Saramago à procura de Deus

Não concordo absolutamente nada com a nota do Vaticano acerca da morte e da obra de Saramago, reduzindo os seus livros a um amontoado de axiomas marxistas-leninistas, de costas voltadas para o Homem e a sua Cruz.  Sendo o que menos importa na vida e obra de Saramago a verdade é que o escritor em dado passo da sua vida colocou em causa o caminho “Marxista-Leninista” do partido de que era e continou a ser militante, sendo o primeiro subscritor de  uma proposta para ser discutida num dos congressos do PCP.

Se há um fio condutor na obra de Saramago e a torna singular é, exactamente, a angústia de procurar que a Humanidade seja mais que a vulgaridade da vida terrena, com o seu cortejo de vaidades, mentiras, ódios e “ter” em vez do “ser”. Se em quase todas as obras essa procura é evidente, e fá-lo nos livros que afronta Deus no sentido de O questionar, de O colocar perante a evidência da obra imperfeira de quem se pretende perfeito, então o “Ensaio sobre cegueira” é uma prova insofismável.

Sabe-se que foi este livro que empurrou Saramago definitivamente para o Nobel. E que encontramos nós nesta obra, tão transcendente, para merecer ser traduzida em tantas línguas e ter chegado a uma grande produção de Hollywood? Todo um povo encontra-se de um momento para o outro cego, sem explicação possível, uma “cegueira branca” que não assusta e não angustia. Só uma mulher foge a esse destino trágico! Porquê a excepção? Porquê uma mulher? Vamos, descobrir ao longo da leitura, que esta mulher é mais que uma simples pessoa é um “SER”capaz de se “dar” aos outros, capaz de os “guiar”, de os manter no limbo da esperança, mostrar-lhes  que o que perderam ( o material, o físico) nada é comparado com o que cada “ser” é capaz de descobrir dentro de si mesmo!

Hoje, no cemitério do Alto de S. João, quando a urna foi definitivamente tragada pelo fogo do crematório, mais do que nunca senti, que Saramago procurou toda a vida uma explicação, ou um final redentor para uma vida que lhe deu mais dúvidas do que certezas, e que não o preenchou, o que o levou à procura, escrevendo.

Uma grande obra literária tem sempre muitas leituras e aí reside grande parte da sua importância, mas que melhor homenagem se pode fazer a Saramago que entender esta sua angústia existencial , transcendental?

Andou o ateu Saramago, afinal, toda a vida à procura de Deus?

Comments

  1. Luis
    Saramago nunca procurou deus nem precisou de procurar. Para ele, presumo pelo que sinto, seria tão ridículo como procurar o euromilhões debaixo dos paralelos da estrada. É um erro grave as pessoas pensarem que um ateu anda à procura de deus.
    Um abraço

    • Luís Moreira says:

      Tu falas ao nivel da pessoa. Eu refiro-me à sua obra. O erro grave é que a minha leitura é tão honesta como a tua e tu queres tirar-lhe valor sem explicares qual é a tua leitura. E que tal uns argumentos?

  2. Só mais uma coisa, Luis.
    Para ser ateu é necessária uma grande vivência filosófica e uma profunda introspecção e liberdade de consciência e segurança, nunca possíveis nem acessíveis à mentalidade de quem vive emparedado dentro de crenças e religiões. Quando se pretende passar a ideia de que um ateu é aquele coitadinho que anda à procura de deus e…não agarra (como diz o meu filho Manel Cruz na canção “capitão romance”), é um erro.

    • Luís Moreira says:

      Isto Adão é que é lastimável. Eu não pretendi passar essa ideia, limitei-me a transmitir uma leitura que me fica da obra de Saramago Como a muitas mais pessoas.Não podes apontar ao que digo o que te não agrada. isso não vale.

  3. Luís Moreira says:

    Não é isso, Adão. Saramago, procurou no Homem ou na Humanidade uma grandeza que não encontrou, isso levou-o a questionar-se. Chama-lhe o que quiseres Deus ou outra coisa qualquer mas é uma realidade da obra de Saramago. É curioso porque ainda hoje (duas horas depois deste poste) Marcelo R Sousa, insinuava o mesmo.Não podes colocar a questão de ser um ateu que vacila na sua convicção, tens que compreender que é uma leitura da sua obra. E não tem nada de lastimável, é , pelo menos da minha parte uma leitura honesta do que leio nele. Tu não podes impedir ninguem, ou lastimares que alguem veja na obra de Saramago, a procura do transcendental. Tu não lês isso nele? Nada tem de lastimável.

