O crescimento das crianças-1ª Parte

Indígena Mapuche, do clã Picunche, os meus anfitrióes, pensamento analisado por mim

DECLARACIÓN PÚBLICA COLEGIO DE ANTROPÓLOGOS

A cincuenta días de iniciada la huelga de hambre de los presos políticos mapuche en diversos centros carcelarios del sur de Chile, es poco lo que cabe agregar a lo ya dicho en pro de las legítimas demandas por ellos planteadas.

El asedio al pueblo mapuche vuelve a poner en evidencia la crueldad e inconsistencia con la que el estado chileno enfrenta a quienes están condenados a vivir una ciudadanía de segunda clase. Privados de los medios para la realización de su cultura son también privados de los derechos básicos para defender su dignidad. La legislación de excepción que se les aplica niega lo que por otro lado se les dice: la igualdad frente al resto de la ciudadanía. Se les trata, en cambio, como enemigos de guerra; se les fuerza a la extranjería no sólo por la discriminación que todos los días recae sobre mujeres y hombres de este pueblo sino también por la acción de fiscales y autoridades que les enjuician como si no fuesen personas en la integralidad de sus derechos. Es responsabilidad del estado, en el marco constitucional y de los convenios internacionales, el manejo democrático de los conflictos sociales y el uso proporcional de las medidas de persecución y represión criminal, respetando el derecho de las personas a un proceso judicial equitativo. Es por ello que el uso de la ley antiterrorista atenta contra el sistema democrático que pretende defender.

El Colegio de Antropólogos de Chile exige a las autoridades del país el mínimo de respeto que se merece la dignidad de las y los habitantes originarios de esta tierra y, al mismo tiempo, la observación de sus obligaciones de garantizar sus derechos en igualdad plena de condiciones con el resto de la ciudadanía.

Debbie E. Guerra Maldonado

Presidenta

Colégio de Antropólogos de Chile A.G

Valdivia, 30 de Agosto de 2010

Este é o motivo que me leva a publicar excertos deste livro, com o objectivo de denunciar as práticas dos Huinca (estrangeiros em Mapudungún) para com o povo Mapuche, com quem viví, no clã Picunche, durante longo tempo para saber as suas ideias e História.

Raúl Iturra, Parede, Portugal.

3 de Setembro de 2010

 Victoria olhava. Olhava e calava. Ouvia. Ouvia e não falava. Era muito pequena para entender. Ai andava o pai com a sua bebedeira. A que trazia quando aparecia em casa. Dinheiro era o que não vinha com ele. Só bebedeira. A Yeyé, como diziam á sua mãe Reneria, congeminava, pensava, procurava o que fazer. Victoria era pequena, mas antes da Victoria, havia outras três crianças mais velhas. Clodomiro Berrios, o pai, guiava, trabalhava no Fundo El Almendro de Pencahue, visitava e ficava na casa da sua outra mulher, a Rebeca. Victoria via tanta actividade e não conseguia entender. Não era para ela entender. Eram coisas de grandes. Ela era pequena. E a mais nova. A Yeyé pensou, optou e fez uma decisão: havia muito estudante de Pencahue fora, dos fundos, que precisavam comer para irem a escola da vila. Muitos, a ficarem na vila, porque não havia transportes. E abriu a casa aos estudantes. A casa colonial, de duas águas, telhas no teto, feitas em barro e palha as paredes, pilares de madeira a assegurar o teto de telhas. Quartos largos e sem luz. Yeyé foi capaz de por camas em vários cantos dos mais largos, e fez pensão. Victoria passou a habituar-se a ter tanta gente em casa. Gostava. Duramente, Reneria, essa Yeyé, ia trabalhando para cozinhar para todos. Victoria ficava ao pé dela, ou da irmã mais velha. E via, ouvia e calava. Foi ficando na sua lembrança, a quantidade de rapaziada que pela casa passava e acarinhava os seus caracóis louros. Em Pencahue, mesmo ao pé do fundo onde Bernardo O’Higgins, Libertador do Chile, tinha sido criado. O fundo Quepo, nome Picunche, clã Mapuche que o seu proprietário, o português José Albano Pereira, tinha guardado. (Eyzaguirre 1983, Villalobos et al. 1974, Bengoa 1988, Lizana 1909, Barros Arana 1884-1902). Pencahue, o villorrio, agora da propriedade dos novos chilenos, assim definidos por O’Higgins em 1829 (Eyzaguirre 1983, Arquivos Paroquiais de Pencahue). Villorrio, berço de Victoria desde 1973, e dos seus ancestrais Picunche, Espanhóis, Irlandeses, Criollos e Mestizos. Todos estes, cálculos que a pequena e os seus irmãos, nem sonhavam poder fazer. Porque não sabiam: eram os filhos da Yeyé e do Clodomiro, esse pai que vivia também com a Rebeca Troncoso, a sua segunda mulher. Como a lei Picunche manda. Como a lei Chilena permite. Como nem pais nem filhos sabem. As pessoas sabiam que os homens viviam com outras mulheres também e tinham irmãos delas. Que eram irmãos amados, como a catequeses manda, como as mulheres dizem. Como Castillo de Pencahue, conta.

