
Mapuche e o clã Picunche marcham em protesto da perseguição Huinca
O que é uma criança? É todo ser que cresce entre o nascimento e a puberdade Já estava definida e, outros textos meus, com as citações que academia manda um intelectual fazer. Quer no meu O saber das crianças (1996), quer no meu Imaginário das crianças (1997), tive especial cuidado de dedicar ideias para delimitar o campo da pesquisa. Que tinha já sido definido no meu A construção social do insucesso escolar (1990b), esse esgotado livro que é muito procurado. Como em outros textos. Gostava acrescentar á minha tradicional definição, de que todo ser humano é criança em certos aspectos das suas relações, em quanto é adulto em outras. E ao contrario. Porque há campos do comportamento que sabemos, e campos da interacção no qual estamos menos desenvolvidos. Percebe-se de que um adulto é um ser crescido em corpo e em idade, capaz de reproduzir. E com as suas emoções bem definidas e detalhadas e
orientadas. E com as suas opções entre alternativas, bem informadas. E com o seu comando sobre si próprio e o mundo da interacção, bem serenamente autoritário, firme. Com os processos reprodutivos amadurecidos e dominados. E com a serenidade de ter definido os seus objectivos na vida. Medos, tristezas, fobias, não são com o adulto. Com o adulto, é a definição traçada do seu deambular pela vida, como uma racionalidade a orientar as suas emoções. É de pensamentos e sentimentos que o ser humano está constituído. O adulto é a pessoa que não tem dúvidas, embora tenha hesitações. Sabe as várias formas de enfrentar a vida. Como um deles costumava dizer, quando há um problema, é para ser resolvido. E, no entanto, ficam os vinte e um mil detalhes em que um adulto não consegue um comportamento socialmente definido como sério, sábio, orientador. Há os vinte e um mil detalhes, onde o adulto tem medo, tem insegurança, tem por objectivo o que a sociedade define e não o seu próprio pensamento pensa. Sem querer entrar nos detalhes do famoso livro A cultura e os seus descontentamentos (1930) nem nos detalhes do outro famoso livro Totem e tabu (1913), ambas obras geniais de um génio, Sigmund Freud. Argumenta que, pela vida quotidiana, podemos perceber de que há factos de que muito mal nos fazem. Esse mal, como o bem-estar, muda no transcorrer da existência, nos ciclos de vida. O próprio discípulo querido de Freud, Karl Jung, era denominado pai por Freud quando desmaiava ou deprimia. Como conta Didier Anzier (1959), das afectividades infantis do Freud adulto. O como Beethoven não podia amar uma mulher, como diz o analista da sua vida, o psiquiatra Maynard Solomon (1977, Zahar Editores) e inventa uma amada imortal retirada de Schiller, da sua Oda à alegria (1785). Ou Durkheim, que falece ainda novo, na maturidade do seu pensamento, por causa do ostracismo que em vida faz-lhe a sua própria pátria e pela tristeza de morte em guerra, do seu único filho, o herdeiro esperado do seu pensamento, André. Detalhes dos famosos que não conhecemos, porque convertemos a eles em heróis mitológicos. Nós, os não heróis, mal sabemos tomar conta de nós, sós. É-nos difícil o silêncio e a meditação, o sentir e pensar antes de fazer. O ficar isolados se nos separarmos das pessoas amadas, com a incapacidade de recriar um fortalecido eu, que for suficiente para trocar depois, ou com o nosso prazer, ou aceitar as distâncias que impõem sobre nós as pessoas da nossa intimidade. A zanga e a zaragata, quando nem todo anda como planeado por nos, ou desejado por nos. Não são só os países latinos que fazem barulho nos desencontros. Isso é etnocentrismo que sobre nos, foi lançado. E a persistência da construção de uma relação duradoura, continuada, dentro do contexto do ser de quem amamos e nos ama, falta em nos. Como falta em nos a calma para a correcção disciplinar dos mais novos, que esperam do adulto um saber agir sempre igual e sereno na resposta, na orientação. Uma falta de mimo procurado pelo homem na