Uma esquecida União Europeia


Durante a I Guerra Mundial, na Alemanha acalentou-se seriamente o projecto da criação de uma Europa, cujos contornos, ainda que difusos, decerto a tornariam numa muito alargada réplica do Reich renascido em 1871, quando vitoriosa sobre a França de Napoleão III, a Prússia ergueu-se como suserana dos Estados componentes das Confederações alemãs do Norte e do Sul. De facto, ao longo da guerra foi sendo projectada a criação de reinos no leste, precisamente nos territórios que os austro-alemães iam conquistando ao colosso russo. A Finlândia receberia o seu rei proveniente da Casa de Hesse, enquanto a soma da Estónia e da Letónia, faria surgir os Ducados Bálticos Unidos com Adolfo Frederico de Meclemburgo Schewrin como soberano. Na Lituânia, Guilherme, Duque de Urach, seria feito rei com o nome local de Mindaugas II. O mesmo se preparava para a Albânia, Polónia e talvez, a Ucrânia. Neste espaço que ia da Silésia às margens do Volga, Guilherme II seria o previsível Kaiser de facto, embora se conservasse a aparente soberania local dos novos potentados instalados.
O projecto pan-Europeu anda sempre indissoluvelmente ligado à preponderância da potência continental de cada momento e se os séculos XVI e XVII apontavam a Casa de Áustria como a provável herdeira dos Césares romanos, a ascensão francesa acalentou o mesmo sonho, desde Luís XIV a Napoleão I.

O Armistício de 1918 fez ruir o plano e os anos vinte trouxeram um certo renascimento da ideia da Pan-Europa, desta vez através do austríaco Coudenhove-Kalergi, sucedido na presidência do movimento, pelo Arquiduque Otão de Habsburgo. O projecto visava garantir a hegemonia europeia no mundo, através de uma união política económica e militar. O final da década traria a Grande Depressão e a definitiva consolidação dos regimes nacionalistas de cariz autoritário, desfazendo os sonhos confederais e impondo os pontos de vista do alargamento de fronteiras através de políticas de anexação de territórios a expensas dos Estados mais fracos. A Alemanha, a Itália, a Hungria, a URSS e até a Polónia, iniciaram uma sistemática corrida à obtenção de terra vizinha, nos processos que ficariam conhecidos como o Anschluss (1938), o Acordo de Munique (1938), o “golpe de Praga” (1939), o Pacto Germano-Soviético de 23 de Agosto de 1939, a ocupação italiana da Albânia (1939), o Ultimatum soviético à Roménia (1940) e a Arbitragem de Viena (1940), esta última em claro benefício da Hungria.

Durante a II Guerra Mundial, o projecto europeu foi sendo reivindicado como um factor de estabilização continental e Pierre Laval, o ministro dos Negócios Estrangeiros francês advertia Hitler e Ribbentrop em 30 de Abril de 1943, para em vez de “gagner la guerre la guerre pour faire l’Europe, faites l’Europe pour gagner la guerre”. Pouco tempo depois e pretendendo falar seriamente, o marechal H. Goering declarava ao Nouveau Journal que o nacional-socialismo não era um artigo de exportação e que “cada pais será inteiramente livre no quadro da nova Europa.” Mesmo dentro da liderança alemã, existiam duas fortes correntes que se opunham, onde Goebbels, aparentemente alinhando nos planos de Haushofer, sentia a necessidade do estabelecimento de uma Ordem Nova com a colaboração dos Estados secundários, enquanto o bastante inepto Ribbentrop preconizava a imposição pela simples conquista. Em Agosto do mesmo ano de 1943, o marechal Goering dizia ao italiano Farinacci – membro do Grande Conselho Fascista – que “realizaremos a união do continente no seio de um organismo supra-nacional único, no qual cada um dos membros conservará uma inteira autonomia e desaparecendo as fronteiras aduaneiras, pois a condição de uma síntese política europeia é antes de tudo, a união económica da Europa. Desta forma, os europeus compreenderão que trabalham para toda a Europa”. Goering pensava ser um imperativo, a criação de organismos políticos sob uma base federativa e numa primeira fase, surgiriam sete federações políticas:
1. A Península Ibérica
2. A França e a Bélgica
3. A Alemanha, Dinamarca, Polónia, Estados Bálticos, Eslováquia, a Boémia (actual Rep. Checa), a Suíça e a Itália
4. A Croácia, Sérvia, Albânia e Grécia
5. As Ilhas Britânicas
6. A Suécia, Noruega, Finlândia e Islândia
7. A Hungria, Roménia, Bulgária, Ucrânia, Crimeia e Bielorússia

Este ordenamento evoluiria mais tarde para três federações principais e complementares:
O Grupo Latino: França, Bélgica, Itália, Balcãs ocidentais, Grécia, Península Ibérica e Ilhas Britânicas
Grupo Germânico: Alemanha, países escandinavos, Estados Bálticos
Grupo Eslavo e oriental.

Quando atingisse este estádio, “o continente encontrar-se-á maduro para a união política, conservando as autonomias regionais e adoptando um plano comum de cooperação em África”. Mais ainda, Goering dizia que “mesmo que percamos a guerra, este é, na minha opinião, o futuro da Europa e nada impedirá a evolução neste sentido”.

Como curiosidade, acrescentemos que durante a guerra, os bancos alemães substituíram a City nas operações financeiras em todo o continente ocupado, enquanto a cada país era atribuída uma obrigação nas contribuições para a vida de uma Europa forçada à autarcia, destacando-se aqui, a agricultura francesa. As trocas comerciais entre a Alemanha e toda a Europa satelitizada foram subindo, enquanto caíram fronteiras monetárias, como por exemplo aconteceu, entre o Reich e a Holanda. Desta forma, processou-se uma rápida drenagem de recursos em direcção aos cofres alemães, devido à plena produção de bens vendidos aos países incluídos na esfera de influência de Berlim. A evolução da guerra, deitou a perder o projecto que anos depois ressurgiria noutros moldes bem conhecidos.

Todo este arrazoado não passará de mais um acaso, ou irónica coincidência da História.

Para saber mais:
Goebbels, Curt Riess, Hollis and Carter, Londres, 1949
Secrets Diplomatiques 1939-1945, Jacques Launay, Brepols, Paris 1963
Mein Kampf, Adolfo Hitler, Pensamento, Lisboa, 1987
Mémoires, N. Horthy, Hachette, Paris, 1954
La Guerre Totale, Ludendorff, Flammarion, Paris, 1937

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