Como conta Hermínio de Vilatuxe, na Galiza, de que era neto de um Cura. Historia que faz rir a Pilar, essa mulher que, em pequena, faz já vinte e cinco anos, (Iturra 1979 e 1980) estudava também na catequese, de que os curas não casavam nem tinham filhos. Mas, Hermínio, o seu pai, achava divertido e digno de eu saber. Esse Hermínio que nunca entendeu, em criança dos anos trinta deste século XX, porque é que os vizinhos da Paroquia traziam tanto produto á casa deles, produto que depois saía para a Casa de Lemos e de Alba. Até que em 1930 em frente, já não saiam mais e ficavam em casa do pai, no canastro gigante de seu lugar de Gondoriz. Lugar de parentes casados com parentes. Lugar endogámico, dissemos em Antropologia. Nem entendia porque o seu pai, o avô de Pilar, o tinha deitado fora de casa. Pilar e o seu irmão Pepe, em pequenos, ouviam e calavam: não tinham a quem perguntar porque não sabiam o que perguntar: era o papá, era a Nai Esperanza (mãe em luso galaico), era a pequena casa do agora pastor de ovelhas e capador de animais, era o monte apropriado por Hermínio para construir a pequena casa para Carmen, Olga, Pepe, Pilar, Miguel, a Nai Esperanza e ele próprio. Pilar soube depois, de que o avô José António, era um senhor, filho de senhores; de que o seu pai era um senhor, de que a sua mãe era filha de camponeses a pagarem rendas ao avô paterno dela, o dito José António. Pilar soube isso, quando deixou a música, o marido Alfonso aceitou tomar conta do filho Ezequiel, e andou nos arquivos em procura da sua genealogia. E aí soube que a avô do pai, Doña Jacoba, era filha, neta e bisneta do primo afastado das Casas de Lemos e de Alba, enviado pelo Duque-Conde, a tomar conta das terras da Paroquia de Vilatuxe. Pilar tinha que ver, ouvir e calar, porque nada havia para identificar, comentar e contar. A mamã Esperanza, tinha tido o seu primeiro filho enquanto batia o chão com a enxada, para recolher batatas. E tinha aguentado forte e firme: o trabalho era preciso, a criança estava a mais. Essas coisas dos grandes. Essas, do pai de Esperanza, o avó materno António Dobarro, que estava a ver a filha sem marido e grávida; e do senhor, á espera da sua parte das batatas ou patacas, como os galegos dizem. Pilar acabou por entender, vinte e cinco anos mais tarde. E a não comentar, porque ela, grande também, já sabia como os amores eram. Eram paixão, carinho e afecto depois, objectivos em conjunto sempre. Nos seus seis anos, Pilar não entedia. Não era o seu problema; ou não era um problema para a sua capacidade de entender. Porque o seu problema, era tomar conta do Miguel, esse bebé nascido da teoria do Hermínio Medela seu pai, de que cada cinco anos um filho deve nascer para os pais sempre terem ajuda em casa; o seu problema, era ler e escrever; o seu problema, era ajudar com o rebanho á chegada a casa; o seu problema era fugir das estaladas do irmão Pepe; de trazer agua para a casa; de tomar conta dos coelhos. De brincar com as primas e amigas. De ignorar as irmãs mais velhas, já a saírem de casa para casarem.