  4. Fui pouco claro e peço desculpa. Quando eu disse lastimável, Luis, nem a ti me estava, em consciência, a referir, a ti que nada disseste de lastimável, pelo contrário. Por favor, permite-me que retire a palavta lastimável e a substitua por erro. Queria referir-me ao conceito que a generalidade das pessoas têm, e não podes negar, de que o ateu é um coitadinho infeliz, um desgraçado que não encontra deus. Esse conceito,sim, lastimável. Desculpa uma vez mais.
    A tua opinião e leitura é tão honesta como a minha, claro. Nunca te mostrei outro tipo de pensar.Tu é que sempre me tens chamado radical, e às vezes com alguma fúria, por eu ter opinião bem diferente da tua em muitos casos e eu nunca fiquei chateado contigo. Claro que discordo completamente da opinião de que Saramago, em toda a sua obra, e li-a praticamente toda, tenha andado à procura de algo de transcendental ou sobrenatuaral que lhe pudesse ocupar o vazio de deus. Esta é a minha leitura e o que penso nesta matéria.
    Um abraço

    • Luís Moreira says:

      Não tens que pedir desculpa, sabes que a mim me interessa é o homem de bem que tu és.Eu estava a referir-me à obra não ao homem. Houve muitos postes sobre o Saramago, mas quanto à sua obra, nada. Aquela leitura que faço da obra (ontem vi o filme(ensaio sobre a cegueira) é uma das possíveis.Seria interessante que alguem deixasse aqui outra leitura da obra de Saramago. Ler e interpretá-lo, isso sim é uma homenagem ao grande escritor.

  5. António Soares says:

    …O Vaticano ao emitir esse texto,devia era olhar para dentro,e confessar-se a Saramago…este escrevia,o outro fáz… coisas muito piores!!!

  6. Revejo-me nesta leitura, e concordo em absoluto com a explicação que o Luís apresenta para a interrogação acerca dessa demanda de Saramago.

    «Saramago, procurou no Homem ou na Humanidade uma grandeza que não encontrou, isso levou-o a questionar-se. Chama-lhe o que quiseres Deus ou outra coisa qualquer mas é uma realidade da obra de Saramago.»

    • Luís Moreira says:

      Como dizia alguem no funeral ,acreditar no sonho e acreditar que é possível. Para além do materialismo…

  7. adao cruz says:

    Eu também procuro no homem e na humanidade, em todos os actos da minha vida cívica, profissional e extra-profissional (dita literária e artística, sem qualquer presunção) uma grandeza que gostaria de encontrar na humanidade e não encontro, o que me leva a questionar muita coisa. Nunca, no entanto, como deveras acredito ter acontecido em Saramago, tive a necessidade de antepor qualquer questão visionária, transcendental ou sobrenatural, porque para um ateu consciente e de estruturada convicção filosófica e científica, tal hipótese nunca se põe. Seria tão absurdo, como Einstein ou qualquer cientista meter nas suas equações matemáticas,
    uma constante ou um ceficiente divino.

    • Luís Moreira says:

      Eu não tenho dúvidas que á tua maneira procuras “uma dimensão maior” para a humanidade, daí te dizer vezes sem conta, e convictamente, que és um homem de bem. Agora que na liberdade da escrita de Saramago essa procura é um fio essencial, isso é! Ele não se conformou com a pobreza do “materialismo histórico”. Se leres um poema, que o Loures apresenta no estrolabio, de 1982 de Saramago, verás que, ao contrário do que diz o Vaticano, Saramago evoluiu com a idade, introduzindo na sua obra uma dimensal transcendental.

  8. adao cruz says:

    Luis, eu posso meter-me, com todo o direito na pele de um não ateu. Tu não podes meter-te na pale de um ateu, não podes falar de dentro de um ateu, porque, penso, nunca o foste realmente.

    • Luís Moreira says:

      Eu sou agnóstico. mas eu não me meto na pele de um ateu, faço uma interpretação da obra de um escritor. Há quem lhe chame um “sonho maior”.Agora que Saramago nunca se conformou com “o materialismo” e procurou mais além, disso, há muita gente de acordo.

