o crescimento das crianças – Tempo e ciclos (3.ª parte – I)

nativo Mapuche,Chile-Argentina, membro do clã Picunche, Chile

B- Tempo

 

Queira lembrar o leitor, que denomino tempo á cronologia. Esse, que era delineado enquanto expunha saber. E pense o leitor, que talvez Jack Goody (1973,1976), bem como os seus mestres Meyer Fortes (1938 e 1970) e Evans Pritchard (1962), todos eles mestres meus também-, tenham tido razão ao correlacionar o tempo e a estrutura dos grupos sociais, entre os quais, o doméstico. Como debato em outro texto (1991). O tempo é o crescimento da experiência. O tempo é a reprodução do grupo. O tempo é o ganhar saber do indivíduo. O tempo, em fim, é a entrada do indivíduo aos vários sítios sociais. Quer a sua entrada ao saber personalizado, quer ao saber do grupo, aberto como um leque. Cada momento da vida, é entendido de forma diferente, conforme a experiência pragmática que a pessoa desenvolve e incute no seu entendimento. Nas suas ideias, nas suas alianças com os outros, nas suas separações dos outros, nos seus lutos, nas suas novas alianças. Victoria é muito característica. Uma pequena Picunche, no seu tempo de criança subordinada ao lar, que vive as experiências dos seus pais, sem dar por isso. Há já dois irmãos e uma irmã, bem mais velhos do que ela, quando ela aparece na História. Germanos, como em Antropologia denominam aos irmãos. Germanos, que já

tinham um conglomerado de outras pessoas de fora do lar, nas suas relações. Relações que Victoria perturbava, por refrear a dinâmica mais desenvolvida, de esses germanos mais velhos. A sua alternativa é mais interna, mais íntima do lar: os pais, os cantos do mesmo, as fantasia desses cantos, os jogos solitários, a cozinha, esse sítio de trabalho da Yeyé. As saídas com essa mãe Yeyé aos sítios dos adultos, a relação com os adultos, intermediada pela Yeyé. Beatriz é já uma pré adolescente de onze anos, quando a sua irmã Victoria aparece, e os irmãos Maurício e Eduardo, homens de experiência larga de adolescentes desenvolvidos. O grupo pessoal de Victoria, o grupo que a recebe, tem já um pai com filhos além do quadro, e filhos do quadro, como gostaria dizer: do matrimónio, de fora do matrimónio. Em consequência, o irmão do quadro, Maurício, tinha conhecido o silêncio da luta do casal, fora das relações abertas com a vizinhança que ainda os não acolhia, os cuidados preferenciais de uma mãe nova para um filho só, e foi aceitando a entrada dos outros á sua vida. Havia escola, ia a escola, era o pioneiro do livro e do caderno, essa novidade do aprender fora do lar, surpresas habituais para os seus irmãos, habituados pela prática de os ver. Como Victoria, a intelectual do grupo, a Técnica Agrícola de hoje, superiormente habilitada na  vizinha  cidade de Talca, sem surpresa nenhuma com a disciplina de estudar. De conhecer métodos para entender a realidade pragmática. De conhecer experiência de interacção com pares e experiência quotidiana do trabalho de adultos e dos horários de outros. De festas e ritos. Descoberta feita pelos mais velhos que Victoria tinha recebido como uma questão de sui. Entre 1957 e 1997, mediam quarenta anos de acumulação de saber, como denomino em outro texto ( 1990a,    ), esse habitus  de Bourdieu que Madureira Pinto (1985) e Eduarda Cruzeiro (1990), entre outros, têm desenvolvido para nos entender. Acumulação de saber transferido sem que Victoria soubesse: as conversas são uma forma de educação cidadã que a família entrega. Da qual os pais, ocupados com o cálculo e a maximização à laia John Stuart Mill (1844) e o uso da terra como David Ricardo (1817) recomendava, autores dos quais eles nunca ouviram