Como Anabela em Vila Ruiva, que se o pai permitir, vai um dia casar. Como casam em Portugal, na Beira Alta, bem cedo. Se um namorado quiser aparecer para a hoje professora de ciclo, cuidada pela mão do pai para estudar o seu secundário. Um pai, António Lopes (Reis 1991, Iturra1990, Raposo 1991). Um António Lopes que, um dia, diz á Fernanda Rodrigues, a sua mulher: já não é bom andarmos pela aldeia, a trabalharmos de peões, tu na escola, eu nos campos dos outros. E vão para a Alemanha, entendido o câmbio favorável da moeda. E vão e deixam os filhos com a mãe da mãe, Dona Conceição Vidigueira, essa nova mãe para Anabela e o seu irmão Luís. Essa nova mãe, que ainda entende deles mais do que os pais, emigrantes que não viram crescer o quotidiano dos seus dois filhos, as doenças, as brincadeiras, os ajustes a vida, os estudos da escola, os amigos a crescerem junto a eles. A rede de interacções traçada pelos pequenos. Rede que, até hoje, serve para serem amigos. Anabela e Luís percebem a tristeza da mãe ao ir embora, a distância masculina do pai, para acalmar as suas emoções, as visitas eventuais, de um ou do outro, ou da mãe, se há uma doença mais complexa. Um Luís, hoje Gestor, casado com rapariga de fora; uma Anabela, a atender o café de dia durante anos, porque eram o Luís e o pai á noite, e a estudar enquanto o café estava mais calmo. E a aprender mais tarde, de que o pai não tem pai presente, era um emigrado fugido da família para o estrangeiro, baixo o pretexto de que a emigração dá dinheiro e nunca mais voltou. Como todo Portugal pobre dos anos quarenta e cinquenta e sessenta deste século. Aprendem a trabalhar a terra com as avós, a tomar conta das terras pequenas dos pais ausentes, que ião acrescentando leiras ao seu património alemão de dez anos. Um pai disciplinado em horários de trabalho, em horas de trabalho, em gastos, em investimentos e poupanças. Em interacção com a família e os vizinhos, a guardar distancia com os vizinhos para não dar aço a pedidos de crédito, que arruína, a guardar a amizade para o consumo no pequeno supermercado, e a guardarem algumas aproximações fraternas, para se divertirem, raramente, durante o ano. Anabela observa todo e cala, porque não tem, como Victoria e Pilar, elementos para identificar e separar entre o que é bom e o que é mau. Excepto, o da disciplina do lar, sempre defendido pela avó materna, essa mãe que os criara. Victoria em Pencahue, Pilar em Vilatuxe, Anabela em Vila Ruiva, tem um lar aberto a todos. Mas fechado entre eles, digno, silencioso, a ver, ouvir e calar. Como Hermínio, esse amigo que faz vinte e seis anos antes, me ensinara Vilatuxe enquanto tomávamos conta do gado. Como António Lopes, que me ensinara Vila Ruiva faz 10 anos. Como as lembranças da Yeyé, que Victoria evocara, para eu saber como era o que é. E uma Nai Esperanza, a tomar conta do gado para substituir ao seu homem quando preciso e quando a criançada o permitia. E uma Dona Fernanda, a mexer pela casa toda para manter a vida doméstica e comercial vivas, os homens servidos, as comidas para os hóspedes, feita. Com a rapaziada consanguínea e amiga, ao pé, para aprender a lidar com os assuntos próprios, como tenho dito em outros textos, e como passo a pensar agora.

A- Saber.

