Quem vai a Irlanda salvar?

A Irlanda finalmente cedeu e vai hoje pedir ajuda ao FMI (como me parece que em breve vai acontecer a Portugal). Poderemos dizer que o boom económico da Irlanda se fez à custa de crédito fácil e era por isso insustentável, o que é verdade. O problema é quando se fala nisso, raramente se explica que os responsáveis disso são fundamentalmente os Bancos que se alavancaram de uma forma obscena e em muitos casos criminosa, encontrando-se por isso neste momento numa situação insustentável.

Os leitores mais atentos certamente estarão a interrogar-se sobre o que o estado irlandês tem exactamente a ver com a folia dos Bancos, especialmente num país onde o estado não tem intervenção directa nos mercados financeiros. Aqui encontramos a parte verdadeiramente dramática de toda esta história que vamos recordar a seguir.

Em Setembro de 2008 o governo irlandês cria um plano de salvamento do sector financeiro no valor de 5500 milhões de euros. O Jornal de Negócios proclamava que os bancos irlandeses estavam a salvo da crise.

Portugal por esta altura estava a preparar-se também para nacionalizar o BPN, todos sabemos até onde isso já foi, ou melhor, não sabemos, mas deve ser na ordem dos 5000 milhões de euros (em Janeiro deste ano ia nos 4200 milhões de euros)… Mas voltemos à Irlanda.

Em Janeiro de 2009 o governo Irlandês anunciou a nacionalização do banco Anglo-Irish num negócio de 1500 milhões de euros. Esta nacionalização transferiu efectivamente este montante do estado para os privados donos deste banco. É claro que o estado ficou também responsável por todos os passivos do banco. – É disto que se trata quando se fala em nacionalização dos prejuízos e privatização dos lucros. – Da mesma forma injectou dinheiro noutros bancos em montantes que se especula poderão ter chegado aos 10 000 milhões de euros. Para se terem estes valores em perspectiva temos de ter em conta que o PIB da Irlanda anda pelos 200 000 milhões de euros, ou seja estas quantias representam um rombo muito sério nas finanças do estado irlandês.

Com toda esta quantidade de dinheiro dirigida para fins não produtivos, não é de admirar que a economia real do país se tenha ressentido e muito. Em Maio de 2009 o Económico anunciava o fim do mito do Tigre Celta, prevendo-se grandes dificuldades económicas para o país. Ironicamente na mesma notícia a Grécia era apresentada como um dos países mais resistentes à crise, isto explica muitas coisas dado que esta era uma previsão da Comissão Europeia… As medidas de austeridade tomadas pelo governo não vieram ajudar em nada, chegando o nível de desemprego aos 12.2%.

A palha que partiu as costas ao camelo foi gentil e cuidadosamente colocada pelo próprio governo quando fez o défice saltar para os 32% em Setembro de 2010, com a nacionalização do Allied Irish Banks e com injeções adicionais no Anglo Irish, chegando o resgate dos bancos a cerca de 50 000 milhões de euros. Deste ponto até ao pedido de ajuda do FMI foi um passo que poucos acreditavam evitável.

Concluímos então que quem a Irlanda está a salvar são os credores do seu sistema financeiro:


Exposição à divida dos PIGS

Exposição à divida dos PIGS

Há um aspecto cómico nisto tudo na medida em que muitos dos bancos com maior exposição a esta dívida (e não estou a falar apenas na dívida soberana) são agora propriedade do estado Alemão e Britânico (considerem por exemplo o Banco Hypo ou o RBS). Isto pode explicar o empenho destes países num “salvamento” da Irlanda pelo FMI.

Em Portugal seguimos exactamente os mesmos passos e vamos muito provavelmente obter os mesmos resultados que a Irlanda vai ter agora que suportar.

Isto poderia ser tudo evitável? – O nosso ministro das finanças pensa que não.

Eu penso que com todo este dinheiro, usado para salvar bancos vítimas de fraudes, autênticos roubos, tanto em Portugal como na Irlanda, poder-se-ia ter formado um novo banco, ou capitalizado um banco estatal existente. Este banco poderia facilmente financiar e estimular a economia real, enquanto que a economia imaginária da engenharia financeira seria deixada à mercê das regras dos mercados. O estado cumpria a sua função de garantir o funcionamento da economia e de zelar pelo bem estar da população.

Os ditos defensores do mercado livre nesta altura clamam pela injustiça que representa o estado imiscuir-se nos mercados financeiros, mas para terem razão também não poderiam aceitar o resgate destes bancos fora da lei.

Comments

  1. carlos fonseca says:

    Helder, excelente trabalho. Na mouche! O mais curioso e surpreendente é assistir a uma quantidade de neoliberais a teorizar sobre os atributos do auto-equilíbrio do mercado e da mão invísvel. Neste caso, não é uma. São muitos milhões de mãos de contribuintes a lançar dinheiro para um pote sem fundo que se chama banca. Não cria valor, mas tem que ser salva custe o que custar, mesmo à custa da depressão do sistema económico, do desemprego e de outras chagas sociais, como vidas miseráveis e a fome. Revoltante!

    • Exacto!

      E o pior é que este salvamento nem tem grande chance de ter sucesso. Não estou a ver como é que 100 mil milhões vão ajudar a capitalizar os bancos Irlandeses, a exposição bruta é muitas vezes isso.

      Depois temos o problema Espanhol. Não há dinheiro no mundo suficiente para tornar boa toda esta dívida. Ou seja estamos apenas a adiar o inevitável e no processo pagamos a ladrões (eu gosto do termo bankster).

      O inevitável é claro o colapso do sistema financeiro mundial – resta-nos ter esperança que seja isso o que vai acontecer e não uma guerra cujos primeiros esboços começam a ser desenhados

Trackbacks

  1. […] este circo tem apenas o condão de adiar um pouco mais o problema. Fiz um post sobre este assunto relativamente à Irlanda, os motivos relativos à Grécia e Portugal são os […]

  2. […] Deixa um Comentário – Jürgen Donges, o senhor que disse isto é conselheiro da Sra. Merkel. Nada que não tivéssemos falado já no Aventar (em 2010). Facebook Filed Under: curtas Tagged With: alemanha, angela merkel, bancos, crise […]

  3. […] que é evidente o que se está a passar, pelo menos para quem acompanha estes assuntos. Em 2010 falávamos disto mesmo aqui no Aventar. Os próprios conselheiros da Sra. Merkel admitem em público que os resgates dos bancos dos […]

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