As dinastias berberes no despontar de Bortuqal

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O Jebel Moussa, montanha que domina a margem Sul do Estreito de Gibraltar

“Por muito pouco que eu viva saberei devolver aos muçulmanos todas as províncias que lhes tomaram os cristãos durante este período calamitoso. Para combater os nossos inimigos enchê-las-ei de cavaleiros e de peões que ignoram o repouso, que não sabem o que é viver na moleza, que não sonham senão em domar e treinar os seus cavalos, em cuidar das suas armas e em precipitar-se para o combate à primeira ordem.” (COELHO, 1989, pág. 272)

Com estas palavras Yussuf Ibn Tachfin parte de Sevilha acompanhado por Al-Mu’tamid, rei de Sevilha, Al-Mutawakil, rei de Badajoz e Abdallah, rei de Granada, para defrontar as forças de Afonso VI de Castela e Leão, que tinham sido reforçadas com tropas enviadas por Rodrigo Diaz de Vivar, o famoso El-Cid, o campeador, comandadas pelo seu vassalo Alvar Fañez. Os Almorávidas respondiam assim ao pedido de auxílio feito pelos Reinos de Taifas do Al-Andalus reunidos na conferência de Sevilha. Os dois exércitos defrontam-se em 1086 na batalha de Zalaca, nos arredores de Badajoz, na qual as forças do Islão esmagam as dos Cristãos.

Mas Yussuf não tinha vindo ao Andalus para perpetuar os Reinos das Taifas. “Libertar a península dos cristãos tal foi o nosso único fim quando vimos que estavam quase a ser os seus donos e, por outro lado, quanta era a incúria dos príncipes muçulmanos, o seu pouco entusiasmo em fazer a guerra, as suas lutas intestinas e o seu gosto pelos prazeres. Cada um deles não tinha outra preocupação senão esvaziar as suas taças, escutar cantadeiras e divertir-se”. (COELHO, 1989, pág. 272)

Aceitando a fatwa lançada pelos alfaquies da Hispânia, destrona os Reinos das Taifas, elimina os seus chefes, poupando a vida apenas a Al-Mu’tamid, que desterra para Marrocos, e unifica o Al-Andalus no ano de 1091 sob o poder Almorávida, estabelecendo Sevilha como sua capital.

Desde os tempos do Califado de Córdoba que a Hispânia Muçulmana não tinha o seu território governado por uma entidade centralizada. Em 1106 Yussuf intitula-se Amir Al-Mu’minin ou príncipe dos crentes, título que lhe é reconhecido pelo próprio Califa de Bagdade.

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O Império Almorávida na sua máxima extensão por Alexandre Vigo

Durante a primeira metade do século XII as tropas Almorávidas estão permanentemente em actividade na Península, atacando em diversas frentes. Por um lado, este período é muito marcado pela guerra contra os cristãos, tanto os de Castela e Leão, como os de Bortuqal, que competem entre si na conquista dos territórios na posse dos muçulmanos. Por outro, a sua intolerância e o seu fanatismo provocam revoltas na “aristocracia hispano-árabe e nas classes cultas”, sobretudo nas comunidades muladis e moçárabes.

Mas a principal ameaça ao poder Almorávida não está na Península, mas sim no Magrebe e Yussuf parte definitivamente para Marrocos em 1137 quando uma nova dinastia berbere surge, os Almóadas, que põe em causa o poder Almorávida.

A vitória de Ibn Arrik Al-Bortuqali (Afonso Henriques) na batalha de Ourique, na qual o exército de Ali Ibn Yussuf, irmão de Yussuf Ibn Tachfin, sofre pesada derrota, e a revolta de Ahmed Ibn Qasi  e dos muridines que estala em 1144 em Silves, marcam o início do fim Almorávida no Al-Andalus.

No seguimento da batalha de Ourique, Ibn Arrik toma o título de Rei de Bortuqal, que a Santa Sé apenas reconhecerá 40 anos depois.

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O Alto Atlas marroquino

Originários da tribo Masmuda, do Alto Atlas marroquino, os Almóadas (do Árabe Al-Muahidin, ou os unitaristas, no sentido de monoteísmo religioso), têm a sua origem enquanto movimento organizado na mesquita de Tin Mal, situada na região do Tiz’n’Test, junto á actual estrada que liga as cidades de Marraquexe e Taroudant.

O seu fundador, de nome Ibn Tumart, sai de Marrocos ainda novo e após fazer o Hadj, a peregrinação a Meca, estabelece-se em Bagdade. Regressa a Marrocos com 28 anos e em Tin Mal proclama-se Mahdi ou guiado (termo que designa o redentor profetizado do Islão), exortando os muçulmanos a fazerem a jihad ou guerra santa. O seu sucessor, Abd Al-Mumen, derrota os Almorávidas e toma o poder em Marrocos no ano de 1130, conquistando todo o Norte de Africa até Tripoli.

Na Península resistem ainda bolsas Almorávidas que sobrevivem a grande custo, lutando contra as ofensivas dos cristãos e contra uma nova vaga de Reinos de Taifas que se vão instalando.

Ahmed Ibn Qasi, o muridine de Silves vai a Salé pedir ajuda a Abd Al-Mumen, cometendo o mesmo erro que Al-Mu’tamid tinha antes cometido com Yussuf Ibn Tachfin. Os Almóadas invadem a Península, que unificam sob o seu poder. Em 1157 assassinam Ibn Qasi e põem fim à revolta muridine.