Steven Stoer (1991 e 1998), Luiza Cortesão (1995 e 1988), Luís Souta (1997), de entre os meus próximos na pesquisa, ficavam encantados com uma situação de objecto científico como esta. Encantados, porque é uma situação multicultural, à que eu acrescentava, multitemporal. Porque a multicultura, não é apenas a etnia diferente. É também o tempo diferente, as gerações diferentes dentro do mesmo tempo, e, mais ainda, o saber diferente. Victoria, Pilar, Anabela, estão a retirar o seu saber para avaliar, das camadas de ideias que, um dia, ficaram todas coladas. Coladas pela sua sedimentação no tempo, pelo sincretismo que a população teve que organizar, para juntar normativas condutoras do comportamento, provenientes de outras épocas. Bem como, de outros Continentes. E de outras terras do mesmo Continente. E de outras experiências conjunturalmente mutáveis. E de outros costumes, credos e leis. Embora, sintetizadas de forma subsumida, á época actual. Subsumida á Historia, á sua interpretação, á cronologia que vou referir mais em frente, como tempo. Dentro de um conjunto heterogéneo de experiências comportamentais. Onde, como diriam Goody (1986) e Scribner & Cole (1981 e Gough (1981) e Locke (1690), a escrita abafou à oralidade. Uma oralidade que fez os mitos Lévi-Strauss, (1962b, Godelier (1984), Freud (1913), lembrados apenas nos factos da troca reprodutiva, na orientação da afectividade,  nos santos, e nas festas. De facto, para Victoria é normal que um homem tenha muitas mulheres. Um homem sem muitas mulheres, acaba por não ser do género masculino. O papel do homem é coordenar o trabalho reprodutivo, quer do conhecimento tecnológico, quer do trabalho das pessoas, quer ainda, do tempo. Os Picunche, mal se lembram de serem parte da etnia Mapuche. E ficam assim definidos. (Bengoa 1985, Villalobos 1974, Castillo 1996) da terra denominada Chili pelos Quechua. Foram os Quechua, que disseram ao Conquistador Espanhol do Chile, Pedro de Valdivia (1542), de que ia à terra do frio, é dizer, do chili– embora muitas disputas existam sobre o facto (Frias Valenzuela 1986, Eyzaguirre 1963, Bengoa 1985, Villalobos 1974, Silva Pereira 1998, Lizana 1909, e o Historiador local oral de Pencahue, Luis Bravo). Os Picunche, abatidos pelos colonizadores a começos do Século XVI (Arquivos da Igreja de Pencahue), e reduzidos a Doutrinas (Rauquen, Libun, Toconay, Tapihue, Carrizal), tiveram que se comportar como os seus invasores espanhóis e algum português prévio a Tordesilhas. Sitos na Cordilheira de Los Andes, a viverem em extensões entre o que hoje é o Chile e a Argentina, como analiso no capitulo 2 , viviam dos pastoreio das vicuñas, llamas e guanacos, e das lãs desses animais que os Inca ensinaram a cardar e tecer.