mas que usavam as técnicas de Clodomiro e da Yeyé para teorizar universalmente, conceitos que feitos acção, os mantinham ocupados. E não lhes permitia entender o mundo além das pragmáticas praticas reprodutivas. É um conjunto acumulado de entendimentos comunicados e trocados, mas não partilhados, que caem dentro das ideias de Victoria. Como tinham estado a cair dentro das mãos dos seus irmãos Maurício, Eduardo e Beatriz, ao longo dos anos. Maurício devia ajudar ao pai nos trabalhos rurais, enquanto o pai guiava camiões, trabalho rural ao qual Eduardo devia-se juntar depois. Enquanto Beatriz, aprendia os trabalhos da mãe, para a libertar de Victoria e assim ela tecer á Inca, cozinhar à espanhola, cuidar da horta à inquilina. Como no sitio próximo de Huilquilemu que eu vivi etnograficamente (1972,a) e 1973). Onde Margarida regava a horta e Ventura trabalhava nas terras do patrão, pelos anos sessenta deste século. Victoria, entrava ao ciclo histórico no meio de um tempo com Avô e Avó paternos, bem como com Avó materna solteira com sete filhos crescidos e adultos. Onde um bisavô materno, geria as contas dos proprietários de terras que mais tarde passariam a ser de todos. Victoria nasce dentro da herança do saber da subordinação ao proprietário, pessoa meio divina, dadivoso em bens, com posses como condição para a existência de todos: todos aí trabalhavam, de aí vinham produtos e dinheiro para usufruir da natureza que mantinha activa a existência de todos. Inquilinos por ofício, Picunche por origem, definido o ser Picunche no agir e o trabalho. Assuntos que ficam para o capitulo 3. Só resta entender a heterogeneidade que circula na formação do saber de Victoria. O natural que é para ela perceber o multifacetado comportamento dos seus adultos e pares. Diferente de Beatriz, a sua irmã onze anos mais velha como foi dito, que foi a pequena mãe da pequena irmã. Encargo que prepara à adolescente para o dia de ela própria ser mãe, O tempo acumula saber, o tempo ajuda a seleccionar saber, o tempo permite escolher entre as alternativas que, por vias emotivas, as actividades normais dos outros, e as vidas dos outros, definem a vida da pequena. Não foi nada estranho que Victoria fosse embora à cidade, para ser Técnica Agrícola para aprender em textos e aulas, o que já sabia na experiência: era apenas pôr conceitos no saber. A parte mais difícil. Traduzir à prática, as ideias de cientistas de terras distantes as suas. O grupo social, tratava a Victoria como uma mais de entre eles, porque o saber de Victoria não era entendido nem procurado pelos vizinhos. Nem ela queria reparti-lo, não era necessário: a sua inserção entre os seus era por ter aí nascido, filha de Reineria, essa Yeyé da qual tenho andado a falar neste texto, e desse Clodomiro, repartido entre tanta casa. O seu saber não mudava o seu estatuto social. O mundo ao qual tinha entrado Victoria, era o mundo do trabalho, de circulação dos afectos, da não surpresa entre a doutrina dominante e a prática quotidiana. Os seus colegas tinham o trabalho de conciliar a doutrina oficial do País dominante, e a doutrina não escrita e mal lembrado o motivo, do seu sítio de origem. Victoria, como criança, também, ao qual acrescenta o saber conceptual, que a Brünhilde, essa walkiria de Wagner (1876), dá-lhe armas para cavalgar pela vida. Longe do Wothan, e do Walhala de Pencahue. O tempo, conjuga saberes, se a pessoa se souber distanciar. Emotivamente. Fisicamente. Geograficamente. Como Pilar fez Pilar, a filha de Hermínio de Vilatuxe, estava mais do que farta de tomar conta de cabras e irmãos. Esse papel da Beatriz de Pencahue, que nunca quis deixar e lá foi ficando.