mulher, como se toda mulher for mãe. E uma falta de igualdade com essa mulher, à quem cultural e doutrinalmente, pensamos como um ser inferior. Em trocas, a mulher pensa como inferior a ela ao homem que alimenta. Na nossa cultura e em outras, o comportamento do homem adulto não pode ser doce nem meigo, deve ser corajoso e autoritário. Pensamos que o nosso agir masculino, advêm da capacidade de substituir aos outros em obras, trabalho, autoridade sobre crianças e mulheres. A nossa cultura define assim o comportamento do adulto com a criança, substituir e não dar armas para os mais novos a seu amanho. Semelhante ao comportamento da mulher com o homem, controlado pela sua não satisfação da libido, comportamento fálico que encurrala ao macho: oferece um comportamento maternal, protector. Assim, a igualdade dos sexos não tem sido possível até hoje. Não só na Historia, bem como na mitologia que orienta o nosso pensar. O mito central, é Maria, que comanda no filho da divindade e fica de exemplo para milhões de pessoas no mundo. E o comportamento de procura de ajuda aos santos, boa parte da qual são mulheres, ou homens que souberam rejeitar às mulheres, como analiso em um texto (1996). A ansiedade que nos domina, a necessidade do tabaco como dependência, do álcool como dependência, dos calmantes como dependência, da fugida como defeca. A procura da pessoa que fique sempre com nos para não falar nos com nos próprios. A falta de cortesia no tratamento entre pessoas. Ou o formalismo ditatorial. Em fim, um conjunto de comportamentos que revelam a infantilidade do mesmo. O caciquismo do mesmo, a patriarcalidade do mesmo. Ainda como acontece nos povos matriarcas, onde a descendência é patrilinear. Radcliffe-Brown bem o analisou (1950), embora nunca saibamos se são dados ou interpretação etnocêntrica dos mesmos. Como Anthony Giddens o tinha definido para hoje (1972). Quando um ser humano entra dentro de estas contradições, é porque deixou de ser criança e passou a ser adulto. A criança é sempre protegida pelo adulto, e essa criança procura essa protecção, porque não conhece a vida, e pergunta e quer saber respostas. Respostas de como é que se faz, de que é o que faz, não são o esperado pelos adultos, de qual é a ordem rígida da interacção, das coisas no seu sítio, dos horários a serem cumpridos, do comportamento erudito a ser exibido, do saber o trabalho, ou a técnica, de ser polido, é o que se demanda ao mais novo. O comportamento adulto e infantil têm o mesmo padrão: o mais pequeno precisa do mais grandão, para se orientar entre os afazeres. Enquanto o mais grandão, precisa de um pequeno para dizer o que fazer, para ser adulto. E, com licença do leitor, hoje em dia, quando há menos pequenos, eles são substituídos por varias formas alternativas de relação que possa dominar, como fazer crianças a idade de ser avó o homem, por se apoderar dos filhos e das filhas a mulher na separação e/ou divorcio. Pelo adultério, pela amizade persistente, pela bissexualidade que nas nossas mentes está. Porque, embora há duas culturas em toda cultura, de conhecimento autónomo, cada uma é dependente da outra, faz parte da outra. Com as afinidades individuais, com as rejeições individuais. Não é a minha intenção explicitar um modelo ideal de comportamento. A minha intenção é traçar as linhas do que parece ser, na realidade, a proximidade dos seres de diversa cronologia, tempo e saber. Onde um não entendo, é a frase comum dos mais novos; um não entendes, cala, a dos mais grandalhões. A grande diferença está em que o pequeno é espontâneo, e o adulto se refugia trás o estatuto. Porque sabe que é de esse estatuto que será respeitado. Deixe o estatuto, e será um Dom Ninguém, um Zé Povinho em Portugal, um Roto Descosido no Chile, um Don Naiden, na Galiza. Estatutos dos quais se quer fugir. As crianças crescem quando começam a reparar qual deve ser o comportamento social. A roupa adequada. O uso adequado do corpo, como Vale de Almeida tem tratado (1996). Como Giddens tem tratado (1984). Queira o leitor aliviar esta parte do texto, com uma historia pequena, da Historia da minha vida pessoal e científica. Era uma pequena que fazia 15 anos, e que teve por presente o seu primeiro abrigo de pele de camelo e as suas primeiras meias cumpridas de seda e os seus primeiros sapatos de saltos altos e o seu primeiro penteado de cabeleireira. E licença para ir ao cinema, bem chaperonada por um rapaz maior. E era todo gesto estudados, novos, a condizer com a sua roupa e idade. Palavras sábias, calmas, movimentos lentos, andar com um pé em frente do outro, lentamente, a ver o melhor filme musical da sua vida. Porque o chaperón não tinha licença para conduzir e ela não tinha idade, o passeio foi de transporte público, em um dia de intensa chuva, ignorada dentro do perfume e das festas do dia. E, toda romântica pelos sentimentos acordad
os pelo filme, e pouco habituada aos saltos altos, ao descer do transporte escorrega e cai dentro de um riacho que pela rua, passava. E fica a cabeleireira com o trabalho desfeito, a pele de camelo abatida, os saltos altos por baixo do transporte, e um não saber se rir ou chorar. E perante as espontâneas gargalhadas do chaperón, ela riu, e riu, e riu, até chorar de rir. A passagem ao estilo Van Gennep (1909) de menina a adulta, tinha virado ao comportamento natural do quotidiano infantil que ainda vivia. E foi, lembro-me bem, o melhor dia da festa que por anos vi. Essa é a oscilação entre adulto e criança. Que em adulto, passa a ser uma lembrança simpática e divertida, enquanto em criança, um pesadelo regado em lágrimas. A vida adulta é a construção do comportamento social e pessoal dos mitos do saber do tempo cíclico, que um dia foram agir real, e que passam a dizer o que fazer. Como quando dois adultos não se entendem, não gostam um do outro e os comentários são sarcásticos, irónicos, de desencontros, Como as crianças fazem. Só que não dizem o teu pai bate no meu, simplesmente dizem a tua teoria e má e não é o que dizes. Mas no corredor, nunca em frente. Em frente, passa se sem cumprimentar, ou com um cumprimento de circunstancias, formal.
Ou com uma zanga directa, na cara do outro. Como essa que tive a oportunidade de observar, enquanto preparava Vilatuxe na Inglaterra de 1973. Era o seminário da sesta feira, famoso por anos. Presidia Jack Goody e atendíamos vários, entre os quais Meyer Fortes, Allan Macfarlane, Caroline Humphreys, Steven Hugh-Jones. Falava Sir Julian Pitt-Rivers. Sobre Malinowski. Sir Edmund Leach quis chegar tarde, ainda que era o Decano da Faculdade do Rei, sitio onde sempre tínhamos o seminário de debate semanal. Entrou com o barulho no corpo e espalhou o barulho pela sala, enquanto sentava de costas á mesa. Quando Pitt Rivers menciona que tinha sido o mais novo e último discípulo de Malinowski, essa glória que reconhecida do prestígio, Leach virou-se, bateu na mesa, disse que não era verdade e acrescentou que o texto todo não era verdade. Os mais novos calam assustados. A sabedoria de Meyer Fortes calmou aos contingentes. Até Jack Goody fugiu, saiu, não quis ficar. Porque enquanto o adulto é útil ao outro, há sorrisos, visitas, passeios. Porque ainda não há crescimento no outro, e o outro pensa que é ignorando o sénior, que se faz adulto. Quando já o não o é, distancia, maledicência, não convites, esquecimentos, um dia de estes, tem que ser, de certeza. O confronto. Os factos e as frases que a nada conduzem. Mas, mantêm o entendimento estrutural. A criançada é útil, enquanto tem o que interessa ao outro o que o outro tem. Como digo no meu nunca reeditado livro tão procurado sobre a memória social, A construção social do insucesso. Só que entre crianças, este desentendimento é conjuntural. A criança orienta o comportamento do adulto (Iturra1996-1997), mas não tem poder na vida social, como o adulto tem. A criança tem poder conjuntural sobre os seus pares, enquanto saiba o que o outro não sabe e pode ajudar. Como traduzir