Do Magrebe ao Andalus

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Jebha, no Rif

A conquista Árabe do Magrebe é promovida pelo Califado Omíada de Damasco e tem como resultado a criação de uma unidade política submetida ao seu poder. A tarefa é confiada ao general Oqba Ibn Nafi, que no ano de 670 comanda um exército através do deserto do Egipto com a missão de submeter todas as tribos berberes do Norte de África. Na sua marcha para o Ocidente funda a cidade de Kairouan na actual Tunísia, onde fica sediado o governador da Ifriqiya. Oqba atinge a costa atlântica no ano de 684, onde, reza a história, terá entrado com o seu cavalo no mar e, olhando para o céu, exclamou:

“Deus grande! Se o meu caminho não fosse parado por este mar, eu continuaria, para os reinos desconhecidos do Ocidente, pregando a unicidade do Teu nome sagrado, e passando à espada as nações rebeldes que adoram outros deuses que não Tu.” (GIBBON, 1776–1789, página electrónica citada)

Oqba dirige-se então para Sul, submetendo as terras férteis dos vales do Oued Ziz e Oued Draa.

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Gibraltar

Em 712 o seu sucessor, Mussa Ibn Nossair, empreende a conquista do Al-Andalus, iniciada um ano antes por um berbere do Rif, sob o seu comando, chamado Tarik Ibn Ziyad. A marca de Tarik ficará para sempre no nome do Estreito de Gibraltar, com origem no Árabe Jebel Tarik ou Montanha de Tarik. Os berberes do Rif terão uma participação decisiva no processo da conquista Árabe do Magrebe e da própria invasão do Al-Andalus. Já em 710 um outro Rifenho de nome Tarif Ben Shamaún tinha feito uma primeira incursão de observação em terras Hispânicas, deixando o seu nome no local onde desembarca, a cidade de Tarifa.

A ocupação e islamização do Magrebe dura cerca de meio século e tanto assume formas de guerra contra os berberes, como se realiza através de tratados e alianças. Este processo de islamização não é acompanhado de um outro de arabização, como aconteceu na Península, mantendo os berberes as suas línguas e costumes.

A criação do Emirato Rifenho de Nakur no ano de 710, fundado por Al-Himyari Abu Salih na zona onde se situa a actual cidade de Al-Hoceima, reconhecido pelo Califa de Damasco enquanto unidade política independente no tempo de Salih Ben Mansur, assume particular importância na islamização das tribos berberes do Rif, concretamente as organizadas em torno da confederação Nafza.

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A costa do Rif

De facto o reconhecimento da independência do Emirato de Nakur implica a sua integração jurídica no sistema do Califado Omíada, como afirma Ahmed Tahiri, e a prova é que ao nomear Mussa Ibn Nossair governador da Ifriqiya e sucessor de Oqba Ibn Nafi, o Califa ordena-lhe que “não substitua Salih Ben Mansur, nem se intrometa nos assuntos internos de Nakur” (TAHIRI, 2005, obra citada). A própria escolha de Tarik Ibn Ziyad, originário da confederação Nafza, para governador de Tânger e posteriormente comandante da primeira expedição ao Andalus mostra a importância que é dada a pacto com o Emirato de Nakur.

O Emirato tem como capital a importante cidade de Nakur, resultado do desenvolvimento da antiga cidade de Temsaman, situada a uma meia dúzia de quilómetros na costa, e era servida pelo porto de Al-Mazamma, a partir do qual se estabeleciam significativas trocas comerciais com o Mediterrâneo.

A importância comercial de Nakur muito deve à sua estreita ligação com a cidade de Sijilmassa, situada no Tafilalt marroquino, a uns escassos quilómetros da actual cidade de Rissani. Fundada em meados do século VIII pela tribo Miknasa, Sijilmassa era o local onde chegavam as caravanas do deserto do Sahara carregadas de mercadorias da África central.

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O Tafilalt

Com a revolta Abássida de 750 e consequente transferência do poder califal de Damasco para Bagdade, é criada uma situação de crise política e fraccionamento do poder no Magrebe.

Dois príncipes Omíadas fugidos do Médio Oriente refugiam-se no Ocidente do império, onde vão criar dois reinos independentes do Califado Abássida. Abd Ar-Rahman refugia-se no Rif, no seio da confederação Nafza, e invade o Al-Andalus com um exército de Berberes Rifenhos, onde funda em 756 o Emirato de Córdoba.

Idrissi refugia-se nas montanhas do Médio Atlas e funda em 789 a Dinastia Idrissida, com o apoio de tribos berberes, e estabelece a sua capital na cidade de Fés. A Dinastia Idrissida seria sistematicamente atacada pelos Abássidas de Bagdade que assassinam Idrissi I por ordem do Califa Harún Ar-Rachid. A sua mulher Kenza estava então grávida e o nascimento de um filho varão assegurou a continuidade da dinastia, que duraria até ao ano de 985, altura em que foi derrotada por berberes Miknasa apoiados pelos Fatimitas de Kairouan. Considerada como a primeira dinastia marroquina, durante a qual são pela primeira vez delineadas as actuais fronteiras do Reino de Marrocos e estabelecida a sua identidade enquanto Nação Árabe-Berbere, a Dinastia Idrissida descende directamente de Ali, o 4º Califa e marido de Fátima, filha do Profeta Muhammad.

