O TENENTE PULA

POR JOAQUIM QUICOLA


Hoje, se me permitirem, vou contar a estória do tenente Ilídio. O tenente Ilídio foi meu comandante no tempo das FAPLA. Era pula. Os pais eram portugueses mas o tenente nasceu em Ndalatando, provincia do Kuanza Norte. Kamundongo como eu, ainda que não genuíno. Não sei da vida dele, aliás a estória que vou contar é a da sua morte. Mas sei que tinha vinte e poucos anos, era casado e deixou dois filhos. Como todos os pulas, fumava muito e bebia muito café. Ché, o Ilídio fumava. Mesmo. Acendia cigarro, acabava, acendia já outro, e assim sucessivamente. Se não tivesse morrido ainda na guerra, morria de cancro no pulmão.

O dia em que morreu era véspera do dia das Fapla. O tenente comandava três pelotões estacionados em Dangeamenha, na estrada que vai de Ndalatando para o Dondo. Ocupávamos umas antigas instalações comerciais, compostas por três fileiras de lojas que formavam um u virado para a estrada e no meio estava o posto de comando. Do lado de lá da estrada estava o campo minado.

Nessa noite, eu fazia a ronda nos meus homens que cobriam a estrada. Tudo muito bem. Aí os homens da Unita fizeram fogo sobre o flanco Sul. Muito fogo mesmo. Aí os homens desse pelotão fogem em direcção para o posto Este. Eu e os meus fugimos para Norte. O tenente Ilídio que dormia no posto de comando acorda e em vez de fugir para Este, vai na direcção do fogo da Unita. Aí fez muitos tiros, mas foi apanhado sozinho e quando deu conta já ficou tarde. Lhe acertaram no pé e apanharam vivo. Normalmente matariam logo ali. Mas como era pula, lhe mataram mal, lhe deram com bloco de construção que estava assim no chão. Morreu muito mal mesmo. Com a Unita era assim mesmo. Se apanhavam Fapla mbumbo matava logo. Mas pula ou cubano aí demoravam de raiva. Nós nas Fapla matávamos logo. Bem se fosse oficial demorávamos para colher informação mas depois também matávamos. Mas matávamos só.

Ché, a Unita não gostava de brancos, mesmo. Para o mais velho Mbimbi, mesmo apesar de pedir ajuda na África do Sul, Angola era só para o mbumbo. Não tinha essa coisa de todos somos angolanos. Eu na altura não pensava assim. Mas hoje fico a reparar que actualmente o pula vem aqui, ocupa o lugar do angolano genuíno, vem ganhar muita bufunfa e o mbumbo a passar todo o tipo de dificuldade. Pode dizer mesmo que eu sou racista. Mas a realidade é essa. Por exemplo, se o pula nasceu em Angola, mesmo que não tenha vivido aqui, pede logo a nacionalidade e vira angolano. Já o angolano mesmo que tenha nascido aí na Tuga, não lhe dão. Como é, então?

Aqui na empresa praticamente todo o chefe, assim chefe importante mesmo, é pula. Todos eles ganham muito cumbu. Mesmo muito cumbu. E tem casa e tem carro com motorista, e tem girador e água tvcabo e o quê. Vão me falar que o dono da empresa é mbumbo como eu. É verdade. Mas esse nunca aparece. Que me dá ordem mesmo é o pula. Qualquer dia isso vai maka. Não comigo que estou cansado de guerra. Mas aí os candengues que vendem saldo e gasosa no engarrafamento estão a começar a ficar muito chateados. E esses candengues já não lembram mais da guerra. Estão com muita disponibilidade para fazerem confusão.

Saudações a todos

Comments

  1. Luís Moreira says:

    É bem verdade. A miséria é má conselheira, e a injustiça social atiça muita maldade.

  2. maria monteiro says:

    porque a “riqueza” é má conselheira, é cega, é desumana … a injustiça social pede dignidade… se não vai a bem o mais provável é ir a mal.

  3. Absurdo says:

    Entre um e outro comentário há todo um universo ideológico a separá-los.
    Entre quem põe a tónica na pobreza extrema e na necessidade de elevar o nível de vida, e quem coloca a tónica nos demasiados ricos e na necessidade de não serem tão ricos.
    Ambos pretendem mais justiça social, mas partem de locais distintos.

