Declaração de Paulo Varela Gomes

As medidas que o Estado português se prepara para tomar não servem para nada. Passaremos anos a trabalhar para pagar a dívida, é só. Acresce que a dívida é o menor dos nossos problemas. Portugal, a Grécia, a Irlanda são apenas o elo mais fraco da cadeia, aquele que parte mais depressa. É a Europa inteira que vai entrar em crise.

O capitalismo global localiza parte da sua produção no antigo Terceiro Mundo e este exporta para Europa mercadorias e serviços, criados lá pelos capitalistas de lá ou pelos capitalistas de cá, que são muito mais baratos do que os europeus, porque a mão-de-obra longínqua não custa nada. À medida que países como a China refinarem os seus recursos produtivos, menos viável será este modelo e ainda menos competitiva a Europa. Os capitalistas e os seus lacaios de luxo (os governos) sabem isso muito bem. O seu objectivo principal não é salvar a Europa, mas os seus investimentos e o seu alvo principal são os trabalhadores europeus com os quais querem despender o mínimo possível para poderem ganhar mais na batalha global. É por isso que o “modelo social europeu” está ameaçado, não essencialmente por causa das pirâmides etárias e outras desculpas de mau pagador. Posto isto, tenho a seguinte declaração a fazer:

Sou professor há mais de 30 anos, 15 dos quais na universidade.

Sou dos melhores da minha profissão e um investigador de topo na minha área. Emigraria amanhã, se não fosse velho de mais, ou reformar-me-ia imediatamente, se o Estado não me tivesse já defraudado desse direito duas vezes, rompendo contratos que tinha comigo, bem como com todos os funcionários públicos.

Não tenho muito mais rendimentos para além do meu salário. Depois de contas rigorosamente feitas, percebi que vou ficar desprovido de 25% do meu rendimento mensal e vou provavelmente perder o único luxo que tenho, a casa que construí e onde pensei viver o resto da minha vida. Nunca fiz férias se não na Europa próxima ou na Índia (quando trabalhava lá), e sempre por pouco tempo. Há muito que não tenho outros luxos. Por exemplo: há muito que deixei de comprar livros.

Deste modo, declaro:

1) o Estado deixou de poder contar comigo para trabalhar para além dos mínimos indispensáveis. Estou doravante em greve de zelo e em greve a todos os trabalhos extraordinários;

2) estou disponível para ajudar a construir e para integrar as redes e programas de auxílio mútuo que possam surgir no meu concelho;

3) enquanto parte de movimentos organizados colectivamente, estou pronto para deixar de pagar as dívidas à banca, fazer não um, mas vários dias de greve (desde que acompanhados pela ocupação das instalações de trabalho), ajudar a bloquear estradas, pontes, linhas de caminho-de-ferro, refinarias, cercar os edifícios representativos do Estado e as residências pessoais dos governantes, e resistir pacificamente (mas resistir) à violência do Estado.

Gostaria de ver dezenas de milhares de compatriotas meus a fazer declarações semelhantes

publicado no Público de hoje.

Comments

  1. carlos fonseca says:

    Sou dos que, sem hesitação, subscrevem ‘as declarações semelhantes’.

  2. Paula says:

    Estou consigo a 100% ! Houvesse apenas 1000 portugueses deste calibre e poderíamos aspirar a viver em democracia.

    Parece que já somos três.

  3. ANTÓNIO SOARES says:

    Eu penso igual…mas 1000 não chega!!!Um milhão talvez…mas desta vez éramos esperados ,não com cravos nas G3,mas com balas a serio…estes lacaios não largam a presa facilmente!!!

  4. Tiago Rosa says:

    Tive a honra de ser aluno deste SENHOR!!!

    Subscrevo 100%.

  5. Luís Loureiro says:

    Desconfio que esta caixita de texto não será suficiente para comentar a mensagem do Professor, de quem também tive o prazer de ser aluno.

    Angustia-me um bocado pensar que esta provocação vá irremediavelmente cair no vazio. Porque infelizmente o Professor é caso muito raro, e nesta como noutras demandas caminhará demasiado sozinho.

    Tenho vindo a dizer aos ilustres camaradas da “elite” conimbricense que apupem. Que é indispensável que tomemos medidas drásticas, que nos manifestemos. Mas quando lhes falo de achar preocupante a margarina e os óleos alimentares serem taxados pela margem máxima, riem. E recomendam-me uma empalhada como solução para preocupações sobre o orçamento, ou sobre as scuts.

    Essas revoltas vão existir, mas como o português não pressentirá a gravidade do que nos está preste a atingir, antes de o sentir na pele, desconfio que não poderão ser pacíficas.

    Pessoalmente não sei como me manifestarei. Mas hei-de me manifestar. Quanto a viver em Portugal e fazer disto uma coisa com sentido, tendo em conta que o reino nunca teve grande governo e que conto no máximo com mais uns 50 anos de vida, julgo que voltarei à minha vida de emigrante brevemente, de onde nunca devia ter voltado.

    Um grande abraço e até breve

  6. o manel e a maria de 2030 says:

    Ó Paulo, tu não deves ser professor de economia não… Tu podes ser velho mas o Estado não acaba quando tu morreres. Esta reforma não é para nós, é prós nossos filhos. Aprende antes de ensinar…

  7. Ó manuel, mau mau maria, queres que eu pague o BPN? e os submarinos? porque não pagais vós? há desconto para casais.

  8. MARGARETECARMEN says:

    Vimos agora nas urnas como as pessoas definem as pessoas que nos governam e tiram tudo a que temos direito e que conquistámos à custa de muito sacrificio, senão nosso de outros. Os Srs. que praticam roubos, que não fazem justiça, que se encobrem porque estão todos no mesmo submarino, esses sim, esses continuam a saltitar de empresa em empresa e ministério em ministério e quando as cadeiras por cá escaldam, vão para bruxelas. Dividem para reinar e metem medo às pessoas e estas, nem todas, estão em cima do muro a ver para ondedevem cair.
    SOMOS RASCAS!

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