cortes e congelamentos de pensões e outras prestações sociais, e o desemprego, as matérias-primas usadas garantem sempre o mesmo efeito no tocante ao produto final: lesar os cidadãos comuns.

Até agora, nunca imaginei, de facto, tal semelhança entre a margarina e o produto político. Ambos são matéria gorda e nociva, uma à saúde e outra ao depauperado bolso.

Comments

  1. Carla Romualdo says:

    E untuosa, caro Carlos, permito-me acrescentar. Em geral não aprecio textos sobre economia mas leio com muito gosto os teus. Parece-me que tens a preocupação de escrevê-los com graça e leveza sem descurar o rigor. Parabéns

  2. Carlos Fonseca says:

    Untuosa mesmo, como o creme gordo ‘Barral’. Fique muito sensibilizado com o teu comentário.
    Obrigado.

  3. mjrijo says:

    E quando um pouco aquecidos, ambos, margarina e políticos, deslizam, provocando as nódoas.
    Gostei imenso do artigo.

  4. Carlos Fonseca says:

    Mjrigo, obrigado.
    Bom ou mau, depende de cada um, foi o que me saíu.

    • Guilherma A. Pereira dos Santos says:

      Achei piada a esta leitura! Sabes, amigo, fui funcionário da FNM durante 20 anos e, tendo pesquisado há pouco as ruinas dessa fábrica, fiquei muito triste… que saudades!… Guilherme Santos

      • Carlos Fonseca says:

        Fui Director de Exportação do grupo Sociedade Nacional de Sabões, cargo que abrangia a própria SNS, a FNM, as Águas de S. Silvestre e a Socinca.
        Cumprimentos

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