  4. Grande Quicola, o abraço de sempre. A distância, por vezes, abre mais os braços e o abraço é mais coração. A miséria não é má conselheira nem a injustiça atiça muita maldade, se calhar não atiça a “maldade” necessária. O Luis, boa alma, tem ideias enfeitadas de boas intenções, mas as flores murcham quando lhes falta a água. A riqueza sim, é má conselheira, é cega, é desumana, como diz a Maria. O universo ideológico entre elas não existe. É pura ficção. Até porque a riqueza não tem universo, a não ser o universo de olhar a miséria do mundo, do alto de um monte de notas.

  5. Caro Joaquim Quicola
    Li o seu “artigo” e felicito-o pela sua sinceridade.
    Lamento é que tenha de se considerar racista. Mas compreendo-o, pois eu, que sou branco, português nascido em Portugal, onde vivo, às vezes também me considero assim, mas contra a minha côr.
    Quanto aos seus concidadãos estarem disponiveis para fazerem confusão, ajude-os a evitar isso. Vocês já tiveram guerra demais. Em vez de confusão aperfeiçoem os vossos conhecimentos nas áreas que mais vos interessa e usem da palavra, SEMPRE A PALAVRA, para reividicarem aquilo a que se julgarem com direito.
    Angola tem espaço para todos vós, sejam brancos, mestiços ou negros. Não criem confusão entre vocês mesmos. Dêm as mãos, pois só juntos poderão fazer de Angola uma terra próspera, culta, onde todos os angolanos devem ter lugar.
    Em 1965 fui aí parar como combatente do exército português, e fiquei a gostar demais da vossa gente. Fui, como se dizia, no cumprimento de um dever. Mas eu tinha ideia daquilo que dera origem ao conflito entre colonizadores e colonizados, e isso me dava o direito de eu estar, em consciência, do vosso lado, embora fosse contra as atrocidades de 1961. O meu papel foi, pois, o de procurar evitar problemas, não podendo ser, na prática contra ninguém, por razões que se comprende. Mas eu sabia que o vosso dia haveria de chegar. E chegou, como o nosso, aqui em Portugal, com o 25 de Abril de 1974.
    A vós, angolanos, o meu apelo para que guerra, sobretudo entre vós, nunca mais. Essa forma de actuar nunca leva a verdadeiras soluções.
    Um grande abraço a todos os angolanos.
    Sérgio O. Sá

  6. Peço ao Sérgio que me permita subscrever um texto tão humano, tão universal, tão internacionalista e tão pedagógico.

  7. Joaquim Quicola says:

    Calma cota Sérgio. Não penso que vai haver guerra. O angolano já se convenceu que não. Mas vai existir muita confusão, muita bandidagem. Já está haver, aliás. Esses miúdos aí da fotografia se estão a fartar de vender gasosa no engarrafamento. Deixa dizer ainda que eu não me considero racista. Apenas disse que pode chamar que eu não me importo.
    Eu não vou sair aí a matar pulas nem ninguém. Veja só, o pula de que falo foi um herói que morreu pela pátria. Hoje inclusive posso comprovar muito boas maneiras de muitos que aqui trabalham. Gente que trabalha mesmo e vem ensinar e respeita. Inclusive se casam aqui e fazem mulatos e comem funge e dançam kizomba. Não tenho maka com os pulas. Mas há muita injustiça neste país e a cor de pele no dia-a-dia dessa injustiça é a vossa. É só isso que eu quis dizer. Um abraço a todos.