Hamlet de Shakespeare (1660-1663) a uma turma inteira, que do autor e a sua língua, nada sabe. Como possuir os brinquedos a moda ou ter livros a mais. Livros que interessa para estudar, aprender, saber. Ou saber lidar com aparelhos materiais que nos não sabemos. Estas oscilações são as do adulto – criança ou a do criança-feita-adulto. Parece um pessimismo meu da vida social, mas eu diria apenas que é a base da interacção recíproca. È tão claro no relato da troca que Malinowski faz dos ilhéus da Kiriwina, o kula: eu dou a quem tem a fama de devolver, de restituir. Tão bem explicitada pelo citado Mauss (1922) e usada em 1938 por Meyer Fortes para entender a relação entre grandes e pequenos. E por Jack Goody em 1973. Por Gomes da Silva em 1993. E, permita me o leitor, me agarrar ao estatuto por mim acreditado, para dizer que também uso a análise da reciprocidade, análise que percorre os meus textos. Porque a reciprocidade, fundamental no crescimento das crianças, está baseada na desigualdade de bens. Adam Smith teve razão na sua definição de trabalho (1776): há a inclinação natural a trabalhar para fabricar todo o que eu posso e sei, mas para trocar por todo o que preciso e nem posso fazer nem sei. O crescimento da criança, passa pela aprendizagem universal da troca recíproca, sempre negociada antes. Como do texto se pode apreciar. Se de esta troca nasce uma afectividade, essa troca passa a ser a das emoções, a dos corpos. Quer para fazerem mais corpos, quer para estarem com o corpo e os sentimentos em paz, se houver compreensão de um pelo que o outro faz e quer fazer. E acompanha. É aí onde têm chegado as minhas crianças de ontem, hoje adultos que eu observo e sorrio de ver como são o que não eram. Como a lembrança da memória social é um mito do real vivido e transformado, enquanto cresce, pelo social, local e doméstico. Como vamos ver a seguir. Mas, a lembrar de que, no começo desta secção, disse que há uma heterogeneidade na interacção adulto-infância, de várias entradas simultâneas e desiguais no tempo e na relação, que depende do assunto que as pessoas estejam a tratar. É verdade que nenhum adulto foi habituado a tomar conta de crianças. Só viu, não aprendeu de forma experimental. Só a sofreu. Só a viveu. Porque ainda se acredita na nossa cultura, de que a relação é natural, espontânea e óbvia. O que já sabemos, é menos assim enquanto mais novos, os novos são autónomos. Eis a luta para a subordinação: não há adulto que queira largar a criança. A criança, acompanha. E, enquanto pequeno, faz pensar que somos muito novos ainda. Porque na nossa cultura, como na Picunche, como a de ontem e hoje, o objectivo reprodutivo e educador do lar, é um credo que não se pode negar sem o risco de sermos pensados irresponsáveis. A pater-mater-nidade, é a obrigação e o direito absoluto dos procriadores, saibam faze-lo ou não. Rousseau (1762) tinha um modelo. Piaget (1977), inaugurou outro. As reformas educativas, vão experimentando conforme os seus ideais políticos. As Encíclicas dos Papas, definem. As ideais da mãe da mãe ou da amiga da mesma geração, apoiam. Entre homens, depende: enquanto mais adulta a criança, menos se fala de elas aos parceiros amigos. E enquanto mais pequenas, só se pode contar as gracinhas, porque é de mulheres tratar da descendência. Como foi o caso de Victoria, Pilar e Anabela, que por mulheres foram criadas e tratadas. Em ciclos diferentes da vida e em sítios diferentes e em conjunturas diferentes, da mesma cronologia. Como largamente temos visto ao longo do texto, troço lá, troço cá. O leitor opine. Porque as crianças que crescem, não opinam sobre quem é que as faz crescer, quem é quem as faz crescer, como é que as fazem cresce. Beatriz Ramos, mencionada por mim em este como em outros textos, apareceu em Vilatuxe com os seus seis anos. A ser criada pelos tios Ramos, Pepe e Celso. Pepe e a sua mulher Helena tinham dois filhos, que seriam melhor companhia para a órfã Beatriz, do que Celso e a sua