  9. adao cruz says:

    São tantos os questionamentos que nos colocamos a nós próprios em relação à vida, à sociedade, à história e ao mundo, dentro de uma posição rigorosa e conscientemente ateísta! Mas nunca por nunca, e isto faz a diferença, qualquer ateu tem a necessidade de exprimir a mais pequena angústia metafísica. Pura e simplesmente porque não a tem.

  10. Pedro says:

    Citações de Saramago sobre

    Ateísmo: “Provalvelmente sou um homem bastante religioso. Para se ser ateu como eu sou, deve ser preciso um alto grau de religiosidade.”

    Deus: “Se se considera legítimo, não havendo provas, que se diga que Deus existe, também devo considerar legítimo que se diga que não. (…) Para mim não existe Deus.”

    Cristo: “Acho que é uma figura fascinante, mesmo para mim que não sou crente de nenhuma religião.”

    Citações retiradas da edição especial JL/Visão José Saramago.

    • Luís Moreira says:

      Quando falo com uma pessoa e essa pessoa acredita em Deus, eu acredito em Deus, outra citação de Saramago. A questão meus caros Adão e Pedro, é que quando se fala em Saramago não se fala na sua obra, fala-se na pessoa, no militante. Se vires aqui no Aventar e na maioria dos blogues, falar em Saramago é falar no militante comunista, não no escritor. Todos leram a sua obra mas muito poucos mostram que a conhecem. Na obra passa uma “espiritualidade” evidente, uma procura amarga e sem tréguas, um sonho de grandeza que só pode vir de uma dimensão espiritual que atribui ao Homem. E atrevo-me a dizer-te. espiritualidade que ele tem numa dimensão muito superior à maioria de nós, e que faz da obra dele ser o que é!Universal!

  11. adao cruz says:

    E Saramago era notoriamente um deles, quer pessoalmente quer em tudo o que transparece da sua obra. Não me lembro de encontrar nos seus livros, àparte qualquer figura de estilo, o mais pequeno sentimento de angústia metafísica. Se o encontrares diz-me porque gostaria de saber. Penso que não é uma boa homenagem a Saramago as pessoas colocarem, sequer, esta dúvida. Ponham-na em Roger Martin du Gard, ou muitos outros escritores, mas nunca em Saramago.

    • Luís Moreira says:

      Adão, o que lês tu no “ensaio sobre a cegueira”?

  12. adao cruz says:

    Pedro, tudo o que citas me dá razão

  13. Pedro says:

    Estas são as citações que eu tinha aqui à mão. Haverá outras, certamente.

  14. Pedro says:

    Luís, entre os significados da palavra transcendente existem dois que interessam a esta conversa:

    1-Que excede os limites normais, que transcende a natureza física das coisas.

    2-Diz-se do ser ou princípio divino que, na sua perfeição e poder absolutos está situado além da realidade sensível.

    Ora, penso que Saramago acreditaria e manifestava na sua obra o #1 e parte do #2 (além da realidade sensível), mas sou levado a pensar que recusaria isto: “ser ou princípio divino que, na sua perfeição e poder absolutos…”

    • Luís Moreira says:

      Claro, tens toda a razão, está no um a minha interpretação. Ele via no homem mais que um conjunto de carne e ossos, e nervos Atribuia-lhe uma dimensão para além do materialismo que não combinava com o que via na pobreza da vida do dia a dia. Essa angústia, entre a pobreza do espírito humano e o que ele melhor do que ninguem, “adivinhava” nas suas obras, que íntuia até onde o génio humano podia ir …essa angustia está presente na sua obra.

  15. Pedro says:

    O pensamento e os sentimentos transcendem a natureza física das coisas e acredita-se neles sem ser necessário acreditar em Deus. Quando alguém fala de Deus refere-se à entidade divina em que Saramago não acreditava.

    • Luís Moreira says:

      Chama-lhe o que quiseres, eu tambem não acredito na existência de um deus que pode tudo, mas acredito numa dimensão espiritual, que está para além da matéria, que se reduz ao “ter”. Acho mesmo que esta procura é o que faz mover a humanidade. Saramago, faz dessa procura, um resumo, uma obra de arte com a palavra. Definitiva, como lhe chama Sílvio Castro no estrolabio, que foi amigo dele, professor em Pádua e critico literário.