Pilar queria música e, sem conhecer a cidade de Compostela, essa cidade húmida e sem amigos, foi, viveu, lutou, outra Brünhilde, também com a lança e o cavalo das suas ideias, arrumando o Walhala à Wotan, o mito. Os pais não foram. A mãe não entendia, o pai estava ocupado com a sua vida. Eram muitos em casa. E foi a aprender teoria e clarinete, instrumento que tinha estudado na banda de Vilatuxe com Pepe o Xastre Novo. Em Compostela foi ficando por tempos compridos. Uma Pilar como Victoria, nascidas em grupos domésticos rurais, produtores de cereais. O de Victoria, estava estruturado, feito, organizado, e tinha, como defino em 1987 em um texto castelhano, os movimentos da lua: crescente, minguante, cheia, não lua. Ora os irmãos casavam e iam, ora abandonavam mulher e filhos e tornavam ao lar original. O moravam perto. Picunche, duas culturas: uma de larga data com tempo e subsumida a uma estrangeira, outra de cumprida data e com tempo acumulado e continuo de centenas de séculos, a dominar Pilar. Duas culturas sólidas em luta centenária, de dois mil anos de ideias, de monogamia heterossexual estabelecida, de compartir o teto do lar todos os dias. As disputas e as alegrias, os debates e as magoas. Pilar queria uma vida de ela. A sua mãe saiu da sua casa paterna para a casa marital, depois de nascerem dois filhos: a subordinação eterna! Nasce outro, e Pilar, e o pequeno Miguel. E as cabras, essa irmandade sempre a crescer e a ser cuidada por todos, é da sua produção que todos vivem. Há primeiro um Avô José António para cuidar, na sua viuvez e velhice. A mãe de Pilar, toma conta de ele, como mais um filho. Vive fechada em casa e na cozinha; com esse exemplo vai crescendo Pilar, a observar e formar saber de que a mulher é para ficar fechada em casa e cuidar diversas gerações desde que entram em casa, até o dia que vão embora o por casamento ou morte. Fica horrorizada e fala e disputa com o meu velho amigo Hermínio, um pai e marido e filho patriarca e machista, até ir embora a Compostela. O tempo acumulado em Pilar, é da Avô paterna, a fugir sempre de casa e passear. Dos Avôs maternos, a andarem com a família, trás o arado. Os dos vizinhos, parentes e amigos, a terem uma mulher que cozinha, tece, calceta, faz amor, dá filhos. Enquanto os romances de Garcia Marques (1967), de Camilo José Cela (1983), as ideias de Alfonso Rodrigues Castelão (1944) e de Emília Pardo Bazán (1887), entram pela sua cabeça dentro: procura autonomia, independência, saber pessoal e não cultural de grupo. Como se a cidade próxima, Lalin, fosse o sitio onde esses romances são vividos. Organiza uma associação com esse meu filho emotivo do passado, Carlitos Fernández, para desentranhar o passado da aldeia e exibi-lo aos vizinhos. Exposição que fica fora dos sítios dominados pelo tio Amado, irmão da Nai Esperanza, gestor da interacção de amigos e parentes para os trabalhos da cooperativa, de colaboração recíproca, referida por mim faz jamais de três décadas (1977). O saber de Pilar é para manipular e estrategizar o seu comportamento e os dos outros. Foge do patriarcado machista, vai embora. Até ter que voltar pelo cansaço que impõe a cidade e o conservatório e a distancia da família, com todo, amada. Reconhece que é bom estar perto dos pais, conhece ao seu Alfonso, e passa a morar em casa de ele, a seis quilómetros do lar paterno. Lar longínquo, mas com carro, acaba por ser perto. Com o mencionado carro e telefone, amas de combate que dos que Victoria carecia. Carro que permite sair, estar em contacto, ir e voltar várias vezes no mesmo dia, se for preciso. Pode afirmar que é musicóloga, da mesma forma que as suas parente e amigas são comerciantes, medicas, advogadas, técnicas em formação profissional. Em esse Vilatuxe que em vinte e cinco anos muda do carro de bois, para o carro de motor. Das mensagens enviadas de palavra, às mensagens telefonadas. O mundo de Pilar muda, e ela, com ele. Como os seus irmãos, como os seus parentes. Como o do seus pais, que fazem agricultura para se divertirem e entreterem. Com cavalo, à antiga, para manter o seu mundo de sempre, extático. Pilar ia a Escola da Paroquia, Ezequiel o filho, estuda nos Instituo Privado da, hoje em dia, cidade de Lalin, Vila nos anos sessenta. O saber de Pilar, pela sua capacidade de entender, não é o herdado da cultura, é o fabricado por ela. Observou, aprendeu, mudou. Alfonso era um marido galego importado desde a Venezuela, a terra da emigração do seu pai, técnico em electricidade e leitor persistente. Com ideias políticas radicais, diferentes as ideias do sítio de reiteração dos factos acumulados em centenas de anos. Pilar aprende conscientemente o passado da Paroquia, enquanto estudamos a sua genealogia. Essa que vamos ver mais em frente, no capitulo 3. Assim, esta Brünilhde estrategiza o seu comportamento e adequa uma existência calma e artística, aos seus desejos e concepção do mundo. Talvez como manipula Anabela.