mulher Amparo, seriam. Porque Amparo, filha de casa nobre e sem filhos, nada sabia já aos sessenta anos, de ser mãe, só sabia era ser filha. Helena e Pepe, treinados no nascimento e criança de Manuel e António, bem podiam acrescentar a filha do irmão á casa de eles. E Beatriz repartia, como os seus primos, o tempo entre escola e atender o café. Diz ela hoje, 25 anos depois, de que o trabalho no café foi uma boa adaptação ao novo lar e a perca da mãe. Porque o pai só, não podia cria-la. E aos domingos, servia no café, limpava a loiça, brincava na novidade do trabalho. E aí levava as suas amigas a ver o que em mais nenhum outro sitio havia, a televisão e a serie para nenés. E todos os nenés assistiam, era uma festa. A pequena casa na pradaria, era o título, visto já antes na Inglaterra. Uma serie que fazia sonhar a Beatriz, a Bertita, a Pedro, a amiga estrangeira do grupo que entendia porque conhecia a serie, não porque soubesse palavra em Castelhano, como em esse tempo era. Beatriz foi crescendo ao pé dos tios e dos vizinhos. Ficou esplêndida amiga de Pilar e dos primos dela. Os filhos de António O Ferreiriño, vizinho do lugar onde Beatriz morava, esse que a mãe tinha lançado fora de Gondoriz Pequeno, esses filhos ficaram esplêndidos amigos de Beatriz. Helena ensinou a Beatriz ser mãe, ser adolescente, ser menina. E a distância que ela pensava devia-se guardar com os pequenos. A mãe que Beatriz não tinha, a prática fez da tia, mãe. Como Bertita e Pedrito, sobrinhos de Aurora sem filhos e Pepe O Xastre seu marido. A unidade de experiência os juntou. E com a menina pequena do estrangeiro, que não tinha língua, era órfã de terra e símbolos. Como eles eram. Porque um órfão, é quem não tem os elementos de comunicação sem palavras, das canções sem palavras. Não as de Mendelssohn (1842) mas as da mãe. Porque a pequena estrangeira tinha uma mãe com ela, que não falava nenhuma das línguas aí em uso. Nem a que a filha praticava com o pai. E a conjuntura os junta, ainda que a Historia depois os separe. Anabela era essa órfã também, ladeada de outras semelhantes, como Victoria passou a ser. A falta de emotiv
idade materna, acaba por criar uma independência para as opções que antigamente eram tomadas com a mãe que dava o peito e o leite. A presença de uma mulher que toma conta, é a presença de uma nana. Como é por todos conhecido. É sabido nos três sítios, de que a mãe é insubstituível e é por isso que a sua morte causa dor. Uma dor calada talvez, mas dor que fica e faz delas mães dedicadas no dia que o forem. Como Beatriz já o é nos seus trinta e quatro anos, de dois pequenos, Araceli nascido em 1989, e César, em 1995. Dois pequenos que teve do seu matrimónio com o seu vizinho e companheiro de jogos José Gregório Montoto, hoje nos seus 32 e dois anos, bom cozinheiro e bom pai. Se Beatriz foi orientada pelo café e os seus tios para os estudos, ao mesmo tempo foi orientada para os negócios pela experiência de tratar do café, preços, trocos, docemente dizer que não com firmeza aos que muito tinham bebido, e fechar a horas. Disciplina que aplica no seu matrimónio com o filho do filho deserdado da mãe dos Montoto Medela, Marcelina Medela. Uma mulher que mandava, porque vivia no seu, as terras que o pai José António Medela, lhe deixara (ver genealogia). Uma mulher que mandava, como mandam no seu as mulheres da Galiza. O que tenho visto e ouvido e calado. Mandava ate o ponto de que Jesus o seu marido, emigrava, mal podia, para Andorra, como relato em outro texto (1977). Dissera-me Jesus que emigrava, para poder fugir da mulher. Como talvez fez José António também, o pai de Marcelina e Hermínio. Isto, que saiba Beatriz, a proprietária, que também manda e dedica o seu tempo a gerir e a decoração e cuidado dos filhos, com uma nana, a tia velha solteira. É com doçura que Beatriz diz a José Gregório o que fazer, mas diz. E o comerciante informático, passa a ocupar o seu saber em máquinas de jogo que tem distribuídas pelos cafés locais