    • Luís Moreira says:

      Acho que com exclusão dos crentes incapazes de raciocionar nem o clero acredita nessa entidade divina!

  16. adao cruz says:

    Luis, agora estou a trabalhar, não posso continuar esta bela polémica. Mas havemos de falar de “espiritualidade”, que nada tem a ver com deus. Aliás há uma grande confusão nestas coisas, pois a esfera “psíquica” é a mesma quer se seja materialista, no sentido filosófico e científico, quer se acredite na dualidade corpo-espírito. A maior parte dos cientistas não aceitam a dualidade corpo-espírito e amam, choram, pensam, reflectem, sonham e têm sentimentos como toda a gente, menos nobres ou mais nobres. Não há qualquer diferença.

  17. laurinda Freitas says:

    Saramago, não acreditava em Deus, assim como muitas pessoas, por considerarem que se Deus existisse muitas coisas más que afligem o ser humano, não aconteciam.
    Sou crente e temente a Deus, não tenho nenhuma religião, leio todos os dias um bocadinho da Bíblia Sagrada, porque nela se encontra toda a verdade das coisas de Deus.

    O facto de o ser humano ser afligido com problemas, não quer dizer que Deus não esteja com essas pessoas, porque está escrito “no mundo tereis aflições, mas tende bom ânimo, eu venci o mundo” (João 16:33).

    Muitas pessoas ouviram falar de Deus mas não o conhecem, porque é difícil conhecer alguém que nunca viu. Deus não se vê, mas quem o conhece sente-o a invadir a sua alma. Se não fosse essa presença de Deus na minha vida, eu teria posto termo à minha vida, por não suportar tremendas atribulações, porque tenho passado.

    Fico triste, quando verifico, que pessoas de bom coração, não acreditam em Deus, porque correm sérios riscos de perderem a sua salvação.

    • Ricardo Santos Pinto says:

      É, Laurinda. Quando acontece alguma coisa boa, foi graças a Deus. Quando é uma coisa má, é a vida.

  18. laurinda Freitas says:

    Ricardo Santos Pinto; Existe um ditado antigo “a fé move montanhas”, a nossa fé funciona positivamente e negativamente. Muitas pessoas dizem ter fé, mas na realidade têm esperança, porque fé é ter a certeza de coisas que se esperam. É muito difícil termos fé…

    Muitas pessoas conseguem ter fé, e alcançarem coisas grandiosas, e nem acreditam em Deus, e outras acontecem-lhe coisas indesejáveis, e acreditam em Deus. “Sem fé é impossível agradar a Deus (Hebreus 11:6).

    Portanto, nem todas as coisas boas ou más têm a ver com Deus. Eu, só uma vez na vida consegui ter uma fé grandiosa, que originou uma situação impossível ser resolvida no próprio momento, porque se tratava de vida ou morte.

  19. atenção senhores leitores contra e a favor de textos religiosos e não religiosos inspirados por o senhor José Saramago.Este senhor José Saramago era um ser humano com uma inteligência acima do normal,pois pensava ele que tudo sabia,sem nada saber,e porquê?É que a inteligência é humana,e a sabedoria vem de cima.É nestas circuntãncias que Saramago blasfemava o poder do alto porque não possuia a sabedoria.Recordamo-nos para quem crê o que aconteceu com o Rei Salomão filho do Rei David,pedindo para o seu trono a sabedoria.Com esse pedido Deus cedeu-lho.Ele seguiu a sabedoria que Deus lhe dera e tudo conseguiu,mas com a sua inteligência humana acabou por cair nos laços do demónio aponto de ter desobedecido a Deus e passar por aqueles tormentos sendo enguliddo pela terra.Vendo-se atormentado,procurou porque desobedeceu a Deus?Arrependido envocou o seu santo nome a qual conseguiu libertar-se de Satanáz que é pai da mentira,e voltou para o seu reino,mas diminuido por causa do seu pecado.José saramago não trabalhou no terreno para viver o infinito,mas ignorãncia é humana.Não vou considerar o seu espírito num sepulcro bichooso,isso não.Eu estou pedindo a Deus neste momento a sua salvação.Tudo quanto fizer-mos no mundo terrestre,este trabalha nos acompanha para a vida esperitual,isto para quem crê,quem não crê paciencia.

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