O trabalho de todos eles estava dividido entre animais, terra, queimar lenha para a produção do carvão, e outras actividades relacionadas com o tear. Todo grupo precisava de muito trabalho em pessoas (Iturra 1971, Marx 1857, Goody 1976, Polanyi 1944, O’Neill 1987), para dar conta do seu. Um homem é homem, se é capaz de guardar a reprodução de forma conveniente para todos. As Doutrinas, estavam encarregadas de ensinar a ideia da monogamia, que Tomás de Aquino, tinha já defendido em Paris (1267-73). No entanto, é sabido o facto da mistura de povos en base a hierarquias sociais: uma Yndia é para violar, uma escrava, para servir em todo. É surpreendente ver como aparecem escritas as categorias verbais e conceituais novas e antigas de Espanhol, Yndio, Mestiço, Mulato, Escravo, e, finalmente, Chileno, entre os séculos XVII e hoje. Victoria sabia que ter mais irmãos de outras mulheres, era uma normal e legal. O que não era comum, era o não os ter. Ela, sabia e convivia com eles. O que Victoria não sabia, é que Tomás de Aquino tinha razão, quando dizia que a poliginia era injusta para as mulheres: algumas eram amadas, outras iam sentir de que não. Como a Yeyé. Quando, no mesmo ano do matrimónio, o seu pai Clodomiro tem um filho com Rebeca Troncoso. Victoria diz que a Yeyé sofria: o homem era o de ela, e dele estava também grávida! O que Victoria não diz, não entanto, é de que a sua mãe ilibou à Clodomiro para casarem, enquanto Rebeca estava grávida e oficialmente, segunda mulher do seu pai. Victoria o não diz, porque tem uma outra ideia ao pé da ideia factual: todo matrimónio é por amor, monogâmico, heterossexual e eterno. Uma mãe, é uma pessoa para ser amada, respeitada e servida. Se houver outra mulher, esta é uma intrusa que deve ser eliminada, ignorada, temida e aborrecida. Este é o saber de Victoria, enganado ou não. Saber de ideias mitológicas e de factos entendidos conforme for. A sua mãe rouba o noivo da amiga e vizinha Rebeca Troncoso, alastra consigo ao homem a outras terras, tem vários filhos com ele. O roubou para fora de Pencahue. Rebeca ia casar grávida; Yeyé, grávida, rouba ao Clodomiro, Pencahue fora. Ao qual voltam depois de vários meses a dar a luz o primeiro vástago. Persistente na sua ideia de macho, o seu pai Clodomiro vai andando pelo meio de varias senhoras, até que a Yeyé o deita fora de casa e abre a dita pensão. Passava a ser a primeira mulher a fazer a denominada cruz ao marido. Mais tarde, a irmã mais velha de Victoria, Beatriz, faria o mesmo como o seu. E reclama, publicamente, ser ela a primeira mulher a tê-lo feito: o caso da sua mãe era calado, o homem habitava parte do lar, casa da sua propriedade. O marido da irmã Beatriz, tem que escolher e é publicamente afrontado na rua, e deve partir. Com filhos já crescidos. Diferente ao caso do vizinho Castillo, o meu amigo e introdutor a Pencahue rural, que Victoria conhece, mas não menciona. Castillo, sem problemas, tem várias casas e transita entre uma e outra, e as mulheres convivem entre elas, bem como os irmãos, que organizam entre eles, a reciprocidade maussiana (Mauss 1924, Malinowski 1922, Iturra 1971,1977 e 1988) a volta’e mau– é dizer, entreajuda ou devolver a mão. (Stuchlick 1976, Silva Pereira 1998). Facto que se comemora com os almoços dominicais nos túmulos dos defuntos, quer aos domingos, quer às festas. E é nessas actividades, que hoje é guardada a harmonia das pessoas entre elas todas. Victoria sabe que o cemitério, é um lugar de encontro, ao qual ela não vai, para não estar com o pai, caso ele aparecer. A vizinhança de Pencahue, vive a poliginia com calma, uma poliginia heterogeneasexual. É dizer, uma mistura amorosa dos Picunche- e português por Hermínio, ele diz ter tido a arrogância de namorar á loura e esguia vilatuxeana, que lhe ia dando filhos, enquanto ele passeava a cavalo e tinha o prazer de correr por entre as ruas do lugar de Vilatuxe, um dos catorze lugares da Paroquia, à qual dá nome. Pilar vive entre a doutrina e o facto. E talvez saiba também, porque na sua família todo é falado, de que a mãe do Hermínio, a sua avó paterna, com grandes ausência, ou nas suas terras de Carrefeito na vizinha Paroquia de Lebozán, ou nas termas, alhures. Bem como é conhecido que o mal de amores da irmã do seu pai proibida de casar com um vizinho de outro Lugar da Paroquia de Vilatuxe, é por ela curado intimamente com esse vizinho. Intimidade da qual nascem filhos que morrem. A experiência de Pilar, em matérias afectivas que tanto tenho salientado nos meus trabalhos com crianças, está trespassada de exemplos de divisão de seres humanos, pela afectividade reprodutiva. O próprio filho da irmã de Hermínio, é logo deserdado a causa do seu casamento com uma pessoa não aceite pela arrogância de proprietária enfiteuta da avó paterna. A hierarquia social joga, no caso galego, um papel forte dentro da interacção. Os proprietários de terras que eram dadas em enfiteuses (Iturra 1988), não acolhiam aos indivíduos os seus servidores, dentro da família. Não havia conhecimento explícito do parentesco com a Casa de Lemos e da Alba, do qual se falasse na cozinha, ao pé do lume. Havia um mito que percorria á família e que acabava por ser engraçado: ser descendentes de um Padre. Era a contravenção á regra estabelecida, especialmente entre católicos não praticantes, ainda que concorrentes a todo mito possível. Crentes relativizados, gostavam brincar com o facto. Mas, quer Pilar, quer a família, no dia de saberem serem parentes dos Lemos e dos Alba, ficaram em grande alvoroço, que eu presenciara. E brincara: Hermínio, disse eu, tem que trabalhar na mesma, pagar impostos e não imaginar que vai ser recebido pela família ducal. E Hermínio riu. O filho mais novo, gentil, senhor, genro de um galego emigrado em Venezuela e amigo do Embaixador desse País, empregado de uma empresa funerária, um senhor de ver, é quem mais erótica de um homem com homens e mulheres. Victoria identifica para mim, as casas dos homens, onde reúnem a beberem e amar-se entre eles. Eu próprio tive a experiência de ter o meu carro lavado e, em trocas, não foi o dinheiro o pedido, bem como a minha pessoa, o que eu agradeci e declinei. Facto que não fizera o Pároco anterior ao actual, que acabou por ir embora a uma cidade perto, com um primo de Victoria. Local onde trabalham e convivem, em paz e serenidade com a população; se não ficam em Pencahue, é para não terem rivais entre os outros homens e as famílias. Porque os homens Picunche, hoje inquilinos, vivem publicamente com as suas mulheres, e privadamente como os seus homens, como é sabido de outros grupo étnicos locais ( Stuchlick 1976, Simoni-Abbat 1976, Godelier 1982, Herdt,1981,  Foucault 1966, Giddens1991, Junod 1913). É o facto que divide a Victoria e a sua geração, europeizados à antiga, pelas doutrinas do passado Trento (1521) que mandava todos serem católicos. Doutrina pregada na Doutrina pelos Padres Agostinianos e seculares da Cidade de Talca. E os seus filhos, feitos Padres depois, como argumenta o capítulo 2. O entender do saber de Victoria é cimentado pela emoção da morte repentina e a idade nova, da sua mãe Yeyé. Aos 64 anos, em uma terra na qual, normalmente, morresse aos cem ou cento e vinte anos de idade.