Nos meados do século XII Abd Al-Mumen empreende grandes campanhas contra os cristãos, mas a fronteira não ultrapassará mais o vale do Tejo. No Algarve, o movimento muridine resistirá em Tavira por mais alguns anos, sendo a cidade atacada dia e noite por tropas berberes sediadas em Cacela. A revolta seria finalmente esmagada em 1168.

Castelo de Juromenha

O Castelo de Juromenha, “capital” de Geraldo Sem Pavor . autor desconhecido

“O pérfido galego Ibn Arrik (Afonso Henriques), senhor de Coimbra _ o maldito de Deus! _ conhecia bem a valentia do cão Giraldo. O pensamento constante deste era tomar à traição as cidades e os castelos, só com a sua gente: ele tinha os muçulmanos da fronteira sob o terror das suas armas”. (Ibn Sahib As-Salat citado por COELHO, 1989, pág. 304-305)

O ano de 1165 marca o início da actividade de Geraldo Geraldes o “Sem Pavor” no Alentejo. Sediado no castelo de Juromenha com o seu exército privado, vivia á margem da lei e era conhecido pelo terror que infundia às populações muçulmanas. Geraldo era um mercenário que não tinha motivações patrióticas ou religiosas, negociando com Ibn Arrik as praças que tomava aos muçulmanos com o seu bando de malfeitores, e recebendo em sua troca dinheiro ou outras benesses.

Segundo o cronista Árabe Açalá, Geraldo era um moçárabe originário de Santarém que se passou para o lado dos cristãos de Bortuqal. “No mês de Rájebe de 565 foi maior o aperto em que o renegado e maldito Giraldo teve a cidade de Badajoz (…) com a sua gente, formada de moçárabes e moradores de Santarém”. (COELHO, 1989, pág. 307)

Segundo Garcia Domingues, após a conquista falhada de Badajoz por Ibn Arrik, na qual o rei de Bortuqal parte a perna no ferrolho da cidade e retira-se para Coimbra para não mais voltar a combater, Geraldo sente-se abandonado e proclama a independência do seu pequeno reino Alentejano. É derrotado pelos Almóadas e converte-se ao Islão, começando a fazer guerra a Ibn Arrik.

Mas Geraldo é desterrado para Marrocos onde , aliciado pelos de Bortuqal, prepara nova traição contra os muçulmanos, sendo executado. “(…) descobriu-se o seu projecto e foi posto à morte, cortando-lhe a cabeça para acabar com os seus manejos.” (MIRANDA, 1917, obra citada)

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Castelo de Silves

Este período é também célebre pela actividade de Gonçalo Mendes da Maia, o “Lidador”, cognome que ganhou pela sua coragem feitos heróicos. Gonçalo Mendes era natural da cidade da Maia, junto ao Porto, e partilhava com Ibn Arrik o ideal da cavalaria espiritual, sendo um dos seus maiores amigos e companheiros. Segundo reza a história Gonçalo Mendes morreu a combater os muçulmanos no dia em que completava 95 anos.

Em 1189 D. Sancho I de Portugal conquista Silves com ajuda de cruzados do Norte da Europa, cidade que seria reconquistada dois anos depois pelos Muçulmanos.

Nos finais do século XII o poder Almóada ganha um novo fôlego com as campanhas de Abu Yussuf Yaqub Al-Mansur, que volta a colocar a fronteira no vale do Tejo, sendo travado em Tomar pelos Cavaleiros Templários de Gualdim Pais.

O reinado de Almançor fica também marcado pela construção das mesquitas da Giralda em Sevilha, da Kutubia em Marrquexe e pelo início da construção da mesquita Hassan de Rabat.

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Vista de Silves

A batalha de Navas de Tolosa, travada no ano de 1212, na qual os Almóadas são derrotados por uma coligação cristã liderada por Afonso VIII de Castela e que integra os reinos de Leão, Portugal, Navarra e Aragão e as ordens militares de Santiago, Calatrava, Hospitalários e Templários marca o início da desagregação da dominação Almóada no Al-Andalus, abrindo as portas ao último período de Reinos de Taifas.

Em Marrocos o domínio Almóada termina em 1268 com a sua derrota frente a uma nova dinastia emergente, os Merinidas.

Bibliografia:

COELHO, António Borges. “Portugal na Espanha Árabe” . Editorial Caminho. Lisboa, 1989

DOMINGUES, José Garcia. “História Luso-Árabe”. Centro de Estudos Luso-Árabes de Silves. 2010

MIRANDA, Ambrosio Huici. “El Anónimo de Madrid y Copenhague”. Instituto General y Técnico de Valencia, 1917

Comments

  1. ahmed says:

    É lindo Fredrico, não podemos que apreciar.. especialmente que no este teu novo texto há mais detalhes que fazem o texto (certamente importante para o lado de história) como se fosse os contos de 1001 noite. Acho que cada nome no texto merecer um livre
    É um período cheio de matéria para manter- ti continuar escrever.obrigado Frederico

  2. Pedro says:

    Mais uma lição, Frederico. O Ibn Arrik era tramado.

  3. Luís Moreira says:

    Serviço Público,Frederico! É para ler outra vez!

  4. artur says:

    A actividade do Geraldo terá começado antes, em 1162, já na conquista de Beja. É o que sugere o livro mais recente, Geraldo Sem pavor. Um guerreiro de fronteira entre cristãos e muçulmanos, editado pela Fronteira do Caos Editores, do Porto.

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