a conheci e fiquei rendido

beixo de paixão

Nem parecia ser a realidade. Era um sonho de mulher. Tinha esse temperamento que as vezes muda mas que a paixão sabe aceitar.Bem sei que estamos na muito publicitada cimeira da Organização do Tratado do Atlântico Norte ou OTAN ou NATO em inglês. Bem sei que estamos com problemas de orçamento de estado, que os partidos se apoiam e um minuto depois se desentendem e o dito e tomado por não dito. Bem sei que todo vai ser mais caro porque os nossos legisladores, para tapar os buracos de dívida por eles causado por não saber governar, vão remediar a doença económica com uma subida de impostos como jamais tinha sido vista no nosso país, como também que os nossos ordenados passaram a ter impostos novos, que por ganhar mais do que outros, vai cair sobre mim, como sobre outros um imposto novo e especial. Que estamos à beira de uma eleição Presidencial

para a República e não há candidatos em grupo político nenhum de nenhum partido que tenha condições para esse cargo. E que o desgoverno em Portugal leva mais do que vinte anos. Que vão melhorar a economia com essas atitudes? Perguntem a Pedro Mendes Pinto, que sabe mentir como também se lembra do Pai Nosso, porque o Zé Povinho nada sabe disso. Esqueçamos esses problemas e sonhemos um pouco. Sonhemos acordados, com uma outra realidade que pode-nos acontece na vida e que quando acontece, nem OTANs, nem OEs, nem corridas presidenciais, podem apavorar.

A vi, tornei a olhar para ela. Era o dia de comemoração da minha festa de livros, essa preparada pelos meus antigos discentes e assistentes, orientados de teses ou doutorados por mim. A sala estava cheia. Eram 65 livros que se comemoravam, todos escritos por mim, poucos, resultado de livros organizados com outros. Tinha uma trança a enrolar a sua bem penteada cabeça. Penteado de cabeleireiro, estou certo e parecia-me natural: ia a festa do seu antigo docente pelo qual sempre se tinha importado. A semana que não aparecia essa mensagem electrónica para perguntar pela minha saúde, eu ficava preocupado: será que já não lhe importo, que anda com o seu namorado, o facto mais normal, mas não banal, do mundo. Acabada as várias mesas de louvores a minha obra – eram quatro, todas presididas pelo Reitor: a dos representantes da nossa soberania, a dos diplomatas, a dos novos encarregados do Departamento fundado e gerido por mim ao longo de trinta anos, e a mesa dos que debatiam a minha obra, nove ao todo, e não presidida pelo Reitor por ser a minha mesa. Os nove falaram das minhas diferentes obras, de forma espalhada, porque cada um tinha feito comigo pesquisas em medicina, em matemática, na arte da escrita, em educação especial, em antropologia da educação. Todo organizado por pessoas que hoje são os meus chefes após esses imensos anos em que eu orientei o nosso Departamento e a nossa Universidade, alicerçados por uma pessoas especial que secretaria o meu cantinho onde estava sempre desde as 9 da manhã, até às dez da noite – eis o motivo de doenças que me atacou antes de uma outra bem mais grave, curada por esse sonho de mulher, de olhos azuis esverdeados, cabelo preto natural com madeixas de cabelo em que brotavam cabelos brancos, denominados canas.