    Anabela de Vila Ruiva manipula o tempo ao seu amanho. Deve estar no café para poder colaborar como o pai diz, contrato para estudar fora das horas de trabalho. Essa Anabela que não vive a infância ao pé da mãe, e a segunda infância também com a mãe – avó materna, assim como parte da adolescência. O saber acumulasse em ela de forma de entender de que tem duas casas suas, de que tem um irmão longe, em outro país, com os seus pais na Alemanha. Irmão que volta sem pais para começar a escola em Portugal, ia a ter com os amigos e jogar á bola, mais do que ficar em casa com mulheres, pessoas de segunda categoria na sua pré puberdade. Anabela entende que tem duas famílias distantes, de que há países alem da sua terra, de que esses países dão dinheiro, de que o dinheiro serve para viver mas não da felicidade. A sua racionalidade cria uma diferença entre rapaz e rapariga. Ele é levado, ela fica. Um lar em quarto crescente, pela persistência do pai, que mantinha a mãe, viva e com forças, na gélida Alemanha, cheia de horas trabalho. Anabela vai ouvindo e aprendendo o facto, e sabe que cuidar da casa agora, é dedicar o seu tampo às crianças que ensina, é dedicar o tempo a infância que ela nunca teve como as ideias do modelo central diz: grupo doméstico de tipo etnográfico, conceito que ela entende desde que com nós, antropólogos, tem partilhado a vida nos tempos em que estudamos a sua vida e a de todos aí. Essa ciência que ela ama e queria estudar e o pai não deixa, porque é uma ciência que leva longe e não permite a estabilidade. É como viver de passagem, com a lembrança dos seres amados, sem a sua presença e as suas carícias e atenções. Como se o futuro o grupo seja desfeito pelas trocas de pessoas, comportamento normal em tempos modernos Um pai, no entanto, que, sem lar ele próprio, e com um lar conjuntural ao longo da vida, habituado a cultivar o que for possível fazer. Ia ser antropóloga a Anabela? Para ganhar a vida fora, sempre, sempre? Como o Sr. Doutor Iturra, que vê a s filhas só quando a pesquisa o permite? Anabela junta a informação, negoceia a realidade pragmática repara que os outros são enveredados a saírem às universidades para estudos que, no dia da sua habilitação, rendem dinheiro. Calmamente vai ao Politécnico de Viseu, a sua graduação é de professora. É professora, porque é assim que pode tomar conta de si, enquanto toma conta dos filhos dos outros. Não temos uma Brünhilde em ela, mas sim talvez, uma Elisabeth que espera pelo seu Tanhäuser (1845). Que, de certeza, virá, se com ela não esteve-se já.

C – Ciclos

Estas crianças crescidas, são resultado das estratégias reprodutivas dos seus ancestrais. O seu saber, é manipulado ao contrário do ensinado pelos pais, pelos parentes. O seu saber é levado pela conjuntura dos tempos e das reacções dos seus pares. Eu insisto de que as crianças estão feitas para fugirem deles, das formas mais complexas possíveis. (Iturra 1997c). Em pequenos, da sua vigilância. Em adultos, da sua observação. Em adolescentes, do seu controlo. No tempo das suas vidas em que eles querem entrar sós no mundo. Diz Daniel Sampaio: Vivemos em uma prisão (1998, Caminho)). Prisão da qual estas três jovens sabem escapar de forma inteligente. Como o fazem os seus germanos e pares da sua geração. Quando conheci a estes todos, especialmente estas três raparigas do meu estudo, parecem-me ser o elo de ligação que me permite falar das outras e dos outros: tinha as impressões que reproduziriam o modelo das suas mães. Como os mesmos pais delas. Tive uma pista para entender: Melanie Klein fala (1932 ) da rebeldia das crianças na procura da sua autonomização. Bem é verdade que Klein nunca estudou este tipo de crianças. Boa discípula de Freud, ela dedica o seu tempo ao que ela pensava era o objecto cientifico, a burguesia urbana da Europa do Norte, palavras que têm uma ideia, mas restringe o campo da minha pesquisa: as raparigas ou são indígenas da América Latina, ou moram em frente da África, que colonizam e são influenciadas por eles. Alice Miller é quem universaliza a partir do entendimento de ver pequenada europeia do