O saber de Pilar é também heterogéneo. O próprio comportamento dos seus pais, é diferente do que ensinam na sua galega doutrina cristã, a catequeses, começada no dito Concilio de Trento. Hermínio e Esperanza, os seus pais, casam quando vai nascer outro rebento da paixão. Às cumpridas noites ao pé do fogão todos nos, e com uma Esperanza que só fala e entende o galego, mas contado entre galego, castelhano e português por Hermínio. Ele diz ter tido a arrogância de namorar a loura e esguia vilatuxeana, que lhe ia dando filhos, enquanto ele passeava a cavalo e tinha o prazer de correr por entre as ruas do lugar de Vilatuxe, um dos catorze lugares da Paróquia, à qual dá nome. Pilar viver entre a doutrina e o facto. E talvez saiba também, porque na sua família todo é falado, de que a mãe de Hermínio, a sua avó paterna, tinha grandes períodos de ausência, ou nas terras de Carrefeito da vizinha Paróquia de Lebozán, ou nas termas, alhures. Bem como é conhecido que o mal de amores da filha, irmã do seu pai e proibida de casar com um vizinho de outro Lugar da Paróquia. Amor que é curado por ela na intimidade com o proibido vizinho, intimidade da qual nascem filhos que morrem. A experiência de Pilar e matérias afectivas, que tanto tenho salientado nos meus trabalhos com crianças, está trespassado de exemplos de divisão de seres humanos, pela afectividade reprodutiva que une sempre a dois. O próprio filho da irmã de Hermínio, é logo deserdado a causa do deu casamento com uma pessoa não aceite pela arrogância ideal de proprietária enfiteuta da dita irmã. A hierarquia social joga, no caso galego, um papel forte dentro da interacção. Os proprietários de terras que eram dadas em enfiteuses, não acolhiam aos indivíduos seus servidores, dentro de família. Não havia conhecimento explícito do parentesco com a Casa de Lemos e de Alba, do qual se falasse na cozinha, ao pé do lume. Havia um mito que percorria á família e que acabava por ser engraçado: serem descendentes de um Cura. Era a contravenção as regras estabelecidas, especialmente entre católicos que gostavam dizer não serem praticantes. Ainda que fossem a todos os rituais da Paróquia. Crentes relativizados, gostavam brincar com o facto. A Historia aprendida por eles era complexa: o mundo estava, pelo menos, dividido em dois, os senhores e os trabalhadores que tinham que estrategizar o seu comportamento, manipular a realidade, para poder ser o que eram. Para viver e se reproduzir. Uma casa que tinha o grupo habitual para trabalhar em conjunto, com mais casas a participar, por se terem casado os filhos e formado um lar ao pé do lar paterno. Em terras cedidas pelo casal aos filhos: a Vila Medela, como refiro a eles. O saber estava fechado na língua galega, agora livre e obrigatória para os estudos e habilitações. Esse engano de ter uma língua própria, que acaba por os afastar da língua do poder, o Castelhano, ainda que os documentos oficiais estivesse oficialmente traduzido. Os conceitos, eram eruditos; e a lei, obrigatória. Como vamos ver no Capitulo 4. Como Assier-Andrieu (1987), Handman (1978), Goody (1971), Fortes (1987) e eu próprio (1991), temos estudado, entre outros. Giddens (1991) tem sido, como Bourdieu (1997), o mais claro no que diz respeito as identidades e solidariedade, da mesma forma que Gellner (1992) fala de nacionalidades, de essa identidade que o referido Tony Giddens diz ser a identidade de grupos pequenos dentro de um mesmo povo (1991). È ai que Pilar aprende, ensina ao filho, e não tem asso para transferir o que ela viu, ouviu e calou, e precisa continuar a calar. A infância de hoje, não entende o que os jovens pais, essas crianças que conheci ontem, dizem. Nem querem saber. A autonomia e a individualidade, são parte integral da defesa para a reprodução. As minhas crianças solidárias de ontem, são os adultos concorrentes de hoje, de carro e telemóvel, de perfume e fato, de habilitação universitária ou técnica, sem entender o trabalho do seu adulto. Facto que faz corte na comunicação. Mesmo entre irmãos de anos de diferença. Ou de amigos da mesma geração. Bem difícil é para o pequeno Carlos de ontem, esse grande amigo de Pilar, esse o meu filho emotivo na sua infância, visitar aos seus pais e falar com eles. Como difícil é para o filho mais velho do Herminio, antigo pastor, hoje comerciante e camionista, falar com a sua irmã emigrante, a que mora em Castela. Pilar sabe que só o facto de os pais serem vivos, é o que junta aos irmãos, habituados como estão á cozinha da mamã Esperanza, que a todos sempre nos nos regalara deu o prazer de fazer o melhor comer. Eis o que fica do que Goody(1973)denomina Grupos Domésticos, a panela compartida. Porque o teto partilhado, já não o é, bem como o não é o trabalho da aldeia. O saber está dividido entre os jovens pela música, a pintura, a medicina, as leis, a arquitectura, as ciências do mar. Pilar vive a transição que Victoria começa a ter. Pencahue é o novo sitio a começar outra mudança, Vilatuxe já teve varias, Vila Ruiva anda por essas vias desde meados do Séc. XIX.