O Al-Andalus mantém a sua independência e o Emirato evolui para Califado, aliando ao poder político do emir o poder espiritual do califa. Os primeiros Reinos de Taifas que se seguiram à queda do Califado prolongam a independência do Al-Andalus, mas os acontecimentos que iriam ocorrer em Marrocos a partir dos finais do século X alterariam esta situação.

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Dunas no Sul de Marrocos

Nos confins do deserto do Sahara, na área hoje ocupada pelo Senegal, Mauritânia e Sul de Marrocos, uma confederação de tribos nómadas islamizadas desde os finais do século IX, lideradas pelos Lamtuna e Sanhadja, começa a organizar-se como confraria religiosa e militar, os Almorávidas (do Árabe Al-Murabitun, ou aqueles que vêm do Ribat ou mosteiro muçulmano) e unificam o território por si ocupado. São liderados por Yahia Ibn Ibrahim, que, de regresso da peregrinação a Meca, faz uma paragem em Kairouan, de onde se faz acompanhar por Abdallah Ibn Yasin, que será o responsável pela difusão do Alcorão e instrução dos partidários Almorávidas. Em meados do século XI conquistam as duas grandes cidades de chegada das rotas das caravanas, Audghost e Sijilmassa, tomando o controlo do comércio do ouro proveniente da África Central.

Abu Bakr Ibn Omar Al-Lamtuni será o primeiro grande chefe militar Almorávida e responsável pela conquista do Alto Atlas marroquino e posteriormente do reino do Gana.

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O Alto Atlas marroquino

A conquista do Alto Atlas ocorre durante a guerra contra os Zenata, cuja capital estava sediada em Aghmat no Vale de Ourika. No seguimento da derrota das duas principais tribos Zenata, os Banu Ifren e os Maghraoua, Omar casa-se com a viúva do seu chefe, uma formosa e poderosa berbere de nome Zainab An-Nafzauiya, conhecida como “a feiticeira”, que teria grande influência não só sobre Omar, como também sobre o seu sucessor Yussuf, com quem se casaria posteriormente. Após a conquista do Atlas, Omar segue para Norte derrotando os Masmuda e daí regressa ao Sahara para combater algumas revoltas que tinham estalado.

Sucede-lhe Yussuf Ibn Tachfin, que criará um império com 3.000 quilómetros de extensão no sentido Norte-Sul, desde o Níger ao Tejo, e estendendo-se para Leste até à cidade de Oran. No ano de 1060 Yussuf Ibn Tachfin funda a cidade de Marraquexe na planície do Haouz, junto ao monte rochoso do Gueliz, que passa a ser a capital do império Almorávida.

Reza a história que ao acampar com o seu exército no local onde a cidade seria fundada, os soldados de Yussuf saciaram a fome com tâmaras que traziam consigo, deitando os caroços para o chão e dando assim origem ao famoso palmeiral de Marraquexe.

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O minarete da Koutoubya de Marraquexe

Tachfin conquista posteriormente o Médio Atlas e os territórios dos Miknasa, a cidade de Fés e o país da confederação Nafza, o Rif, destruindo a cidade de Nakur e o porto de Al-Mazamma. A destruição de Nakur e Al-Mazamma é fundamental para assegurar a primazia de Marraquexe no controlo da rota das caravanas, criando um novo “corredor” para o escoamento das mercadorias para o Mediterrâneo, embarcadas nos portos de Salé, Tânger e Ceuta.

Em 1086 Yussuf Ibn Tachfin recebe em Ceuta um pedido de auxílio de Al-Mu’tamid e dos restantes Reinos de Taifas Andalusas, ameaçados pelas investidas dos cristãos de Afonso VI de Leão e Castela. Os Almorávidas não tinham em grande conta os príncipes Andaluses, que consideravam pouco devotos e mais preocupados com os prazeres terrenos do que com o combate aos cristãos.

Yussuf acede ao seu pedido e prepara-se para atravessar o Estreito de Gibraltar em seu socorro.

Bibliografia:

GIBBON, Edward. “History of the Decline and Fall of the Roman Empire”. Cap LI. (1776–1789). https://ebooks.adelaide.edu.au/g/gibbon/edward/g43d/chapter51.html

TAHIRI, Ahmed. “Rif al-Magrib y Rif al-Andalus”. Fundación El Legado Andalusí. Granada, 2005

Comments

  1. Luís Moreira says:

    Lá vou ter que conhecer o Norte de África, tenho andado fugido daquela zona, mas estes textos estão a despertar a minha curiosidade.muito bons!

  2. ibkamel says:

    nós estamos esperando para o livro Nuraddin.
    é simplesmente fantastico..obrigado fredrico…
    جادك الغيث  اذا الغيث هما … يا زمان العز بالاندلس

  3. ibkamel says:

    O Fredrico..que bom trabalho..por favore quando tenes tempo a nos scriver sobre os cintistas do al-andalus..obrigado

  4. Tiago Bensetil تِيَعْقو بن سطِيل says:

    [comentário em língua aljamia portuguesa]
    Obrigāḋŭ, Fĕrederīcŭ, þēlŭ interessānt’ artīgŭ.
    Ũm abărāçŭ desjde Ṭarābuluš.

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  2. […] na qual pedem auxílio a Yussuf Ibn Tachfin, chefe dos Almorávidas que recentemente tinham unificado Marrocos sob o seu […]

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