campo e da cidade, (1983ª e 1983b), com historias de vida que analisa à Devereux (1985). Autores, que permitem retirarem algumas ideias dos ciclos de vida que acompanham o tempo do saber. Victoria e os seus pares Picunche, vivem a tecer, semear, ir a escola, observar aos adultos que estão no meio de uma revolta social que acaba em ditadura. E o silêncio que ela aprende, é como o silêncio dos outros, resultado da desconfiança de ser pessoas desaparecidas. Especialmente, porque ao pé deles, hoje, estava o irmão de mulher do ditador do Chile, feito proprietário das terras da antiga aristocracia espanhola e crioula – é dizer, pessoas nascidas mais tarde, no Reyno do Chile, como diz o Presbítero Historiador crioulo, Alonso de Ovalle (1646) (1969). Proprietário que tinha uma guarda especial, delatora, com fuzis, com espingardas, que não era recebido em casa nenhuma de antigos proprietários. De raros antigos proprietários que ficaram com terra nos anos setenta deste século. Esses, como outros, que não tiveram que sair do Chile: eram os novos proprietários. Famílias, também, que não iam receber Victoria, porque era filha de Inquilinos. A hierarquia sempre existia no social, respeitada pelo grande número de habitantes de Pencahue. Eu próprio fui á casa dos proprietários da maior propriedade de terras do lugar, Rauquen. Fui bem recebido e até a falarmos em inglês, língua não oficial, mas muito natural para pessoas antigas em essa terra. Victoria e a nossa amiga e colaboradora de pesquisa, Técnica Veterinária de Talca, Alejandra Cárcamo, ficaram fora, ignoradas. Pelo qual eu rapidamente eu sai. As experiências de todos eles, é a de ser deitados fora, de tirarem o chapéu, de terem que lutar pela vida dura. Isto é observado por estas crianças e, quando adultos, querem se comportar de forma diferente, ganhar o senhorio próprio dentro de uma sociedade mais igual. È verdade de que as vidas delas, estão acompanhadas de ditaduras. Como a de Espanha, por quarenta anos, como a de Portugal, por quarenta e oito anos, e a mencionada do Chile, que quis chegar aos quarenta anos e elaborou um número indeterminado de leis que perduram para manter o comportamento subordinado à lei militar. Há, porém, os ciclos que eu já dissera em outro texto (1997) correlacionados á molécula natureza que o ser humano é como fisiologia. Há os ciclos que a Historia Social, incute no crescimento de todos eles. Estes três países, estiveram baixo a espingarda, sempre. Victoria, Pilar e Anabela e os seus pares, são resultados das espingardas que os seus pais e ancestrais viveram. Espingardas de quatrocentos anos entre Picunche, de setecentos anos entre galegos, de transições continuadas que vários de nos temos definido no seminário de Paris em Lisboa, com Godelier (1991). Transições sucessivas entre portugueses. Transições como as de Mouzinho da Silveira em Portugal nos 1830; analisado por Míriam Halpern Pereira (1991). Anos 30 do Século XIX, que fez transitar à Espanha total, com a Constituição que Fernando VII teve que assinar em 1812 e que andou a afectar Vilatuxe. Onde ficou um espírito rebelde, que acompanhou aos primeiros sindicatos antienfiteutas, que no País houve. Esse Vilatuxe que correu em 1870 com a guarda da Coroa Eleita. Como soube ao ler os documentos da Paróquia desses tempos por documentos entregues a mim pelos investigadores locais. As famílias rebeldes, ainda lá moram, com a sua memória a influenciar as Pilares locais. Como as rebeldias dos de Pencahue contra os espanhóis e de Vila Ruiva, no seu tempo, contra os franceses de Napoleão. Os ciclos da História, constroem o crescimento, alimentam as estratégias da pequenada, de uma forma que elas nem sabem. Nem os seus pais conhecem. E que poucos cientistas locais, são capazes de ver em elas. Só Sampaio (1998), P.Iturra (1994), Miller (1983b), e eu próprio (1997), na medida que tenho vindo a ser influenciado pelas três historias, na minha unitária vida pessoal e cientifica de observador participante. A criançada cresce a fugir dos pais, como metáfora desconhecida de eles, de fugir das forças invasoras da sua