Caracóis à Algarvia, a receita


Se excluirmos os produtos do mar, os caracóis são, sem dúvida, o grande petisco do verão para algarvios e alentejanos.

Há quem prefira as caracoletas (maiores e mais escuras), quem goste apenas dos caracóis (mais pequenos e com coloração castanho-amarelada) e quem misture ambos no mesmo tacho. Claro que, para muita gente, a simples ideia de comer caracóis é repugnante. Mas perca o preconceito e prove-os à algarvia, feitos com aquela simplicidade que apenas os pratos do sul possuem e que transforma os ingredientes mais vulgares em verdadeiros manjares.

Está pronto para a receita?

Idealmente, o leitor do Aventar apanharia os seus próprios caracóis. Passearia, assim, pelo campo, respiraria ar puro e os odores da terra e, mais importante, saberia a verdadeira proveniência dos seus caracóis (não os apanharia nas imediações de uma ETAR, de uma estrada cheia de emissões de escapes de automóveis, etc.)

Antes de lhes apontar a panela como destino, deixaria os gastrópodes alguns dias numa caixa de madeira ou num saco de serapilheira e alimentá-los-ia com farinha de trigo ou rodelas de batata, para que perdessem o visco, as toxinas e o sabor acre de algumas ervas, aproveitando ainda para os engordar um pouco mais.

Mas o leitor não é dado a passeios pelo campo ou os únicos caracóis de que dispõe nas redondezas são produzidos em salões de cabeleireiro. Pois bem, compra-os (a medida tradicional é o litro) e salta os passos anteriores, dirigindo-se de imediato ao tacho. Começa por lavar os bicharocos em várias águas até que não haja vestígios de visco. Põe-nos na caçarola, cobre-os de água, junta-lhes com generosidade uns quantos dentes de alho esmagados com a casca e coloca-os em lume muito brando para que, com as suas anteninhas, espreitem para fora das conchas e se torne mais fácil alcançá-los. Entretanto agarra numa boa quantidade de paus de orégão (apenas os paus, já que as folhas tornam o petisco mais amargo), acrescenta-os ao tacho e tapa-o. Ao detectar que as alimárias deixam de se mover, aumenta o lume.

Espera que esteja quase a levantar fervura para lhes juntar o sal. Dois bons punhos, sem medo. Deixa ferver quatro ou cinco minutos, prova-os, corrige o sal se necessário (ou desliga o lume e deixa-os dentro da panela outros quatro ou cinco minutos para que absorvam o sal suficiente), escorre-os, serve-os e delicia-se, caçando-os com a ajuda de um alfinete, espeto ou pico de piteira.

Acompanha com cerveja ou vinho branco bem gelados e pão torrado com manteiga. Se não os provar, mais fica para nós e quem perde é o leitor. Um bom preconceito não vale, afinal de contas, um único caracol.

Nota: Claro que pode cozinhar os caracóis de outras formas, guisados, por exemplo, com chouriço e tomate, como nesta receita.

Comments

  1. maria monteiro says:

    eu sou das que não come nem cozinha caracóis mas já fiz várias peregrinações ao campo para apanhar dessas lesmas com casa às costas.

  2. joão Nunes says:

    Assim não sei. Não especificou a quantidade de caracóis nem o volume de água. Apenas referiu a quantidade de sal que, desculpe o abuso, me parece exagerada para um(?) litro de caracóis.

  3. Pedro says:

    Tem razão, João Nunes. A quantidade a que me refiro é, aproximadamente, dois litros de caracóis. Cobre-se de água, pelo topo dos caracóis.
    Parece muito sal, mas não é, tal como com os camarões, por exemplo. Escorre-se a água no final e, com ela, o sal.
    Caso contrário, os caracóis ficam “doces”, como se diz no Algarve.

  4. Luís Moreira says:

    Caracóis? isso come-se?

  5. Pedro says:

    Ainda ontem, com um grupo de amigos, comi uma caracolada divinal, no campo, onde estas coisas sabem ainda melhor. O João Nunes pode confiar na quantidade de sal. Ontem (e das outras vezes) estava correctíssima.

  6. mara says:

    Pois eu sei do que o Pedro fala.
    E confirmo, a caracolada de ontem estava divinal!
    Pois eu iniciei o meu gosto pelo caracol do mar, burrié.
    Mas depois de ter passado a viver no Algarve, não escapei a este ritual da caracolada algarvia. Não “corro” atrás destes gastrópodes, confesso, mas se me aparecem à frente, mantenho um ritmo de alguma forma acelerado.

  7. mjrijo says:

    Eu já provei disso, mas eram grelhados, e os coitados queriam safar-se da grelha e era preciso colocar de novo na posição certa. Bem, depois de ver fazer isso aos animais, foi difícil comer, porque me lembrava de quando se queimavam as “bruxas” vivas. Não sabia mal, era comestível, mas para mim que até cochas de râ gosto, sou suspeita.

  8. Pedro says:

    Se é suspeita, mjrijo, só tem que provar estes, à algarvia, parece-me que já sabe que o preconceito não vale um caracol. Mas há visões que devemos evitar. Neste caso, não devemos usar tampas de vidro para fechar o tacho.

  9. mjrijo says:

    e experimento…de tudo, desde que não seja ratos ou cobras 🙂

  10. beatriz santos says:

    vou fazer caracois pela primeira vez!
    obrigado pelas dicas

  11. Apesar de saber fazer uns bons caracóis, julgo eu 🙂 , gosto sempre de ver outras maneiras de fazer.

    Apanhei o seu site e gosto. Quero acrescentar como Algarvio, que este prato é um verdadeiro Pitéu.
    Eu quando os faço coloco meio limão cortado em rodelas, para que corte um pouco do amargo que ainda possa existir das ervas, se realmente a compra for numa loja..nunca se sabe.
    Viva o Verão e o belo do caracol!

    Cumprimentos.

  12. Antonio Filhó says:

    Feitos a preceito(nada de tomate,presunto,e outras coisas mais)o caracol leva oregão,cascas de limão,alho dois dentes, e sal quanto baste, e se tiver uma ou duas folhas de poejo,pode colocar.
    Assim se cozinha o caracol,que é uma especialidade do sul.

  13. Gilberto Palma says:

    Fui a Lisboa comi e gostei, uma delícia esta caracolada, bom tempero levemente apimentado.

  14. em manaus é comum encontrar caracois em lugares excharcados. como posso saber se sao comestiveis ?

    • A. Pedro Correia says:

      Não faço ideia, amigo, o melhor será procurar a informação junto de quem conhece esse tipo de caracois. Eu refiro-me a um tipo de caracol que é muito frequente na região onde moro

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  1. […] esta receita noutro local, os caracóis ficam perfeitos, de comer e chorar por mais. Como aí digo, um bom […]

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