Com a sua característica boa educação, esse silêncio em público, essa rir com pessoas íntimas até o pranto de tanta gargalhada, com calças cor castanha, casaco requintado amarelado e camisa de cor branco que salientavam a sua esticada pele de jovem avó, fez fila para assinar-lhe um dos meus livros que tinha comprado e não conhecia, era a música de Mozart para clarinete tocada por Benny Goodman, combinação de gostos tão heterogénea como a sua roupa. Com essa seriedade que demonstra as pessoas desconhecidas ou de patente mais alta, passara-me o livro, eram tantas as pessoas a pedir a minha rubrica que, como é habitual em mim, perguntei o seu nome e mal o pronunciara, larguei a caneta: é, então a minha antiga estudante que tanto se importa por mim e semana sim, semana não, envia uma mensagem para saber como estou? Na sua prudência, disse-me sim, dei-lhe um abraço amigo muito apertado e tantos beijos, que pareciam um duche, que saia de uma boca seca após debate de hora e meia de debate com os meus novos doutores. Para honra dele, havia um sentado ao pé de mim para me assegurar no meio do debate que tive com os dez da mesa de avaliação de debate dos meus trabalhos, mas não conseguiu muito: era tanto o meu entusiasmo, esse frenesi que provoca em mim o debate, proferir aulas ao longo de cinquenta anos, que me assegurei na minha bengala e fui debatendo com todos eles. Foi uma maravilha.

Como essa maravilha, nomeada pela alcunha que lhe forneci a partir desse dia 28 de Outubro de 2008: Maria Cheia de Graça. Porque graça e gracejo vão juntos, são palavras homónimas: gracejo, actoAto ou dito que alegra e faz rir, dom de pessoa graciosa. E cheia de graça com gracejo, ficou. Até o dia de hoje.

Estava habituado a tratar de textos meus com Senhoras, perguntei ao telefone dias depois se tinha tem para colaborar comigo no meu novo livro, disse que sim, e foi um fim-de-semana completo, que passou para o seguinte e assim ao longo de cumprido tempo, que passaram a ser quase dois anos, quer na sua casa, quer na minha.

Foi um excelente percurso de caminho. Apenas que nem ela nem eu sabíamos o mal que eu estava. Ao reparar, deve ter perguntado ao seu amigo médico qual o mal que eu sofria. A explicação deve ter sido certa, porque foi ele quem me melhorara, enquanto ela tomava conta de mim. Escrevi dois livros na sua casa, escrevemos outros tantos entre a dela e da minha, com santa paciência da parte dela, que apenas sabia a sintaxes e eu, a teoria.

Sim Senhores, os cientistas são também seres humanos. Tropeçamos na nossa emotividade, muito embora ainda não tenha sido capaz de encontrar todos as minhas habilidades da vida, demandada como ela é, habituado como estava. As doenças têm sequelas que parecem desprezo e não o são: são acidentes de percursos que sempre esperamos sejam bem entendidos. Nem sempre é o caso. Mas, entre a minha paciência e a dela, por ai vamos andando: com risos e raivas, proximidades e distância, cada um no seu.

A afectividade tem a sua história, que é organizada não, como dizem por ai, a dois, mas com a partilha do tempo, das actividades, dos passeios, dos trabalhos em conjunto. O amor sem história, é apenas uma paixão que se colmata em meia hora. O amor é o sentimento que perdura e ao que dedicamos s nossa sensualidade e sentimentos de carrinho.

Os escritores não apenas colocam hieroglíficos pretos em folhas brancas. Também temos sentimentos muito delicados, ou seria impossível dedicar tempo à investigação, às inovações, ou para novas ideias.

E a vida é assim. Não existe dança andaluza sem cante jondo. Não há filhos sem paixão, ou enteados sim carinhos. Ou inspiração pela escrita se não vê à pessoa dos nossos sonhos, caindo até ficar rendidos a sua sedução…

Os cientistas somos… seres humanos e os escritores, ainda mais: sem sentimentos apoiados não vamos a parte nenhuma. Sim assim for, esses sentimentos advêm das nossas lembranças do dia em que tínhamos amigos e amores. Na minha história de vida, é ainda muito cedo para ficar sem sentimentos partilhados. Fruto da rendição à sedução de quem nos ajuda. Como trio do primeiro acto da ópera de Mozart Cossi Fan Tutte, de 1879: Soave sia il vento, tranquila sia l’onda. Ed ogni elemento benigno risponda ai vostri desir

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