  8. Ao Adão Cruz para o deixar a vontade. Subscreva o que quiser. Mas eu não escrevi nada de tão importante assim. Apenas me exteriorizei um pouco quanto ao modo como sinto e penso certas questões.
    Abraço.
    Sérgio O. Sá

  9. Caro Joaquim Quicolo
    Obrigado pelo seu retruque ao meu comentário.
    Talvez eu tenha sido exagerado ao pensar que algumas das palavras do seu “artigo” poderiam conjecturar algo mais temível. Mas ainda bem que para os angolanos GUERRA NÃO!
    Quanto à confusão, ela existe em todo o lado. Em Portugal também. A bandidagem resulta das assimetrias sociais que sempre existem em qualquer sociedade.
    Eu sei, nós cá, em Portugal sabemos mais ou menos o que se vai passando na vossa Terra. Os mais sensíveis, aqueles que sempre estiveram do vosso lado – e são muitos – sofrem e lamentam que os poderes políticos angolanos tenham dificuldade em resolver, com a rapidez que se impõe, todos os vossos problemas. Compreende-se que não seja fácil. Mas têm de conseguir as necessária soluções, porque os problemas de qualquer povo têm de ser obrigatoriamente de quem o governa.
    A vossa Luanda que eu conheci não tinha, naquela altura, meio milhão de habitantes. Depois das guerras entre os angolanos milhões de almas deixaram a vossa capital a rebentar pelas costuras.
    Realidades dessas trazem semprre graves problemas. Necessário é dar tempo ao tempo, mas não desistir de pressionar as entidades governamentais para acelerarem os processos que conduzam a uma decente reorganização social das populações.
    Finalmente o Joaquim refere-se à muita injustiça que há por aí, e que a cor dessa injustiça é branca.
    Não o contrario. Admito mesmo que sim. Aliás, isso ficou provado ao longo da História. Mas não podemos meter todos os brancos no mesmo lote.
    De resto, a História também nos revela que, até aos dias de hoje, sempre houve cidadãos autóctones dessas terras que viriam a chamar-se Angola que se portaram de igual modo, traindo a sua própria raça, a sua própria cor.
    Mas não se admire, porque situações idênticas sempre tiveram lugar em todos os povos do mundo. Infelizmente o ser humano procede mal muitas vezes.
    E a propósito, termino esta troca de “pareceres” com um “alerta” deixado já em 2009 no meu último livro: «… que os angolanos desprezem os neo-racismos entre eles próprios, como pode estar a acontecer.» «Esperemos que esses povos, que combateram o colonialismo português instituído pelas consequências da própria História, não se deixem apanhar pelos multicolonialismos da actualidade, mais do que nunca à espera de invadirem Angola definitivamente.»
    Caríssimo Joaquim Quicola, estejam atentos!
    Fico por aqui. É com muito gosto que continuarei à conversa com um angolano, se assim entender. É um prazer.
    Sérgio O. Sá

    • Luís Moreira says:

      Venha sempre caro Sérgio, é bom ler gente equilibrada e que escreve bem.Abraço

  10. medalha vazia says:

    Boas cota quicola … tas ta presentar … mas com dicas dos pulas ok …
    Isso aconteceu a muitos e o Ilidio nao foi o unico ok…
    Morreram tantos eramos abrangidos e subias no quintal da jeep e pumbas adidos , terminal da Fapa e tavas no menongue as 18h depois do ylushin te levar, aquele tipo barriga de ginguba.
    Se eu fosse um dos miudos daqueles tipo os que falas fazia mesmo isso e de certeza ninguem vai ficar imune quando tocar o batuque cdas!
    O pb e que apesar dos ilidios quicolas samkuvas e ben benes hoje restou o X6 das damas feias que nem um bidon amassado mas de X6 e o pobre mesmo e sempre cobarde so rouba o outro pobre ok … ninguem na tal confusao que falas vai subir nas torres da sonangol abrangir o m’bumbu (e assim que se escreve) que tem gerador e esta no 15 andar ok
    vamos + fazer cumo ? entao…

  11. medalha vazia says:

    O Angolano tem o Habito feio de apontar sempre no rabo do outro …Olha so ve so aquele e nao aceita algumas lacunas que temos pois outros em africa estao bem pior que nos ok…
    Se nao nao estavam a nos invadir todos os dias ok.
    As pessoas que falas so veem pra qui a ganhar + pois de outra forma nao veem ok e viem…. so nos vai fazer aprender + e melhorar… ficar esperto e tentar ser melhor … mano isto e bue grande ia?

    …./….
    Quem fica no quintal o ano todo nao sabe o que se passa na savana… qdo a queimada chega e apanhado no quintal e logo foje pra palhota.
    Evita isso sai e ve longe pois a palhota arde + rapido q a savana
    **** proverbio bantu

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