das cidades de Lalin e de Silleda. Máquinas que permitem ganhar o dinheiro necessário para investir no trabalho das terras que calharam a Beatriz. A herança galega permite dar boa parte dos bens a só um filho, o que tem sido o caso em casas nas quais não há relações satisfatórias entre as pessoas. E Beatriz, filha única do pai Ramos e a mais velha dos primos Ramos, herda as terras do pai e partes das do avô, cujo filho Celso tinha deixado a ela para compensar a sua não criação. Os pequenos são criados entre os trabalhos, as economias e os cálculos para trocar as relações umas pelas outras. António Montoto, esse sogro de Beatriz, tinha engravidado a uma mulher, com a qual casa a desgosto da sua mãe Marcelina. Que, entretanto, estava a ver a sua filha Carmen fazer filhos do homem interdito para casar. E, com a desculpa de um assunto, trata do outro. António, sogro de Beatriz, acaba por ficar com as terras que o seu avô de Carrefeito deixa para ela, como herança. Terras que herda à morte da avó, já casado e pai. Razão pela qual compra e trabalha o tractor que serve para a união do grupo, mencionado antes, e muito analisado por mim (1977, 1979 e 1988). Grupo que não existe. Porque as crianças da antiga pequenada, leva-os, em adultos, a ciclos do seu crescimento, que os faz mudar de actividades e de orientação. Este sogro de Beatriz, de tractorista passa a ser motorista dos autocarros da Escola local e proprietário de um café que abre em casa, quando os filhos precisam apoio pessoal e financeiro. É o que a criança das crianças obriga a fazer, a aproveitar cada canto do que se tem, caso um dia venha a faltar. Especialmente para famílias como Medela, Montoto Medela Pichel, Fernández Santomé, outros dos meus antigos vizinhos. Porque o crescimento das crianças mostra a estes pais, ainda novos e de ar mais jovem do que tinham na época que casaram, de que estão a viver um grande risco. São claramente testemunhas da necessidade de todos, reparam que devem trabalhar em vários para ganhar dinheiro que pague os gastos de uma família tão grande e necessitada de numerário. Como acontece com Victoria e a sua família, embora seja o Picunche um grupo que fica nas antípodas e muito insular e isolado, Chile e a Cordilheira de Los Andes. Anabela também é testemunha do que a família tem feito e que já não precisa. Ela própria é uma criança que resulta de emigração dos seus pais. Mas sabe que dentro do País há já possibilidades económicas de vida. Que ela observa nos seus contemporâneos e na geração ainda mais nova do que ela. Porque em Portugal ainda não entrou a lei que governa a Galiza, como País do Estado Espanhol, que António Montoto e o seu tio Hermínio, bem conhecem e sofrem. Lei mencionada antes, que começa a ter vigência a partir do dia do tratado de adesão à Comunidade Europeia em 1987. O crescimento das crianças é feito dentro de essa possibilidade de alto risco liberal, de necessidade de investimento sistemático em bens de produção de lucro. Bens, dizem os vizinhos, porque o Estado Espanhol fez um alto investimento na agricultura de centos de milhares de pesetas por casa. Como na indústria, organizada no lar, esse investimento das suas poupanças para trabalhar na época moderna, de forma abastecida e adequada aos tempos de mudanças. Poupanças que passam a ser um lucro de milhares de pesetas. Dinheiro que é uma ajuda e uma redistribuição socialista, que logo muda para se concentrar nos jovens industriais e agricultores. E porque nos jovens? Porque do que se trata é de melhorar e modernizar os meios de produção e de entregar esses meios aos mais novos apara aprender gestão de riqueza. A condição era a de se habilitar escolarmente, melhorar a casa que habitam, concentrando as terras tradicionalmente divididas e espalhadas a traves dos anos, por causa dessa antiga lei do Petrucio e Cabezoleiro, hoje em desuso. O capital e o lucro mudam as formas de vida para todos, bem como os sistemas de herança. Não é mais uma orientação