segurança, autonomia e independência. Alias, uma intervenção de essa autonomia e independência, exigida ao comportamento pela lei e os factos económicos, e aprendida como maneira de se comportar, de serem empresas eles próprios. Porque não é emprego o que, com o saber, procuram, isso que os seus adultos pareciam fazer: calcular para optimizar. Formalmente, os seus adultos tiveram que maximizar para ultrapassar a pobreza, analisado por Marx (1857), e retirado dele para eu entender (1988 e 1998), estrategizar a raridade, a escassez. Mas, no seu tempo, esses adultos optimizavam em frente dos que tinham que servir. Esta criançada que cresceu, estrategiza para optimizar para si próprios, com o emprego do risco tomado nas suas mãos, para si. E perante uma geração que não quis acreditar nas suas alternativas procuradas. Muito tiveram que lutar cada um dos três elos cujas vidas ligam para mim, a juventude de hoje. Crianças que observei no passado, manipularem o real herdado que os pais apresentaram. Apresentaram de tal maneira, que eles quase que não acreditavam em si, e tiveram que procurar apoios fora de casa para entender como fazer. Apoios na persistência da sua informação e da sua amizade com pessoas de fora. Não e já só o ciclo natural, que coloca tempo ao saber. Não e já só o ciclo Histórico da sociedade global, que coloca tempo ao saber. É a própria época da pessoa, essa transição vivida enquanto se está a crescer, que coloca o tempo mais determinante ao saber viver. Ao saber conviver. Uma interacção que aparece de forma diferente a vivida pelos seus adultos e que não faz deles adultos em réplica, como já referi em Coimbra faz anos (1987). Estes trabalhos de campo, estas observações, têm me ensinado a ver e entender que o tu calculas que tenho empregado como titulo hipotético, é a observação da experiência do adulto e do ciclo Histórico, que á antiga criança, calha viver na sua vida adulta. Nos, os adultos maduros, é que devemos observar esse cálculo, para encurtar a distancia entre gerações. Para que o debate entre gerações seja frutífero, e os novos pequenos saibam reproduzir estratégias, que os adultos crescidos de hoje, pensam que já resolveram. Cada época histórica, tem uma diferença com a outra. Porque, cada um foi feito pela fisiologia, pelo saber, e pela História en
tendida de maneira diversificada. Como é o diálogo entre Victoria, Rebeca, e Yeyé; entre Pilar, Hermínio e Esperanza; e de Anabela, António, Fernanda e as avós. Do que agora passo a tratar. Com licença do leitor, que melhor me ouvia estas palavras, com um Mozart Kejel 331 (1778), ou um Schubert D 780 (1827). Para continuar o texto. Essa musica que nunca era ouvida nos lares de Victoria, Pilar e Anabela, mas sim por Victoria, Pilar e Anabela. Parte do seu ciclo educativo. Ciclo educativo, que jamais ficava fechado, sem a ternura que a criançada podia ver nos seus adultos. Como Pilar e Anabela, ver esses olhos nos olhos dos seus pais, esses olhos nos olhos que foi Pilar capaz de ver para si em Alfonso, nas idades tenras do namoro. Namoro que, ainda, não tinha um Ezequiel de filho, a se interpor, naturalmente, entre a paixão do um pelo outro: o acordar cedo, a aleitação, as fraldas, o ensino de quais palavras sim e quais não. As criançada, durante o seu tempo de observar, só queriam. Queriam e diziam. Queriam e diziam o quê. E a demanda era pesada e forte, para chamar a atenção do progenitor, aos berros, se for preciso.Entretanto, essa criançada minha, hoje adultos jovens, têm me enternecido profundamente, quando vejo olhar, ouvir e calar, porque ai falam as mãos, o brilho da cara, o abraço doce. Toda essa ternura reprodutiva, que acaba nos Exequieis, ou não, mas que atira os corpos, desejosos de estarem intimamente sós. É quando se sabe que ser homem é de uma maneira, e ser mulher, de outra. Quando o homem seduz, cala, beija, retira-se, anda para trás, possa uma mão no ombro…Em tanto que ela resiste, anda também para trás, levanta a voz, dá um olhar zangado, que, lentamente, passa a um olhar sorridente, de boas vindas, lento e persistente, insistente, profundo. Mais profundo