   Anabela o sabe. Como o diz no seu texto escrito como Historia de vida Ou estudava, ou ficava no café, a ser empregada do pai. Um pai que aceitou os seus estudos, desde que ficarem perto do sitio onde moram. E assim foi que o investimento foi feito. Investimento que o irmão Luís não teve, e foi preciso para ele trabalhar fora e estudar á noite, para ser Gestor. As crianças de ontem de Vila Ruiva, andam todas pelos estudos mais adiantados do secundário, via estudos superiores. O saber de todos, como Anabela, a pioneira fez, é a de aceitar as regras económicas da União Europeia. O próprio pai assim entendeu, e organizou o clube ou centro de Vila Ruiva, que concorre com a decadente Igreja local nas suas festas. Decadente na reunião, não nos ritos. Os ritos existem, estão aí, com um poder único para os gerir, o poder sacramental, respeitado por todos. Ainda pelos que organizam o centro e as festas locais. Não há circulação de pessoas, se não é feita ritualmente. Por todos. Ainda, pelos que reclamam a inexistência de Divindade. Como diz um vizinho, quer em Vila Ruiva, quer em Pencahue, quer, também, em Vilatuxe: não há cinema aos domingos, e é na Igreja que a gente se vê. È esse o saber de Anabela. O saber que traz a calma para atender as velhas avós em casa, doentes e cansadas. O saber que traz a hierarquia não social, mas a familiar, por cima da social. Porque a social, sabe ela, é assunto individual, assunto próprio, não da família. Ideia não compartida pelas quatro gerações que esta família, como outras, tem já: a longevidade, a higiene, a mudança de trabalho, os hábitos alimentares, o divertimento feito com a mente e não com o corpo, têm definido um saber que cultiva a solidariedade no campo íntimo. Um saber que, aprendido da escola que teve que atender na aldeia (Iturra 1990a, Reis 1991, Raposo 1991, Porto 1991), a fez mudar o seu relacionamento com os seus alunos, lá perto de Viseu. As crianças cresceram do humanismo cristão de Mounier (1939) e de Maritain (1942), para o neo-liberalismo português, importado de Chicago, do saber dos Friedman (1979). Neo-liberalismo do qual todos lucram, sem emigrar, mas a se contratarem em outros sítios ao saberem lidar com os Bancos, a lei, e ao terem habilitações.

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