a reunir dinheiro por casa para comprar meios de trabalho e tecnologia, com o corpo e a separação familiar. Do que se trata é de criar um País industrial. E para industrializar, é preciso concentrar. Concentrar na habilitação, na indústria, no campo. Eis o uso do estímulo dinheiro, ao qual os jovens, homens e mulheres, casados ou solteiros, aderem rapidamente. Geração em crescimento que tem estado submetida a uma autoridade matriarcal no doméstico, e patriarcal na direcção do trabalho. E, mais interessante ainda, a uma subordinação que tem a ver com quem é que é a pessoa proprietária do único bem que fornecia ajuda reprodutiva até os anos oitenta, a terra e as industrias dos proprietários do capital. O que se faz, é de distribuir a produção do lucro, não a produção da riqueza. A riqueza virá quando o lucro investido for suficiente como para fazer de todos, pessoas a gerir a economia. Industriais, no campo ou na cidade, tanto faz. A lei de 1995 prevê de que em cada casa fique só um jovem a comandar. As casas em transição, têm um esquema ainda intermédio para o dia da riqueza a produzir, chegar. É o caso do Pepe de Tabuada, de quem falara antes. Esse que eu conheci quando moço e cortava lenha para o Cura da Igreja Luís Vázquez, esse Pepe tem um filho com 18 anos, a estudar. Idade ainda não plena, para entrar no sistema económico. Nem preparado está para o mesmo. Pepe, com sabedoria, aposentasse por invalidez aos 49 anos, entrega a propriedade a sua mulher de 40, com a qual tinha casado por amor de vizinhança. O matrimónio, um investimento que eles sabem aproveitar e ensinam a sogra Carmen Cela, a destinar a sua filha solteira, a contrair matrimónio com um agricultor sem terra, irmão de agricultores que sabem produzir, mas não têm terra. O matrimónio faz que adquiram solo para trabalhar e entrar dentro do ditado da lei. E a sogra Carmen, entrega a terra a sua filha Inês, para abastecer de material ao jovem com quem casa. Há um filho, David, que é industrial e comerciante na cidade de Silleda e que nada quer da agricultura. Até porque a terra de Carmen Cela é vizinha da terra de José Tabuada, o meu amigo Pepe, e a
crescentam já a produção e o trabalho e o investimento para industrializar o que há. E esse filho David, que sabe que ou corre a outro posto de trabalho ou fica sem nada para o seu futuro, voa a praticar as suas técnicas superiores em Silleda. Surpreendente foi para mim, quando andava em procura de Flora Dobarro Medela de Tabuada, a mãe do Pepe e filha de Manuel Medela, encontrar a Carmen Cela na rua e ela, calada e de olhos brilhantes, endereça-me em pessoa até o rio, onde a família toda cegava erva. Nem tinha eu pensado das trocas por conveniência feitas hoje em dia. Nem o domínio legal que a dita conveniência dá as pessoas. Como o caso não mencionado do Santiago o Padeiro, esse outro meu amigo de Vilatuxe, Santiago Penteado Pumpin, de quem falo em detalhe no meus textos de 1979 e de 1988: o primeiro a levar um tractor a aldeia e a ter um público que nos anos sessenta, não acreditava em máquinas, nem acreditava em armazenar erva em silos, porque apodrecia. Eduardo Fernández, meu amigo pessoal, quando em esses anos levávamos erva fresca as vacas em carros de mão e as alimentávamos, Eduardo dizia que Santiago era bom para fazer o pão com Felicitas a sua mulher. Mas que para vacas, era tolo. E foi o primeiro que trouxe o tractor, o silo, as vacas atadas, que depois foram imitados pelo pai da hoje enfermeira, Josefina, e pelo próprio Eduardo. Sentia essa obrigação de se modernizar a correr, e a correr no tractor que teve que comprar, a correr para casar a sua filha com um eventual agricultor, e a correr expulsar de casa ao seu filho, abastado comerciante casado com uma professora primária. Esse Eduardo, fica sem herdeiros, em quanto Santiago não se habitua as formas novas e mata-se depois de ter transferido a propriedade ao seu filho José Luís, esse que casara com uma colega de turma, Maria que eu sentava