e duradouro, do que o olhar do homem seria jamais capaz de produzir, jamais capaz de lançar, jamais capaz de esboçar. Porque como todos sabemos, a ternura masculina é ternura súbita, repentina, tímida como para se prolongar. Como Hermínio, António e, no seu tempo, Clodomiro faziam á Esperanza, Fernanda e  Yeyé, esses pais de Pilar, Anabela e Victoria. Os três elos que ligam a minha história, que nunca foram capazes de ver os olhos nos olhos dos ancestrais, porque é a intimidade que o produz, que a calada união penetrada dos corpos produz, que o individual escorregar da doçura do centro do peito até as pernas, produz. Até o grito final da ternura. Ouvido nos quartos deles todos. E o gritar do bebe eventual, que faz todos eles quererem fugir de casa no seu dia. Para caírem na casa onde os seus bebes, vão empurrar outros meninos. O ciclo ao longo do tempo, sabe. Sabe entregar a relação íntima entre dois, diferentes ou iguais sociais, diferentes ou iguais genitais, diferentes ou iguais emotivos. O ciclo ensina as crianças, que o desejo é porque se ama. E que o desejo sem amor, mata-se no minuto, e toca correr depois. A vestir. A pegar no cavalo. A fechar a porta do carro. Até nunca mais ver. A criançada a crescer, sabe duas coisas, do ciclo histórico da sua cultura: de que a ternura de amar tem desejo; e de que a ternura de amar, tem magoa. Desejo e magoa vão com as pessoas, quando há um objectivo comum, o reprodutivo: filhos feitos, filhos a alimentar, trabalhar para alimentar os filhos. Hermínio gostava dizer que Esperanza era a bela das belas, que não havia mulher doce como ela era, nem tão ternurenta no ninho dos dois, cama ou palheiro. E, por isso, passava ao galope do seu cavalo ao pé da janela da então rapariga, quando vinha de volta das mulheres públicas da vila, para a ferir. Para transferir a ferida, dizia eu. Isso, comentava Esperanza, que ficava com raiva ao entender que cavalo e cavaleiro, vinham de . Mas, diz Esperanza, era e é tão formoso! E Hermínio, na presença de todos nós, nos seus fortes e lindos novos 70 anos de hoje, bate com a mão nas nádegas da mulher, que ri e lança um olhar coquete ao seu homem. Como António à Fernanda, que sempre responde, deixa-te, pois, e comenta com os olhos sorridentes a sua alegria. É por isso que o Pepe tem uma Mónica, e um Santiago, e uma Natividad, e um Hermínio. E o Miguel e a Karina, um Isaías, esse bebé que nasceu enquanto se escrevem estas páginas. E, Pilar, o seu Ezequiel. E assim. O ciclo do histórico, é feito pela abertura dos pais perante os filhos, pelo brincar afectivamente, enquanto as contas são debatidas. Pelo lembrar dos mais velhos, dos seus namoros de adolescentes. De todos os seus namoros, ternuras e apoios. É o cálculo emotivo, que eles observam, entendem, fazem. O cálculo que observam para saber como se faz no tempo.

Sem duvida que existe um largo tipo de antropólogos, que se têm preocupado com a questão. Mas, tem sido especialmente no campo das análises feitas em trabalhos de campo com adultos. Porque todo antropólogo está preocupado com esse mundo dos adultos, que é o mundo das decisões, no seu ver. Meyer Fortes, ao estudar os Tallensi (1938 e 1987), na Ghana, dedica grande parte do seu tempo á relação do adulto com a criança, em quanto estuda ao adulto. Semelhante estudo tem sido feito por Jack Goody (1977), que no seu mito do Bagre, vê a criança integrada entre esse número de adultos com o qual ele se relaciona. Malinowski (1922), só In passim, é que vê o comportamento dos pequenos. Fama tem tido Margareth Mead, na sua larga obra, de se preocupar da análise de raparigas da Samoa (1928) Um estudo directo e pormenorizado, é o feito por Peter e Yona Opie (1979) nos seus livros. Na obra portuguesa, um numero de nos, tem tentado compreender a análise do que eu denomino Epistemologia da criança, e cuja bibliografia vou expor em anexo. No entanto, mesmo os debates com Pierre Bourdieu e equipa, ao longo dos anos em Paris, não foram bem sucedidos, para estudarmos as crianças que assistem às instituições que eles estudam. Vou tentar agora centrar a base da criança total.