O famoso homem é meu vizinho. De volta e meia, vejo-o ao sábado de manhã, a caminhar com duas sacadas de jornais. Uma em cada mão. Dirige-se para casa, cheio de informação daqui e de acolá, e disto e daquilo. Antes esteve sentado no pequeno café, frequentado por gente muito formal e vazia de conteúdo. Saúdam-no com reverência, sobretudo elas, com vozes melífluas e gestos curvilíneos. O cabotino sente-se idolatrado. Crê ser génio. Agradece, de ar babado, com sorriso de fingimento, as manifestações bacocas de popularidade.
Tem o peito enfunado de presunções místicas. Intitula-se professor doutor e é apenas licenciado. E assim consegue ser tratado por ‘Senhor Professor’. Tem escasso mérito de cidadania, mas é um mestre do saber viver neste país de abundante acefalia. Consegue atingir e desempenhar cargos tão destacados quanto ecléticos.
Pelo comportamento exibido, uns quantos, dos poucos que ouço, tratam-no por ‘melga’. Outros dizem que é a ‘Papoila Saltitante’, em alusão implícita à preferência clubista. Prefiro este último epíteto. O acasalamento do símbolo da flor campestre e vermelha com a procura de se juntar ao poder – e de bons resultados remuneratórios – dão todo o sentido à alcunha.
Tal ‘Papoila Saltitante’ é o equivalente, em imagens televisivas, a um emplastro de luxo. É, pois, o assimétrico do emplastro anónimo, de olhar e sorrisos esquizofrénicos a mostrar-se nas costas dos repórteres desportivos de TV, como réplica psiquiátrica a Jack Nicholson, em ‘Voando sobre um Ninho de Cucos’.
O ilustre em causa é, sem dúvida, um emplastro de luxo e versátil. Hoje aparece-me como edil, amanhã como apoiante do líder partidário com maior probabilidade de vencer, e depois, confortavelmente sentado, no bate-papo do pontapé na bola, num canteiro decorado de mais duas gerbérias, uma ‘azul e branca’, outra ‘verde e branca’ – duas destas, há tempos, já ficaram sozinhas no canteiro, porque a papoila saltou, sem aviso prévio, para outro jardim televisivo. Lá tiveram que arranjar um narciso vermelho para recompor o canteiro.
Confesso antipatia diante da ‘Papoila Saltitante’ e da tele-flor com quem vive o dia-a-dia. Não porque gente desta afecte directamente a minha vida pessoal. O que é perturbador e suscita a intolerância e antipatia é continuar a constatar que na sociedade portuguesa, ou melhor neste jardim à beira-mar plantado, há décadas que só medra merda desta.
“(…) doutorou-se, entretanto, com uma tese sobre “O Parlamento no Sistema Político Português”.”
A Papoila não é pessoa do meu agrado, mas é doutorado. E, no essencial, absolutamente de acordo.
Gostei da prosa antes de reconhecer a flor. Uma pesquisa e a ajuda do José permitiram-me identificar a espécie botânica, que conheço apenas dos ecrãs. Mas há espécies que não correm perigo de extinção.
Tambem chamadas de trepadeiras…
Tanta coisa para identificar a flora de Sintra?
quem é esse?
eu por acaso, que também sou um simples licenciado, também me considero um professor.
Professor é aquele que dá aulas. Sejam quais for as suas habilitações literárias.
Agora Prof. Doutor será aquele que tem um doutoramento e dá aulas na Univ.
Alguns são apenas assistentes e apelidam-se de Professor. (5Dias)
Enfim, novas hierarquias após o final da nobiliarquias.
Doutor é o médico, o que trata do corpo humano.Professor é quem dá aulas, e depois temos os engenheiros técnicos…
Luís, isso dos doctors é nos EUA…
Bem ou mal, as nossas idiossincrasias novi-nobiliárquicas são o que são.
Aqui o pessoal é licenciado.Mas isto só acaba quando houver tantos que os títulos deixem de impressionar.
José, tive o cuidado de investigar e na biografia da AR consta como ‘advogado’, sem referir licenciamento.
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Fernando_Seara, por sua vez, refere que é licenciado em em Direito e exerce advocacia e foi Professor Auxiliar Convidado da Universidade Internacional.
Nada encontrei sobre o doutoramento e conheço diversos 'professores auxiliares convidados' não doutorados.
Mas se eu estiver errado, farei um 'post' para reconhecer a cátedra.
http://www.infopedia.pt/$fernando-seara
cátedra não é igual a doutoramento.
Aliás, doutoramento não é igual a ser professor universitário.
julgo que a referida papoila foi professor no Iscsp, instituto público da Univ. Técnica de Lisboa.
o melhor mesmo é tratar todos por … “Senhor Dom” e que cada um ponha os seus dons a render
José,
Sim, cátedra não é igual a doutoramento que não é o mesmo que professor universitário. Mas o professor catedrático é, por norma, um doutorado. Tenho uma professora amiga, do corpo docente do ISCSP, e vou tentar saber se o homem é doutourado por aquela instituição.
Aos restantes,
O contraste entre o ‘licenciado’ e ‘o Senhor Professor’ serve apenas para ilustrar a vaidade social da criatura. O que ele quer é ser reconhecido como doutorado. A mim pouco me importa que ele seja uma coisa ou outra. Porém, fazer-se passar falsamente por Doutorado em Direito, nas rodas sociais, é mentira semelhante à daqueles que se fazem passar por falso médico ou falso advogado ou falso outra coisa qualquer – ainda que as consequências do falso médico possam ser graves para a vida de terceiros.
No fundo, a nossa terra vai absorvendo estas espécies socialmente atrevidas que se amanham – e de que maneira! – à custa do erário público. São os “desfertilizantes”, de uma terra já de si pobre.
Ricardo,
Inerpreta no texto ‘professor’ como equivalente a doutorado. Faz uma leitura simbólica e não literal.
Boa prosa, Carlos. Muito bem escrito.
Revejo-me nas suas palavras . Partilho o mesmo pensamento/ sentimento.
Contudo, acrescento que para mim é o Rei dos Pimbas, o Emanuel da politica.
João Santos
Caro João Santos,
Conheço bem a figura e não confundo ‘futebol com política’ ou, se quiser, ‘inchaço com gordura’. Seara e o seu par são das pessoas que têm extraído benefícios do dinheiro público. Que todos pagamos. Agora resido aqui: http://solossemensaio.blogspot.com/ Cptos. Carlos Fonseca