nos meus joelhos e fazia festinhas e ensinava a ler. Esse José Luís que, morto o pai, fica sem orientação e usa o tractor para se matar ele também, em desespero da precipitada modernização da Galiza, nos seus vinte e seis anos. E a propriedade passa a filha mais nova, que é levada a casar com um possível agricultor, um jovem que está na forja. Proprietária agora de terras que, de certeza, serão absorvidas pelo Pepe ou por Neves Arca, que tem casado a sua filha Teresa com outro agricultor. Da mesma forma que os Arca de Gondoriz Pequeno, esse tios de Neves antes, esse sobrinhos agora, casam a filha do irmão de Neves, Guillermo Arca, com o neto do meu velho Eládio Fernández Ferradas, Manuel, que conta ainda hoje, ter aprendido matemática comigo. O único descendente de um Eládio morto hoje aos seus 99 anos, amigo emigrara com os seus parentes para os Estados Unidos. Os lucros eram para comprar terras, mas foi Manuel o único que as adquiriu. O resto dos seus descendentes, profissionais em Silleda, gestores de cooperativas, bêbado o filho Luís que morou com ele até hoje. Este afã legal de converter Galiza numa Holanda, refez toda estratégia matrimonial analisada e escrita por mim nos anos 70, como virá a refaze-la em Portugal quando fique regionalizado conforme a política produtiva de que se fala. E como em Pencahue se faz desde a época Picunche, para juntar terras, amem-se os parceiros ou não. Não interessa. Interesa é fazer filhos viáveis para a terra e a indústria e para o lucro nacional. Que traz riqueza conjuntural ao jovem trabalhador do dinheiro. Eis porque António Montoto, a sua nora Beatriz casada com o seu filho José Gregório, sabem que diversificar os investimentos, dá lucro. Os filhos de Hermínio os concentram. António e Emérita estão felizes porque José Gregório casa com um nome, com um pergaminho que, para alem de todo, é rica, carinhosa e dá netos, em essa ordem hoje em dia. António ouve, vê e cala e trabalha para o traste familiar. Traste familiar que é António filho, que casou com uma rapariga basca e que já tem dois filhos e não trabalha. Quem trabalha, é a mulher. Esse António com vinte e sete anos, que parece ter herdado o senhorio dos Medela do século dez e oito. Eis porque também, o café em casa, o transporte escolar, Emérita no café e no transporte. A diversificação dos investimentos. Em todo o sítio. Porque Anabela em Vila Ruiva faz o mesmo. O seu pai diversificou actividades, que acabou por concentrar no comércio. Anabela se faz professora, trabalha no banco nos verões, compra o seu carro para ir de Cinfães a Vilaruiva, e forma o seu grupo de amigos e projecta os estudos, ano por ano, e enquanto trabalha, para o Mestrado em Ciências da Educação. Como conta na sua história de vida, como tenho observado. As aldeias de ontem mudam rapidamente e a diferença entre uma geração e outra é tão grande, que parece não haver continuidade. Essa continuidade que houve quando a agricultura era o centro do esforço de todos e a base reprodutiva de todos. António não faz agricultura, sempre trabalhou para a agricultura. Beatriz e José Gregório não fazem agricultura, têm um quinteiro. Hermínio, o seu cunhado Amado, Eduardo, Luís de Eládio, não fazem agricultura. Só procuram não perder os seus objectivos de vida. Os seus filhos, não fazem agricultura. O irmão de Anabela, Luís, esse Gestor que nunca quis fazer agricultura, até compra uma casa em Mangualde, na terra da sua mulher em Penalva do Castelo e vive dos negócios. Todo feito, fora do olhar do pai, quem controla. Mais bem, tenta controlar uma geração que fugiu das nossas mãos quando nos somos ainda novos e no poder. No poder, só na medida de que entendamos que a geração muda rápida e urgentemente pelos tratados da União Europeia. A geração do século vinte e um, será ainda dominada pela juventude actual, porque vão todos crescer dentro das mesmas urgências de investir para a riqueza que leva ao lucro.
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